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Ilustrador Jean-Jacques Sempé captou a poesia das grandes cidades

Morto aos 89 anos, artista foi colaborador da revista 'New Yorker' e criou o 'Pequeno Nicolau'

Por Matheus Lopes Quirino
Atualização:

O mundo fica menos colorido sem Jean-Jacques Sempé. Ilustrador francês dos maiores, ele morreu às vésperas de completar 90 anos, faria aniversário no próximo dia 17; a velinha se apagou antes da festa… Na noite de ontem, ilustradores, escritores e profissionais das artes se mobilizaram nas redes sociais para fazer jus à memória do mestre. Foram republicados trabalhos antológicos do autor, aquarelas com os terraços de uma Paris dançante a episódios de seu pequeno Nicolau.

No jornalismo cultural, Sempé foi uma estrela: ilustrador da revista New Yorker, começou a colaborar com a meca do jornalismo cultural em 1978, há exatos 44 anos, tendo ilustrado uma edição da semana de 14 de agosto. Só na publicação, foram mais de 100 capas, além de ilustrações que acompanhavam ensaios dos mais diversos temas. 

Sempé retratou personagens de grandes cidades, como Paris e Nova York Foto: Jean-Jacques Sempé

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Icônico, o traço de Sempé retratou a solidão nas grandes cidades, as angústias do homem moderno, a busca pelo amor ou, num instante de graça, a procura por um flagrante que desse graça e cor à vida, como em uma capa da semana de 21 de março de 1988, em que um homem encapotado fixa a atenção para uma pintura, através de uma vitrine. Ao redor, os cinzas e sépias borrados pela aquarela do francês mostram com perfeição a atmosfera das manhãs frias e chuvosas de trabalho. 

 

A delicadeza triunfa nos trabalhos de Sempé. O traço, infante, carrega uma carga de nostalgia. Seu best-seller, O Pequeno Nicolau, formou gerações de leitores. A receita bem-sucedida é fruto de uma parceria de longa data com o escritor René Goscinny (1926-1977), que criou personagens marcantes da banda desenhada franco-belga, como Lucky-Luke

Uma edição da revista com ilustração do francês, icônica. Foto: Jean-Jacques Sempé

 

O encontro com o escritor foi em 1956, Sempé, aos 24 anos, já desenhava para revistas independentes desde os 19. A amizade com Goscinny se deu por temperamento e semelhanças. Os dois passaram por várias profissões liberais antes de ingressarem na vida cultural (Sempé chegou a ser monitor de colônia de férias, Goscinny, guarda-livros em uma fábrica de pneus). A série do garotinho foi publicada regularmente entre 1956 e 1964 e foi adaptada para a televisão. 

 

Ao longo da obra de Sempé, é de se esperar que o ilustrador foi uma criança espoleta. Na infância, chegou a ser expulso do colégio por indisciplina. O período, no entanto, influenciou toda a sua obra. Hoje cult, seu humor tinha repertório filosófico. Sempé, leitor confesso, foi amigo de escritores como Süskind e Modiano (tendo ilustrado obras dos autores, como A História do Senhor Sommer, do alemão). 

Ilustrações que viraram capa da revista 'The New Yorker' Foto: Jean-Jacques Sempé

 

Sempé também trabalhou como ilustrador na revista Paris Match e no suplemento literário do jornal Le Figaro. Em outubro, será lançado, na França, um documentário sobre o processo criativo de O Pequeno Nicolau, um documentário que ganhou o Crystal d'Or no Festival de Animação de Annecy deste ano. 

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Nascido em uma família humilde de Bordeaux, Sempé foi a Paris ganhar a vida e acabou eternizando a capital como cartão postal em sua obra. Cenas do cotidiano surgem de seus pastéis durante os passeios do artista pela cidade e, não raro, seus personagens (desenhos simples e certeiros) parecem expressar sentimentos universais, e sem palavras. 

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