Hasta la victoria, siempre

Para Velásquez, Farc estão acuadas. E a polêmica proposta de Chávez é, sim, um caminho para a paz

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Quando Alejo Vargas Velásquez era um jovem interessado em política, existiam algumas guerrilhas de esquerda na Colômbia. Alejo tinha simpatia pelo Movimento 19 de Abril, o M-19, transformado em partido legal em 1989. As Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, eram para ele, já naquela época, um atraso: "Uma guerrilha rural, perdida no norte". Hoje, professor-titular da Universidade Nacional da Colômbia, da qual já foi vice-reitor, Alejo Velásquez é um respeitado cientista político. Autor de dez livros, é especialista nos conflitos armados de seu país. Como tal, é membro da "comissão de facilitação" que atua aproximando governo e Exército de Libertação Nacional (ELN), o segundo maior movimento guerrilheiro da Colômbia. Definindo-se como "de centro-esquerda", Alejo é testemunha de como pode ser penoso virar certas páginas da história: "Como no passado, meus alunos rejeitam as Farc profundamente". Mas elas permanecem. De seu escritório em Bogotá, ele concedeu ao Aliás a seguinte entrevista: Os relatos trazidos pelos reféns libertados acrescentam alguma novidade ao que já se sabia sobre as Farc? Não exatamente. A única novidade é que ficaram evidentes os maus-tratos a que estão submetidos os seqüestrados. Isso provocou uma intensa rejeição nacional às Farc, que culminará com um grande protesto contra o grupo marcado para o dia 4 de fevereiro. Claro que estou de acordo com esse tipo de manifestação. Mas, infelizmente, não creio que isso tenha maiores efeitos sobre o processo de paz que todos nós desejamos, a não ser no sentido de chamar a atenção da comunidade internacional. A situação é de uma complexidade absurda. E depende, no fundo, de que as posições sejam mais flexíveis. O senhor acha que as Farc devem ser consideradas insurgentes e não terroristas? As Farc são uma organização guerrilheira que comete atos terroristas com muita regularidade. Por um lado, elas ainda mantêm, sim, sua intencionalidade política. Mas, por outro, não se pode negar o caráter terrorista de muitos de seus atos. No entanto, a proposição feita pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, de redefinir o grupo como uma organização insurgente não deve ser de todo descartada. Se for parte de um amplo processo de paz, pode ser interessante. Do contrário, não. Explique melhor sua opinião. A proposta de reconhecer as Farc como um ator político levantado em armas é válida. Mas apenas se houver uma contrapartida clara por parte da guerrilha, que deve se comprometer com um processo de paz. Isso significa libertar os seqüestrados e deixar de cometer atos terroristas. Neste contexto, estou de acordo com a proposição de Chávez, e me parece que seja realmente necessário esse reconhecimento político para que avancemos em direção a uma solução política negociada - um passo para que as Farc deixem de ser uma organização armada e se transformem num grupo político dentro da legalidade. Agora, qualquer medida dessa natureza que não obrigue à contrapartida vai apenas conferir legitimidade à guerra. E isso seria uma espécie de haraquiri para a sociedade colombiana. A pacificação da Colômbia passa pela libertação de membros das Farc prisioneiros? Sim. Mas qualquer processo de paz na Colômbia requer previamente a liberdade dos seqüestrados pelas Farc e pelo ELN. Embora não se possa ignorar a particularidade de cada caso e seus contextos históricos, o expediente de libertação de prisioneiros foi o que permitiu a pacificação de grupos como ETA e IRA. Essa ferramenta, no entanto, não tem sido utilizada adequadamente. Parte do nosso problema tem sido a atuação dos chamados "inamovíveis" de ambos os lados. Nesse sentido, o que se deve pedir aos facilitadores envolvidos no processo - por exemplo, Hugo Chávez - é que façam um trabalho mais discreto com as Farc, de forma que suas posições possam se flexibilizar. Ser discreto não parece tarefa fácil para Hugo Chávez. Chávez mostrou ter credibilidade entre as Farc, e isso o habilita como um facilitador importante. Infelizmente, para nós, ele tem um estilo nada diplomático, criador de controvérsias. Não tenho dúvidas de que isso limita sua capacidade de manobra. De início, a sociedade colombiana se sentiu agradecida quando Chávez ajudou na libertação de Clara e Consuelo. Mas voltou-se contra ele depois de sua proposição para que reconhecêssemos politicamente as Farc. Muitos consideraram uma