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Improvável e indesejável

Quebra de legalidade e perda de investimentos: é como Wall Street vê pedido de impeachment

Por João Augusto de Castro Neves | Washington
Atualização:

Cai ou não cai? A pergunta reflete hoje a maior dúvida dos investidores sobre o futuro do governo da presidente Dilma Rousseff. Protestos nas ruas, crise no Congresso, economia em ruínas e um escândalo de corrupção de proporções monumentais mais do que justificam a preocupação de quem está com um olho em Brasília e o outro no bolso - ou na bolsa.

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As incertezas em relação ao governo Dilma, aliás, não são novidade. Em Wall Street, o breve entusiasmo com a possibilidade de derrota da presidente na dramática eleição do ano passado já tinha dado lugar à frustração depois de confirmada a reeleição. Afinal, para muitos investidores, a melhora do ambiente econômico só seria possível sob um novo governo. 

Depois do pleito, a preocupação se voltou ao rumo que a presidente reeleita daria às políticas macroeconômicas e setoriais. A crença de parte significativa do mercado era de que o novo governo Dilma dobraria a aposta no receituário que caracterizou o primeiro mandato: propensão ao dirigismo, desconfiança inata em relação ao capital privado e expansionismo fiscal. 

Cada macaco no seu galho.As ruas querem mais gastos e o mercado, mais austeridade Foto: BRENDAN MCDERMID/REUTERS

Nem mesmo a nomeação de uma nova equipe econômica, liderada pelo ministro Joaquim Levy, foi capaz de dissipar plenamente a nuvem de desconfiança. O ministro, afinal, não contaria com o apoio irrestrito da presidente ou as medidas de austeridade não seriam aprovadas por parlamentares cada vez mais suscetíveis às pressões das ruas... ou das investigações da Operação Lava Jato.

Para a Eurasia Group, consultoria de risco político onde trabalho, esse pessimismo em Wall Street, apesar de justificado, era um tanto extremado. Além da vitória de Dilma, apostávamos que a presidente reeleita, constrangida por uma conjuntura mais desfavorável, buscaria corrigir o rumo de algumas decisões implementadas no decorrer de seu primeiro mandato. E que, apesar das dificuldades, boa parte das medidas de ajuste que foram anunciadas no início do ano seria aprovada. 

Mesmo tendo acertado mais do que errado em nossas previsões, enxergávamos também alguns riscos no horizonte. Afirmávamos que, de certa forma, o segundo mandato seria o oposto do primeiro. Se por um lado o governo estaria mais disposto a corrigir o rumo, o que inclui uma reversão das políticas que causaram as distorções durante o primeiro mandato, por outro a rápida dilapidação do capital político herdado da Era Lula dificultaria a capacidade da presidente de levar a cabo essa correção. 

Afinal, não bastasse uma economia em recessão e desemprego e inflação em alta, a presidente enfrenta ainda a frustração crescente das classes médias, um Congresso fragmentado e refratário e as investigações imprevisíveis da Lava Jato. 

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Diante dessas dificuldades, muitos investidores estrangeiros começaram a enxergar um eventual impeachment da presidente como uma “bala de prata” contra a crise. Afinal, entre as opções mais prováveis para substituir um governo PT - seja o PMDB, seja o PSDB -, ambas representariam uma melhora, pois teriam mais credibilidade, capacidade e convicção para governar e implementar as medidas necessárias. 

Essa aposta, no entanto, é no mínimo arriscada. Em primeiro lugar, porque um impeachment tende a ser um processo demorado e turbulento, eivado de incertezas. E, mesmo que aconteça, vários meses de batalhas políticas e legais afundariam o País ainda mais. O ponto de partida do próximo governo, portanto, do ponto de vista do investidor, seria provavelmente muito pior que o atual.

Ademais, os mesmos fatores que hoje aprofundam a crise limitariam a margem de manobra de qualquer governo pós-Dilma. Enquanto o sistema financeiro continuará demandando mais austeridade, as ruas seguirão pressionando por mais gastos. Ou seja, a receita do ajuste fiscal a ser implementado seria praticamente a mesma. Já os protestos, estes apenas mudariam de cor. 

A Lava Jato, por sua vez, continuará seu curso, independentemente de quem esteja no terceiro andar do Palácio do Planalto. Além de projetarem uma sombra sobre setores-chave da economia, como os de energia e de infraestrutura, as investigações continuarão gerando turbulências no Congresso. Afinal, ainda que o vice-presidente Michel Temer não esteja diretamente envolvido, uma parte considerável de seu partido, o PMDB, permaneceria no radar dos procuradores. Não há, portanto, uma saída fácil para a crise atual. Ainda assim, a ordem do dia para analistas de risco político é responder se a presidente Dilma termina ou não o mandato. Nossa resposta: o impeachment é bastante improvável. Mas antes de explicar cabe um “parênteses”. 

