Informação, boatos e muitos, muitos dólares

A internet está mudando a campanha americana, mas por enquanto ainda é a TV que atinge mais eleitores

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Na capa da revista The New Yorker, Michelle Obama se veste como os radicais negros dos anos 60, cabelo blackpower e tudo, carrega uma AK-47 pendurada às costas. Seu marido, o candidato à presidência Barack Obama, porta uma túnica árabe. Estão no Salão Oval da Casa Branca. Na lareira, uma bandeira americana está em chamas. Na parede, onde por tradição repousa o retrato de George Washington, aparece outro. É o de Osama bin Laden. (Uma reprodução da imagem está na página 2 do Aliás.) A New Yorker é uma das mais tradicionais revistas liberais dos EUA. Seu diretor, David Remnick, é crítico conhecido do governo Bush. Entre ele e seus leitores, é difícil imaginar muitos que votem contra Obama. O objetivo era satirizar os muitos rumores infundados que cercam o candidato democrata. E-mails anônimos que circulam pela internet, distribuídos e redistribuídos numa ciranda louca, informam aos incautos que, quando tomou posse em seu primeiro cargo público, Obama fez o juramento repousando a mão sobre o Alcorão, dispensando a Bíblia. Dizem que, quando jovem, estudou numa madrassa, a típica escola muçulmana. Sobre sua mulher, a história que os e-mails sem dono contam é que certa vez foi filmada numa igreja do movimento negro se referindo "aos branquelos". Uma racista às avessas. Nenhuma das informações é verdadeira. A sátira foi criticada por todo lado - incluindo-se aí o candidato republicano, John McCain, que a classificou como "de mau gosto". Mas também houve quem a defendesse. "Cobrar que a imprensa proteja o homem comum do estrago que uma sátira pode causar é estranho e paternalista", reclamou Jack Shaffer, crítico de mídia da revista eletrônica Slate. A questão por trás da cizânia pode ser resumida em números absolutos e relativos. De todas as buscas feitas diariamente no Google, a palavra digitada ao lado de "Obama" com mais freqüência é "president". Em segundo lugar está a busca de "Obama muslim". Quer dizer Obama muçulmano. Esta que é a segunda busca mais popular por Obama revela mais de nove milhões de páginas com resultados. Por mais absurda que seja a idéia, muitos americanos desconfiam que ele seja, sim, muçulmano. A imprensa desmente os boatos ou sequer trata deles. Mas a imprensa já não tem mais o monopólio da informação, que continua a circular de caixa postal em caixa postal eletrônica numa roda sem fim. Essa é apenas uma das muitas maneiras em que a internet está influenciando a campanha presidencial americana. A mais evidente está no financiamento dos candidatos. Até 2004, quando o atual presidente disputou o cargo com o senador democrata John Kerry, conquistar a candidatura dependia de domínio da máquina partidária. O político com melhores laços com os grandes sindicatos ligados ao Partido Democrata e aqueles com a agenda de telefones mais recheada de nomes poderosos e simpatizantes para pedir doações terminava escolhido. Este ano, esta pessoa era a senadora Hillary Clinton. Terminada a fase das primárias, o que fez diferença foi dinheiro. Obama tinha mais, embora os grandes empresários do partido estivessem com Hillary. O dinheiro que o senador gastou em vastas quantidades para comprar espaço de propaganda em TV veio de freqüentes campanhas de arrecadação pela internet. John McCain, que recorre aos milionários como sempre se fez, arrecadou US$ 25 milhões em junho. Pedindo para o eleitor comum que doa de pouco em pouco, Obama arrecadou US$ 52 milhões no mesmo período. Para juntar dinheiro nessa proporção, Obama conta com uma rede consolidada pelo atual presidente do Partido Democrata, Howard Dean. É a netroots. As bases na internet. Os eleitores são incentivados por um grupo de blogs como o Huffington Post, o DailyKos e o Taling Points Memo, sites dentre os mais visitados da internet, que fazem um misto de jornalismo e agitação política. Seus leitores são os mais engajados no processo