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Japan House explora artesanato com bambu e arte efêmera

Primeiras exposições do novo espaço cultural revertem fluxo da cidade e apresentam obras japonesas

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:
Instalação feita de tiras de bambu entrelaçadas, do artista Chikunsai Tanabe Foto: Hélvio Romero/Estadão

Há um antigo conto do folclore japonês sobre um cortador de bambu, considerado a mais antiga peça literária em prosa do Japão, que narra a história de uma princesa do tamanho de um polegar, encontrada ainda bebê dentro de um caule de bambu. Ainda que existam interpretações divergentes da história da princesa imortal, cuja verdadeira morada é a lua, o certo é que o bambu justifica sua associação com seres sobrenaturais. Os japoneses sabem disso há séculos. E seus mais de 6 mil usos constituem provas mais do que concretas de sua natureza sagrada.

A primeira exposição que a Japan House vai inaugurar em maio, A História do Bambu, reúne exemplares raros da arte japonesa feita de bambu, desde utilitários como cestos até peças contemporâneas que dialogam com essa tradição, passando por espadas usadas nas artes marciais. “Vamos fazer um passeio pela arte do bambu, mostrando a sua evolução por meio da obra de quatro artistas, entre eles Akio Hizume, que acaba de fazer um túnel de bambu em Osaka, baseado nas teorias matemáticas de Fibonacci, e Nakatomi Hajime, que faz uso das técnicas tradicionais de utilitários para criar obras contemporâneas”, diz o curador Marcello Dantas.

O artesanato é reconhecido como arte no Japão, e o bambu tem mais de 6 mil usos de acordo com a tradição nipônica Foto: Japan House

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Outro artista que terá trabalhos na mostra inaugural da Japan House é Shigeo Kawashima, escultor nascido em Tóquio que expõe desde 1981 e presente em mais de 30 grandes coleções internacionais. A Tai Modern, uma das sete galerias trazidas para a SP-Arte pela Japan House (leia nesta página), tem Kawashima como um de seus artistas exclusivos, o que prova a inexistência de preconceito contra o trabalho artesanal, que alguns países (especialmente o Brasil) resistem a considerar arte. “No Japão, isso nem se discute, e a exposição vai mostrar as razões dessa indistinção”, assinala Dantas.

De fato, ninguém em sã consciência ousaria dizer que dois dos maiores artistas representados pela Tai Modern, Ryuun Yamaguchi (de 77 anos) e Hodo Yako (61 anos), ambos presentes na SP-Arte, não são criadores contemporâneos por usar o bambu madake e vime em suas obras. Os franceses são loucos por Yamaguchi, a ponto de incluir seu nome numa lista do prêmio Paris Top Artists. No começo, conta Yamaguchi, achava estranho que tantos ocidentais desejassem ter uma obra sua em casa. Depois, se acostumou com a celebridade. O mesmo aconteceu com Hodo Yako, que hoje tem obras em museus ocidentais como o Asiático de San Francisco, nos EUA.

Outro artista que a Japan House traz a São Paulo é Makoto Azuma, que realiza sua primeira exposição na cidade para deixar a metrópole mais florida. Trata-se de uma intervenção móvel com a participação de 30 ciclistas de origem japonesa que vão circular por vários cartões postais de São Paulo (o Masp, a Bienal, a Pinacoteca) de bicicleta. Detalhe: com arranjos florais. A intervenção artística Flower Messenger, segundo o curador Marcello Dantas, “é uma interrupção no fluxo nervoso da cidade com uma mensagem lúdica, mostrando um lugar que estava vazio ontem e hoje está repleto de flores”.

Makoto Azuma já mandou um bonsai para o espaço e faz de sua arte efêmera um veículo para imortalizar as flores – por paradoxal que pareça. Em seu trabalho Iced Flowers, ele testou a resistência das plantas ao limite, congelando arranjos de flores e interrompendo sua degeneração, projeto que decorou a passarela do estilista Dries Van Noten, na última semana de moda de Paris. “É interessante notar que os artistas conceituais são poucos no Japão de hoje”, diz Dantas. A arte experimental japonesa caminha em conexão íntima com as descobertas tecnológicas, como comprova a direção escolhida pelo artista Kohei Nawa, nascido em Kyoto há 42 anos e formado em escultura pelo Royal College of Art. Ele cunhou a expressão “PixCell”, leitmotif de seu trabalho e um conceito que combina células orgânicas com pixels (ele cobre a superfície de objetos e animais empalhados com vidro).

Também num registro experimental, mas próximo da linguagem minimalista, está um artista que combina som e imagem em seus trabalhos, Ryoji Ilkeda, que mora em Paris e está presente na SP-Arte com uma impressão em pigmento sobre papel com suporte de alumínio. É uma das melhores obras do conjunto.

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Obras em bambu têm grande relevância cultural para o Japão Foto: Japan House

A participação da Japan House na SP-Arte 2017, que termina hoje no Pavilhão da Bienal, pode ser vista como uma mostra prévia das exposições programadas pela curadoria da instituição. O curador Marcello Dantas selecionou um time de 15 veteranos (como Yayoi Kusama, 88 anos) e jovens artistas (como o pintor Tomko Kashiki, 35 anos) para construir seu panorama pessoal da arte moderna e contemporânea do Japão.

O elemento articulador do espaço da Japan House na feira (no terceiro andar do pavilhão) é, segundo o curador Marcello Dantas, “a alternância entre a obsessão japonesa pela precisão e um traço pouco conhecido de sua cultura: a forte admiração pela imperfeição”. Há, por um lado, representantes do país dominado pela alta tecnologia, do qual Hiroshi Sugimoto é o melhor representante, e artistas ligados às tradições ancestrais (Jin Morigami), além de nomes ligados à vanguarda dos anos 1960, como Yayoi Kusama, recentemente redescoberta pelo circuito internacional e certamente a artista mais disputada pelos colecionadores ao lado de Sugimoto.

Pela primeira vez na feira, galerias japonesas do porte da Tai Modern, Koyanagi e Ota, para citar apenas três das mais importantes, ajudam no processo de internacionalização do mercado brasileiro de arte, uma das metas do programa da Japan House. “O Japão tem uma das culturas mais visuais do mundo e grandes artistas que ainda não são conhecidos dos colecionadores brasileiros”, observa Dantas, citando o nome de Kishio Suga, classificado por ele de “o Cildo Meirelles do Japão”. Suga é representado pela galeria Blum & Poe e traz a São Paulo sua instalação Discrepância Espacial, de 1976, feita de tecido elástico e bambu. Ainda entre os artistas japoneses da SP-Arte cabe destacar a participação de Akira Yamaguchi, Tatsuo Miyajima e Kazuko Yamamoto.

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