Inteligência artificial?

Um único relatório de agências como a CIA muda completamente o debate sobre a política externa dos EUA

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Por Steven Lee Myers
Atualização:

É muito raro que um relatório de inteligência mude tão completamente, tão drasticamente, tão surpreendentemente um debate de política externa. Um governo que citou a pretensão iraniana de ter armas nucleares como justificativa para uma política agressiva - tentativa de evitar a "3ª Guerra Mundial", como chegou a dizer o presidente Bush - agora tem em mãos um documento secreto que detona a base de seu argumento. O impacto da conclusão da Estimativa Nacional de Inteligência - de que o Irã interrompeu seu programa militar em 2003, embora continue a enriquecer urânio para usos pacíficos - será sentido de muitas formas, internamente, nos Estados Unidos, e no exterior. Certamente enfraquecerá o apoio internacional a sanções mais duras contra o Irã, reconheceu um membro do governo em cargo alto. E levantará perguntas, novamente, a respeito da competência das agências de inteligência americanas e dúvidas sobre se não sofreram pressão política para relatar o que, agora nos informam, era uma visão exagerada a respeito das intenções do Irã em 2005. É ainda raro que as agências dos EUA endossem líderes estrangeiros irascíveis, como o presidente russo Vladimir Putin, que há semanas declarou não haver " provas" de que o Irã estivesse produzindo armas nucleares, e as afirmativas americanas eram exageradas. O maior impacto, no entanto, será o efeito sobre o último ano do governo de George W. Bush, assim como na campanha eleitoral para substituí-lo. Até segunda-feira passada, 2008 parecia um ano destinado a ser consumido, no que tange à política externa, num debate a respeito da perspectiva de enfrentar o Irã. Ainda há, no governo, quem deseje uma política agressiva contra o Irã, caso do vice-presidente Dick Cheney. Mas, ao menos por enquanto, o principal argumento para justificar uma guerra contra o Irã - sobre a qual havia amplos rumores - está descartado no futuro imediato. A Casa Branca se esforçou para apresentar o novo relatório como uma confirmação do sucesso da estratégia de Bush, uma idéia que significaria ignorar a linguagem apocalíptica de Bush e Cheney. O principal assessor de segurança do presidente, Stephen Hadley, declarou que a suspeita a respeito das intenções do Irã faziam sentido, já que o país teve um projeto de armamento nuclear. "Levando-se tudo em consideração, o relatório é boa notícia", disse Hadley. "Por um lado, confirma que estávamos certos ao temer que o Irã estivesse procurando se armar nuclearmente. Por outro, prova que fizemos progresso na tentativa de impedir que isso ocorresse. Mas também mostra que o risco de o Irã adquirir armas nucleares permanece um problema sério." Hadley insistiu, e com ele muitos outros, em que o governo continuava com esperanças de resolver os problemas com o Irã por vias diplomáticas e não usando a força. Mas as nuances desse seu enfoque "por um lado isto, por outro aquilo" farão com que fique difícil para os aliados dos Estados Unidos aceitarem uma linha dura vinda da Casa Branca. Uma pessoa ligada à questão comentou que o principal diplomata americano dedicado ao Irã, o subsecretário de Estado R. Nicholas Burns, já se encontrou com seus pares da Europa, Rússia e China e parece ter ganho algum apoio para uma terceira rodada de sanções no Conselho de Segurança da ONU. A tarefa imediata para Burns e o governo que ele representa é desembaraçar a confusão causada pelas declarações passadas enquanto tenta persuadir os céticos de que, desta vez, os EUA estejam certos a respeito de que o Irã estivesse desenvolvendo armas nucleares até 2003 e isto também diz respeito a possibilidades futuras. "O que todos dirão é que as agências de inteligência admitiram que estavam erradas", disse Jon Alterman, do Centro Internacional de Estudos Estratégicos. "Então por que deveríamos acreditar nelas agora?" Hadley disse que a reversão drástica nas conclusões das agências a respeito das armas iranianas foi baseada "em novos dados, alguns dos quais recebidos apenas nos últimos meses". Ele também disse que outros membros do governo, incluindo Cheney, a secretária de Estado ,Condoleezza Rice, e o secretário de Defesa, Robert Gates, revisaram o relatório e o discutiram amplamente há duas semanas. Com alguns dos políticos mais agressivos da gestão Bush já afastados do governo, e, portanto, da revisão do novo relatório, é possível que a vontade de partir para um novo conflito militar seja menor. Afinal de contas, as duas primeiras guerras iniciadas sob as vistas de Bush continuam, para dizer o mínimo, sem resolução. No Senado, foi dito que a esperança é de que este governo consiga mostrar em seu último ano a mesma flexibilidade diplomática que mostrou com a Coréia do Norte no que tange a armas nucleares, ou que demonstrou na Conferência de Annapolis, há duas semanas, para tratar do conflito entre israelenses e palestinos. Há quem deseje conversas abertas e sem pré-condições com o Irã para encerrar o estado de inimizade que existe desde 1979. O argumento é que a interrupção da busca de armas nucleares tenha levado a uma abertura para tais conversações, indicando que o governo do Irã pode ser mais racional do que disse Bush em agosto, quando declarou que o país ameaçava jogar toda a região "na sombra do holocausto nuclear". O relatório, porém, continua aberto a interpretações, como acontece até com documentos destinados a refletir o consenso entre agências de inteligência. Quando se trata do Irã, que já teve embates com os EUA em muitas frentes além da nuclear, os falcões permanecem em torno. "Aqueles que duvidam da eficácia da diplomacia do governo estão bem entrincheirados nesta administração", disse Kurt Campbell, do Centro para Uma Nova Segurança da América. John Bolton, o ex-embaixador nas Nações Unidas que deixou recentemente o governo e começou a criticá-lo, falava segunda-feira como Hadley, declarando que a conclusão a ser tirada do relatório é que ele ressaltava a necessidade de agir com rigor. Ele declarou que as intenções do Irã continuarão preocupantes enquanto o país estiver enriquecendo urânio. E acrescentou que a constatação de que o Irã suspendeu o programa de armas pode apenas significar que o programa está agora mais bem escondido.

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