Jovens fotógrafos de vários países tentam captar um mundo em mudança

Sete fotógrafos estão entre os expostos do Festival de Arles e falam sobre seus trabalhos

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Por Daphné Anglès
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ARLES, FRANÇA - Até onde a tecnologia ajuda a aumentar o corpo humano? Pode a fotografia ser reinventada na era digital? O que é explorar um país vizinho em estado de guerra, ou documentar a contracultura em um regime autoritário? Estas são algumas perguntas feitas por fotógrafos da China, França, Polônia, Suíça, Turquia, e outros países, cujos trabalhos estão expostos no Rencontres d’Arles, festival de fotografia que vai até 23 de setembro. Estes são alguns trechos editados das conversas em que os artistas explicaram seu trabalho.

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'En Ville', do fotógrafo francêsBaptiste Rabichon Foto: Baptiste Rabichon

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Baptiste Rabichon. As sacadas são uma sucessão de camadas. E elas combinam perfeitamente com minha maneira de trabalhar, camada sobre camada. Metade das minhas imagens é composta por computador. As plantas, pedras, janelas, são desenhadas digitalmente ou produzidas por meio da digitalização de desenhos feitos à mão ou de vários objetos. Então, com papel fotossensitivo colocado atrás da parte remanescente da imagem, no escuro, eu a exponho à luz. O papel é um terceiro olho que registra a imagem final. Eu exploro, no meu trabalho, o encontro conflituoso de dois opostos: a produção da imagem digital, que pode ser ajustada infinitamente, e os mistérios da sala escura, que são sensuais e estão fora do meu controle. Gosto de ir além dos limites da fotografia. À medida que o digital se impõe, muitos artistas estão retornando à fotografia analógica. Repetem o que ocorreu quando a fotografia assumiu o papel da pintura como um registro fiel da realidade. A pintura tomou novas direções. Quando um meio é substituído por outro, ele é deixado livre e coisas começam a acontecer.

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Rato modificado geneticamente em foto do suíçoMatthieu Gafsou Foto: Matthieu Gafsou

Matthieu Gafsou. Muitos dos meus projetos têm relação com as inquietações profundas. Neste caso o tema subjacente é o temor da morte. Esta nova espécie de religião, o transumanismo, realmente despertou meu interesse. Eles acreditam que o corpo que consideramos saudável já está doente e a tecnologia é a cura. Mas onde a terapêutica termina e o aprimoramento do corpo começa? Não tenho a resposta. Para mim, um celular é a prótese transumanista perfeita; ele induz uma relação e uma dependência e atua como um substituto das capacidades humanas: nossa memória, nosso sentido de orientação, por exemplo. Eu me qualifico como um fotógrafo documentarista filosófico. 

Trabalho do fotógrafo romeno radicado na Alemanha Anton Roland Laub Foto: Anton Roland Laub

Anton Roland Laub. Meu trabalho tem relação principalmente com a memória. Aqui eu examinei um momento absurdo na história de Bucareste, onde nasci e cresci. Ceausescu ordenou a demolição da parte antiga de Bucareste. Quando meu avô ouviu falar que sua casa seria derrubada, ele teve um enfarte e morreu. Sete igrejas foram colocadas em trens e arrastadas para trás dos prédios residenciais. Uma sinagoga foi oculta atrás dos novos edifícios. Uma igreja foi arrastada a 200 metros atrás da sede da polícia secreta. Outra foi mudada de lugar duas vezes. Uma foi colocada a apenas 14 metros ao lado. As igrejas eram fatiadas, mas a cripta permanecia. Um Estado ateu estava financiando o resgate dos edifícios religiosos. Dentro de uma igreja encontrei um afresco retratando gloriosamente Ion Antonescu, um aliado de Hitler; na sinagoga, uma exposição documenta seus crimes. Os romenos têm fobia de suas lembranças. A atual situação política está ligada à sua ignorância. Em 2000, tinha de escolher entre um nacionalista e um stalinista. Deixei o país e fui para a Alemanha.

Obra da fotógrafa polonesaWiktoria Wojciechowska no Arles Festival Foto: Wiktoria Wojciechowska

Wiktoria Wojciechowska. Cresci na Polônia e passei férias na Ucrânia. A Guerra foi um choque enorme. Às vezes você vive em um país onde alguma coisa sucede que muda a sua vida. Fui para lá para encontrar combatentes voluntários da minha idade, perguntei a eles como a guerra era sentida e tirei fotos. Também fui para a linha de frente. O projeto inclui imagens impressas, vídeos, colagens e notas do que os homens me disseram. Nesta guerra há trincheiras e telefones celulares. Yurko deu-me uma foto do seu esquadrão, explicando que “este um morreu, este perdeu as pernas, este outro uma mão e este sua cabeça”. Cobri os mortos com ouro, costume usado para heróis e simbólico na Europa Oriental. Gravei um vídeo do meu irmão adolescente amarrando um arco e o projetei sobre uma foto mostrando uma forma dourada num trecho de grama. Chamei-a de Body.

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Obra da fotógrafa turca Sinem Disli no Arles Festival Foto: Sinem Disli

Sinem Disli. Urfa, cidade conservadora (na Turquia) onde nasci, enriqueceu depois da construção de uma barragem no rio Eufrates. Do outro lado da fronteira, porém, na Síria e Iraque, essa barragem provocou uma seca violenta. Neste projeto, tento mostrar que a terra é uma coisa só, sem fronteiras. Eu estava fotografando a fumaça saindo dos campos turcos quando são queimados em julho. De repente, uma poeira tomou conta da fronteira com a Síria e ao se misturar com a fumaça criou esta coluna. Venho buscando um momento significativo como este há anos.

Foto do turcoCagdas Erdogan, no Arles Festival Foto: Cagdas Erdogan

Cagdas Erdogan. Venho explorando a clandestinidade em Istambul há algum tempo e descobri as brigas de cachorros. Elas são ilegais e organizadas à noite. Estamos vivendo uma decomposição dos últimos 100 anos na Turquia. As pessoas estão indo para a clandestinidade por causa de um enorme esforço global para parecer que só há conservadores na Turquia. Ateus, homossexuais, curdos, minorias alevi, qualquer pessoa com crenças e estilo de vida diferentes é compartimentada. Minhas histórias são sobre essas pessoas. Passei seis meses preso por fotografar a guerra em cidades curdas e poderia ter sido condenado a 22 anos. Meu trabalho é considerado de “oposição” e não pode ser exibido na Turquia. Os artistas na Turquia se expressam sem assumir riscos, longe das ruas, da verdade, da sociedade. Acho que isto é contra o real objetivo da arte.

Fotografia do chinês Feng Li, exibida no Arles Festival Foto: Feng Li

Feng Li. Diariamente nos últimos 13 anos venho captando esses pequenos momentos que sempre são tão irreais que até fica difícil acreditar neles. Meu trabalho não é necessariamente sobre a China, mas sobre pessoas em qualquer lugar que sejam atores de ficções improváveis que se desenrolam diante dos meus olhos, com sua poesia ou sua irracionalidade. Em 2015, em Chengdu, vi um homem deficiente, provavelmente sem-teto, com uma roupa de coelho. Fiquei comovido por aquela combinação inesperada de elementos suaves e enternecedores. Algumas dessas cenas são um pouco duras e incluem pessoas com deficiências ou mutilações. Mas sempre as trato com respeito. Sinto que tenho uma espécie de comunicação silenciosa com elas. De algum modo essas pequenas cenas surgem naturalmente no meu caminho, como se um espírito superior me contemplou com um olho para coisas, como também o dom da sorte.  / Tradução de Terezinha Martino 

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