eleitoral e, sempre que convocados a doar, contribuem para a causa. É um equilíbrio delicado. No período das primárias, em que os candidatos fazem discursos mais extremos, que apelam às bases do partido, Obama viveu uma lua-de-mel com a netroots. Mas agora que teve início a campanha eleitoral de fato, blogs e seus leitores vêm questionando cada passo que o candidato dá em direção ao centro com o objetivo de ampliar seu apelo eleitoral. Cada voto que ele dá no Senado que possa favorecer o governo Bush é pesadamente criticado. Os mesmos eleitores que contribuem em peso também entram em seu site oficial para publicar pesadas críticas. Cada um dos grandes blogs simpatizantes do Partido Democrata é diferente do outro. O Talking Points Memo, embora siga uma linha editorial de esquerda, assume padrões éticos da imprensa tradicional e acumula prêmios jornalísticos de prestígio. Está na sua conta, por causa de uma série de notícias que publicou, a crise que custou ao ex-ministro da Justiça Alberto Gonzales seu cargo. Outros, como o DailyKos, permitem aos leitores que também publiquem informações sem muito rigor editorial. Mesmo assim não quer dizer que tudo o que sai é propaganda disfarçada de notícia. Uma das maiores revelações dessa campanha na internet é Nate Silver. Economista formado pela Universidade de Chicago, Silver é um analista profissional de beisebol. O complexo modelo estatístico que desenvolveu permite a apostadores, torcedores e empresários que avaliem quando um jogador chegará ao pico da carreira. Leitor contumaz do DailyKos, começou a contribuir com o blog fazendo análises das pesquisas eleitorais durante o período de primárias. Acertou todas. Previu melhor do que todos os institutos de pesquisa, chamando rapidamente atenção da imprensa. Nate abriu um blog por conta própria. "Vai dar Obama", ele diz, baseado em suas contas. "Mas será apertado". No endereço fivethirtyeight.com, ele atualiza diariamente gráficos com os números das últimas pesquisas corrigidos com análises das tendências de comportamento da população de cada estado e o índice de sucesso de cada instituto. É uma das peculiaridades das eleições americanas que partidos diferentes dominem mídias diferentes. Seja para falar bem, seja para falar mal, a internet é dominada pelo nome Barack Obama. Embora os republicanos tenham sucesso em espalhar e-mails com rumores os mais absurdos, a rede tem-se mostrado uma azeitada máquina de campanha democrata. No rádio AM, um dos mais populares veículos de comunicação do país, acontece o oposto. É uma mídia totalmente dominada por simpatizantes republicanos. Em junho, aconteceu em Nova York o Fórum da Democracia Pessoal, que reuniu todos os assessores políticos engajados na campanha online, além de blogueiros e especialistas de todo tipo. O painel de debatedores mais aguardado foi aquele entre os profissionais dedicados às campanhas presidenciais na rede. Mark Soohoo, responsável pela organização online de McCain, foi cercado. O candidato, certa vez, se referiu ao Google como "The Google", uma gafe em inglês que demonstrava pouca familiaridade com o assunto. "Você não precisa usar essa tecnologia para entender como ela afeta o mundo", Soohoo defendeu, para concluir: "McCain está ciente de que a internet existe". O público caiu na gargalhada. Informar-se pela internet no cotidiano, como Obama faz, e empregá-la com habilidade na campanha, talvez faça diferença para um tipo de eleitor que decidiu a vitória de Bill Clinton, em 1992. São os jovens. Na época, Clinton ia à MTV para atrair esse pessoal. Hoje, a propaganda na TV aberta ainda é o meio mais eficiente para alcançar vastas parcelas do eleitorado. Isso custa dinheiro. Coisa que Obama tem graças à internet. SEGUNDA, 14 DE JULHO Sátira causa polêmica Ilustração para a capa da revista The New Yorker, do desenhista Barry Blitt, causa burburinho, nos EUA. "Achei que retratar os boatos sobre Obama iria mostrar quão ridículos eles são", disse Blitt. Nem Obama nem McCain concordaram.

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