intromissão em assuntos internos do país. Agora há uma guerra verbal entre Chávez e o governo da Colômbia, com a acusação até mesmo de um complô para assassiná-lo. Isso serve para tensionar as relações. E demonstra a complexidade do nosso problema. O governo brasileiro age com timidez no caso das Farc ou tem uma posição adequada? O Brasil é uma potência regional que deveria desempenhar papel mais ativo na busca de saídas para o conflito colombiano. De fato, há muitos setores na Colômbia para os quais a posição brasileira é de baixo perfil, excessivamente tímida. Alguns de nós, acadêmicos, propõem que o Brasil lidere uma espécie de Grupo de Contadora (formado por Colômbia, Venezuela, México e Panamá em 1983, tinha por objetivo promover a paz na América Central, mediando conflitos em El Salvador, Nicarágua e Guatemala) para atuar na questão das Farc. Parece-me que uma iniciativa desse tipo poderia ter muita utilidade, se fosse possível promovê-la de maneira diplomática e com muito respeito a nossa soberania. O fato de Lula ser líder de uma esquerda democrática, de ter sido dirigente sindical, fundador do PT, lhe dá uma ascendência importante em determinados setores e permitiria ao Brasil uma política mais ativa na região. Mas não é o que acontece. A recente deserção de uma coluna de guerrilheiros aponta para o enfraquecimento das Farc? Com certa freqüência, ocorrem deserções em algumas colunas da guerrilha. Mas em geral são pequenos grupos, que por muitos motivos abandonam suas fileiras - o simples cansaço é um deles. De todo modo, as Farc foram, sim, golpeadas e diminuídas nos últimos anos. As Forças Armadas colombianas são hoje muito mais capazes militarmente do que eram há oito ou nove anos. Em conseqüência, a guerrilha tem sofrido reveses consideráveis. Isso não significa, no entanto, que sua coluna vertebral tenha sido em algum momento atingida. As Farc ainda têm uma importante capacidade militar. Elas têm boa estrutura militar? Sim. O problema é que os guerrilheiros têm cada vez mais dificuldades para coordenar seus diversos grupos, justamente por causa da pressão militar das Forças Armadas. Mas, efetivamente, têm uma boa estrutura militar, construída com recursos vultosos que vêm de atividades ilegais, principalmente do narcotráfico e do seqüestro. Isso permite que adquiram armamento no mercado negro. Lembre-se que o então presidente do Peru Alberto Fujimori e um ministro de seu governo envolveram-se com tráfico de fuzis para as Farc há alguns anos. Como as Farc se organizam? Seu órgão máximo é o "secretariado", formado por sete membros. Depois há estruturas de blocos regionais e as frentes. Cada frente, por sua vez, tem guerrilheiros e companhias. Ou seja, é uma estrutura muito semelhante à de um exército comum. Usam uniforme militar. Mas, quando necessário, vestem-se de civis e confundem-se com a população local. Isso gera muitos problemas, como se pode imaginar. Nas áreas de maior presença da guerrilha, nunca se sabe ao certo quem é combatente e quem não é. Como vivem os guerrilheiros? Sabe-se que hoje, sob forte ofensiva militar, vivem em condições muito difíceis. Há algo que sempre se diz na imprensa internacional e que é uma distorção: a guerrilha colombiana controla tanto por cento do território colombiano. Não é verdade. Ela não controla território nenhum. No passado, quando havia a zona de distensão de Caguán (parte desmilitarizada do departamento de Caquetá, sudeste do país), durante o governo do ex-presidente Misael Pastrana, as Farc possuíam até veículos. Hoje em dia isso é impensável, porque elas estão sendo empurradas cada vez mais para as áreas montanhosas. Lá não há sequer estradas, apenas trilhas. Com a eliminação dos grandes cartéis colombianos de drogas, como ficou a relação das Farc com o tráfico? Os grupos que nos anos 80 eram considerados os dois grandes cartéis colombianos - o cartel de Medellín e o de Cali - foram realmente eliminados. Mas de modo algum isso resolveu o problema da droga no país. Na verdade, o problema foi dividido em muitos pequenos cartéis, que são acusados de ter íntima relação com a guerrilha. Para o produtor de cocaína, qual a vantagem na relação com as Farc? Em algumas regiões, parecem ocorrer relações de cooperação: o produtor pede a proteção da guerrilha e por esse serviço ele paga uma espécie de imposto ou oferece uma parcela de seus ganhos. Em outras regiões, no entanto, traficantes e guerrilheiros se confrontam, competindo por rotas de tráfico, controle de laboratórios de refinamento da droga e aeroportos clandestinos. Há alguma