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Instrumentistas falam sobre concerto 'Imperador', de Beethoven

Uma abordagem didática sobre música clássica para leigos no assunto

Por Anne Midgette
Atualização:

Você gostaria de conhecer melhor uma peça de música clássica? Por exemplo, o concerto n.º 5 para piano de Beethoven, chamado Imperador. Você já ouviu falar, é um dos maiores e melhores do repertório de referência. E quer estar pronto para o ano do 250.º aniversário de nascimento de Beethoven, em 2020. Então, o que fazer?

Gary Oldman interpretou Ludwig Van Beethoven em 'Minha Amada Imortal' (1994) Foto: Majestic Films International

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A ideia mais aceita é você examinar o programa do concerto que oferecerá alguns detalhes sobre a história da obra, juntamente com algumas das suas características musicais. “O ano de 1809 foi prolífico para Beethoven”, você lerá no texto, que deve fazer menção também ao problema crescente de surdez do compositor – este foi o único dos seus cinco concertos para piano em que ele não tocou na estreia porque não conseguiu. E o texto ainda poderá lhe informar que o título do concerto, Imperador, foi dado não por Beethoven, acérrimo republicano, mas por seu editor. De acordo com uma história, talvez apócrifa, o título teria sido dado por causa dos gritos de “Imperador” com que a multidão na estreia acolheu esta obra.

Mas se você perguntar a um regente, ouvirá algo bem diferente. “A vivacidade rítmica do primeiro movimento é bem quadrada”, disse James Ross, diretor musical da Alexandria Symphony e anteriormente diretor do programa de regência da universidade de Maryland. “Para mim o primeiro movimento dura mais do que o material garante”.

Quanto ao segundo movimento, o que surpreende Ross é a tonalidade. “É em Si maior, tonalidade que as orquestras raramente costumam tocar”. E ele assume a persona da orquestra: “estamos em Si maior, para que mudar? Vamos conviver com esta ilha exótica e observar as ondas rolando em nossas praias por algumas décadas.”

Há uma grande diferença entre a maneira que a música clássica é apresentada para ouvintes leigos e como os músicos a recebem. Tendemos a oferecer música clássica para o público como se fosse uma lição de história, com explicações recheadas de nomes e datas que são úteis como contexto, mas não chegam realmente à essência do que você ouve. Para os músicos, porém, é diferente. Assim, fui buscar uma nova visão do concerto Imperador conversando com alguns artistas que o interpretaram recentemente e embora o tenha ouvido dezenas de vezes, aprendi mais do que imaginava. E não existe uma única maneira “certa” de vivenciá-lo.

Para Lachezar Kostov, violoncelista da Baltimore Symphony, “Beethoven foi um grande revolucionário quando compôs obras para violoncelo dentro da orquestra”. Em vez de relegar os instrumentos mais baixos ao mero acompanhamento da linha de baixos, o compositor deu muito material temático aos violoncelos e violas, disse Kostov. “Ele deu possibilidades completamente diferentes para o colorido orquestral.”

Daniel Foster, principal violista da National Symphony Orchestra (NSO), afirmou que não existe nenhuma peça de Beethoven que não anseie por tocar. Mas observou que “muitas vezes seu material não se situa particularmente bem instrumentalmente, da maneira que na Mozart sempre se coloca, fantástica e idiomaticamente”. No caso de Beethoven, ele acrescentou, “às vezes há movimentos repentinos complicados ou fica mais difícil encontrar um dedilhado que realmente funcione”.

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Para o trompista, pelo contrário, é muito fácil. “As partes de trompa no concerto Imperador têm mais efeito, menos tensão nervosa, do que praticamente em qualquer outra obra de Beethoven”, disse Ross, que iniciou sua carreira de trompista, e foi o primeiro americano, da Gewandhaus Orchestra de Leipzig. “O Mi bemol é sempre a tonalidade mais confortável para o trompista. E nesta peça tudo o que tocamos soa bem.”

Para Jauvon Gilliam, percussionista da NSO, um dos desafios é a cadência do tímpano, que ele toca, junto com o pianista, no encerramento do movimento final. Nesta temporada ele já tocou com três orquestras. “E cada solista encerrou de modo diferente”, disse ele.

A parte preferida de Gilliam é o final do segundo momento, quando a orquestra inteira repentinamente passa do estranho Si maior para Si bemol, antes de entrar estrondosamente no movimento final. 

“Não há um acorde de transição. Na época de Beethoven isto era algo novo. É um desses momentos que quando está chegando, você respira fundo, fecha os olhos e mergulha nele”. Gilliam pode fazer isto porque não precisa tocar no segundo movimento.

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Para os músicos de uma orquestra, um concerto, mesmo um longo e desafiador como o Imperador, implica certo alívio. “Não é uma experiência tão intensa como no caso das sinfonias”, disse Foster, o violista. O foco está no solista, que tem de tocar cerca de 40 minutos numa extrema variação de altos e baixos do instrumento, com todos os ouvidos nele.

“Você pensa, ‘não vou conseguir’”, disse o pianista Pierre-Laurent Airmar, que tocou o concerto com a Concertgevouw no Kennedy Center em fevereiro. Airmard é conhecido pelas interpretações de obras de Pierre Boulez, Stockhausen e Ligeti. Mas ao se referir ao concerto nº 5 de Beethoven ele diz que é sempre um enorme desafio. Não só porque é longo, mas porque é forte e cada gesto, cada movimento, deve ser totalmente sustentado em algum ponto. E você pensa ‘espero que desta vez funcione’”.

O público se concentra mais nas linhas melódicas; os músicos nas tonalidades – aquele peculiar Si maior no segundo movimento – e na estrutura. Para Gianandrea Noseda, diretor musical da NSO, esta grande e generosa obra mostra que “mesmo na maneira ortodoxa de compor, Beethoven não conseguia ser ortodoxo”.

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Noseda cita a abertura incomum, em que a orquestra toca três acordes básicos – “qualquer estudante de composição pode fazer isto”, diz ele, seguidos de três cadências de piano, momento em que o solista toca fluidamente. Só então a orquestra entra no tema principal. “Você já está há um minuto e meio na apresentação e então começa o concerto do zero”, disse Noseda.

“Isto cria uma dupla surpresa”, diz Airmard. “Você tem três cadências de piano no início e quando o piano deve entrar, após o tema de abertura executado pela orquestra, em vez de entrar de maneira gloriosa, ele é introduzido discretamente e o tema principal é apresentado de maneira muito íntima, e esta é uma segunda surpresa. E então, no final do movimento, outra cadência, mas desta vez do tímpano com acompanhamento de piano – um momento tranquilo quando você esperaria que fosse bombástico. Todo o movimento é invertido.”

Cada obra de música orquestral é um mosaico de múltiplas considerações, ideias, fraseados e experiências. Este concerto é considerado monumental (ouça a gravação de George Szell com Leon Fleisher, de 1961), mas hoje, como sublinha Kostov, o estilo de muitos regentes é conduzirem obras clássicas – Mozart, Haydn, Beethoven – de maneira muito mais leve e mais alegre, e assim ele não é tão intenso. Mas Aimard vê a peça à luz da sua própria história, composta numa época em que as forças de Napoleão sitiavam Viena.

“É algo monumental, mas belo e estético. É um grito de liberdade.”

No que se refere aos músicos, “o desempenho deles é apenas 1% do que ocorre no fundo e não aparece”, acrescenta Kostov.  

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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