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Se prever o resultado da eleição de 2014 já foi um trabalho difícil, traçar cenários para o impeachment é uma tarefa mais complicada ainda. Durante o pleito, contávamos ao menos com um modelo estatístico que serviu como um bom ponto de partida para as nossas análises. 

Enquanto analistas contemplavam várias hipóteses sobre a eleição - os protestos vão derrubar a Dilma; a desaceleração da economia vai tirar o PT do poder; a corrupção na Petrobrás vai desmascarar o governo e inviabilizar sua reeleição; o fracasso na organização da Copa do Mundo ou até mesmo o vergonhoso 7 a 1 contra a Alemanha (!) seriam a gota d’água -, nosso foco era outro. Para nós, o fator determinante da eleição seria a popularidade da presidente, que, apesar de declinante, ainda estava em níveis confortáveis para quem concorre a uma reeleição. 

Já processos de impeachment, felizmente, são fenômenos muito mais raros na vida política do que eleição. Recorrer a estatísticas ou bancos de dados nesse caso seria, portanto, um exercício inútil. 

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O que explicaria então a baixa “probabilidade” que atribuímos ao risco de impeachment? Apesar da evidente deterioração da crise e da relativa incapacidade de o governo responder à altura, um processo de impeachment dificilmente se materializará sem a coexistência de quatro condicionantes. A saber:

1.Popularidade presidencial baixa. Sem dúvida a presidente Dilma preenche esse requisito com louvor, vistos os números das últimas pesquisas de opinião. Uma prolongada desaceleração da atividade econômica, com seus efeitos sobre a renda e o emprego, continuarão deprimindo a aprovação do governo Dilma a níveis próximos do atual por um bom tempo. Acrescente os próximos capítulos da novela Lava Jato e o impacto que continuará tendo no noticiário, é possível afirmar que a insatisfação com a presidente obedecerá à lei da gravidade, inexoravelmente alcançando as camadas mais pobres da sociedade. Mesmo que sobreviva, na melhor das hipóteses não será um resto de mandato brilhante para o governo Dilma. 

2.Isolamento político da presidente. Mesmo com a popularidade menor que a taxa de juros, a presidente ainda tem apoio de boa parte da esquerda e dos principais movimentos sociais. Essa relação certamente será tensionada pela crise econômica, já que greves e protestos de grupos organizados deverão ficar mais frequentes. Mas o principal risco é de que a presidente se afaste do PT e com isso perca sua base de apoio. Isso aconteceria se as investigações da Lava Jato chegarem mais próximas do partido e do ex-presidente Lula. Afinal, enquanto o instinto de sobrevivência de Lula e do PT seria migrar para esquerda, para recompor as ligações históricas com os movimentos sociais, o da presidente Dilma é ir na direção contrária, ou seja, redobrar a aposta no ajuste para evitar uma crise econômica mais profunda. Nesse cenário, a ambiguidade que a presidente vem mantendo até agora seria insustentável. A perda de apoio dos movimentos sociais colocaria a presidente Dilma numa situação mais parecida com a do ex-presidente Fernando Collor.

3.Provas contundentes de crime. Parece uma afirmação óbvia, mas até o momento não há nenhuma prova contra a presidente que justifique um processo de destituição. Se impopularidade, “estelionato eleitoral”, truques fiscais ou até mesmo incompetência dessem margem ao impedimento, estaria criado um precedente perigoso para os próximos governantes. Mesmo reconhecendo que impeachment é um processo predominantemente político, é necessária uma base legal mais sólida do que a que existe hoje para desencadear o processo. 

4.Alinhamento entre o PMDB e o PSDB. No fim das contas, um processo de impeachment dependerá do Legislativo, mais especificamente, de um entendimento entre o maior partido do Congresso e o principal partido da oposição. Até o momento, a ausência dos condicionantes 2 e 3 reduz os incentivos para uma postura mais radical, pois geraria dúvidas, dentro e fora do País, sobre a legitimidade do próximo governo. Ademais, a saída da presidente teria efeitos distintos sobre o PMDB e o PSDB, tornando uma aliança entre os dois partidos, no mínimo, instável. 

Diante de todos esses cenários, o menos pior para o investidor em Wall Street até agora parece ser aquele em que a presidente Dilma termina seu mandato com um mínimo de capacidade de mudar as políticas que provocaram distorções durante o primeiro mandato. Apesar da provável piora da crise nos próximos meses, a tendência é de que a situação comece a se estabilizar lentamente no ano que vem.

A principal ameaça a esse cenário? Não são os protestos tampouco a chicana política que aflige o Congresso, mas a Lava Jato. Apenas ela poderá produzir todos os condicionantes para o impeachment. 

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JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E DIRETOR PARA A AMÉRICA LATINA DA CONSULTORIA DE RISCO POLÍTICO EURASIA GROUP

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