ideologia de esquerda nas Farc ou o grupo se tornou meramente criminoso? Na tropa de combatentes tende a haver muitos que foram recrutados à força ou encontraram na guerrilha um meio de sobrevivência. Nos quadros médios e entre os dirigentes do "secretariado" continuam existindo pessoas com uma formação marxista muito ortodoxa. Seus discursos estão carregados de referências leninistas e stalinistas. As Farc exercem alguma atração sobre os jovens colombianos? Sou professor de uma universidade pública que historicamente tem fama de abrigar grupos de esquerda. Posso lhe dizer que a maioria dos estudantes rejeita profundamente as Farc. Mas outra coisa parece acontecer em alguns setores europeus, que continuam vendo essas guerrilhas como o Robin Hood de outros tempos. Qual é exatamente o número de reféns mantidos pela guerrilha? Fala-se em cerca de 700, mas é muito difícil ter um número preciso. Existem seqüestros que não são denunciados, mas pagos e resolvidos de maneira rápida. Em outros casos, delinqüentes comuns agem usando o nome da organização. Os cerca de 500 guerrilheiros presos pela Justiça eram pessoas importantes nas Farc? Há presos de todo tipo, a maioria condenada por seqüestro ou delinqüência. Mas o fato é que se tem muitas dúvidas sobre a real ligação de boa parte deles com a guerrilha. Ano passado, Rodrigo Granda (conhecido como o "chanceler" das Farc) foi solto a pedido do presidente da França Nicolas Sarkozy. Era o preso mais importante. Restaram pessoas que aparentemente tinham níveis mais baixos dentro das Farc. Por sua importância política, quais são as chances de a ex-candidata à presidência Ingrid Betancourt conseguir sua liberdade? É muito difícil. Apenas um acordo de tipo humanitário pode tirá-la dessa situação. Qualquer coisa diferente disso é complicado. Note que Sarkozy deu a impressão de que atuaria com muita força pela libertação de Ingrid. Mas suas declarações, hoje, soam como algo para consumo da política interna francesa. Creio que, à medida que se reconhece a complexidade do conflito colombiano, fica claro que o problema não se resolve somente com boa vontade política. Não demorou para que Sarkozy percebesse isso. Houve violência sexual contra Clara Rojas ou a relação que gerou Emmanuel foi consentida? Até hoje, Clara não quis falar sobre o assunto e os meios de comunicação têm respeitado sua posição. Em outros casos, houve denúncias de violação sexual. Mas não são freqüentes. As Farc ameaçam a democracia colombiana? São uma ameaça cada vez menos importante. É claro que a democracia não pode funcionar bem se os cidadãos estiverem sendo intimidados por pessoas armadas que decidem em quem eles podem votar. Mas essas são situações, hoje, muito marginais. É preciso que se diga que a Colômbia tem uma enorme tradição democrática. Em todo o século 20 houve no país um único golpe militar - e (o regime) durou apenas três anos. Se o senhor estivesse numa posição de negociador, qual seria sua proposta para a paz? A experiência mostra que é muito difícil resolver esse tipo de conflito sem uma participação ativa de outros países. Em segundo lugar, é necessária uma política pública na qual se combine uma clara proposta de negociação e um fortalecimento da capacidade dissuasiva do Estado. Isso é parte do que posso criticar no governo de Álvaro Uribe: ele fez um bom trabalho quando fortaleceu as Forças Armadas, mas não foi suficientemente ousado para formular uma política de negociação, algo que poderia ser feito por um Estado fortalecido como o que temos hoje na Colômbia. Em terceiro lugar, parece-me muito importante abrir as possibilidades de participação às organizações da sociedade civil, para que ajudem a promover o cenário de aproximação, a acompanhar os processos, a fazer um exame cidadão dessas aproximações. O senhor está com que idade? 58 anos. Acredita que estará vivo para ver a Colômbia sem as Farc? Tenho plena confiança nisso. Mesmo com o fim do conflito, a guerrilha será por longos anos uma ferida aberta? Nosso processo pós-conflito será tão difícil quanto o próprio conflito. Não guardo nenhuma ilusão quanto a isso. Será um processo lento e traumático. Mas espero que tenhamos sucesso e a próxima geração de colombianos tenha um país como todos desejamos - uma democracia mais inclusiva, mais participativa e mais eqüitativa. BRASIL "Poderia liderar um grupo de países para a solução do conflito. Mas atua timidamente" BANDIDAGEM "Em certas regiões,guerrilha e tráfico disputam rotas, laboratórios e aeroportos"

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