Laptop, baralho & filantropia

Bom: Bill Gates vai se dedicar à caridade, laptop cai para R$ 135. Não tão bom: pornografia e jogo estão na frente na net nos EUA

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Por Sérgio Augusto
Atualização:

Enquanto Bill Gates se aposentava da Microsoft, seu rival Steve Jobs não só continuava dando expediente na Apple, como anunciando novos inventos e planos mirabolantes para a expô Macworld, que abre amanhã em São Francisco. A mais aguardada promessa, desta vez, será a entrada da Apple no mercado de aluguel de filmes online. Graças a uma parceria com a Disney, Paramount, Warner, Fox e Lions Gate, será possível baixar filmes daquelas produtoras em computadores e televisores com recursos da Apple, e também em iPods e iPhones, pela módica quantia de US$ 3,99 (R$ 7,10). Enquanto Bill Gates ressaltava que não estava propriamente se aposentando, mas "repriorizando" sua vocação para a filantropia, Mary Lou Jepsen passava a perna em Nicholas Negroponte e anunciava um filantrópico laptop de US$ 75 (R$ 135), bancado pela Pixel Qi. Até duas semanas atrás, Jepsen dava duro (e ordens) na OLPC, que, apesar das aparências, nada tem a ver com a libertação da Palestina e da Caxemira. OLPC é o acrônimo de One Laptop per Child (Um Computador para Cada Criança), utópica cria de Negroponte, que, associado à Intel, almejava viabilizar a produção de laptops a US$ 100 (R$ 180) para incluir milhões de crianças do Terceiro Mundo na era digital. Em pouco tempo, o preço do XO, a "democratizante" máquina da OLPC, subiu 30%. E muito mais, depois do rompimento de Negroponte com a Intel, que estaria levando água para o moinho de um laptop concorrente, ClassMate - estranhamente concorrente porque bem mais caro: US$ 420 (R$ 760). Pechincha daqui e dali, e o preço do ClassMate, na licitação de 150 mil laptops para 300 escolas públicas brasileiras, baixou para US$ 387 (R$ 697), conforme informou Elio Gaspari em sua coluna de quarta-feira passada. Tsk, tsk. Se o governo peruano vai pagar US$ 175 (R$ 315) por um lote de 100 mil modelos XO, e o governo uruguaio US$ 199 (R$ 358), por que gastar o dobro e até um pouco mais com um computador dotado dos mesmos recursos do XO? Com a entrada em cena da ex-sócia de Negroponte, com seu laptop de US$ 75, nosso Ministério da Educação ganhou uma terceira opção. Resta saber se o MEC terá condições de esperar e testar o maná eletrônico da Pixel Qi, para só então começar a mudar o curso da educação no país. Enquanto Bill Gates redirecionava sua agenda, Steve Jobs anunciava o seu iMovies e a ex-sócia de Negroponte prometia um dumping do bem, o site de busca Lycos.com divulgava os campeões de acesso na Internet em 2007. Não aqui, mas na terra da Microsoft e da Apple. Foi a mais palpitante notícia ligada à informática da semana, inclusive porque o laptop de US$ 75 ainda é apenas um projeto e o download de filmes programado pela Apple apresenta pelo menos um senão: é caro para um aluguel de apenas 24 horas. Adivinhe por que arcanos da Web os americanos navegam com mais freqüência? Sites de busca? No, sir. Sites literários? Não me façam rir. Nos países nórdicos, quem sabe, seriam essas as preferências. Mas no país em que 20% da população não consegue localizar no mapa-múndi o território que habita, as preferências ou prioridades são outras. Quem pensou em alguma forma de vício, além do vício de só largar o computador para dormir, ganhou a aposta-metáfora justificável por serem os sites de pôquer os mais visitados pelos internautas americanos. Na verdade, os campeões absolutos e imbatíveis são os sites pornográficos, aí incluídos desde os mais leves, aqueles que no máximo expõem os mamilos de Paris Hilton papparazzitados numa festa, aos mais pesados, com imagens de sexo explícito e pirotecnias ginecológicas. Estes, por pudor, creio, o Lycos.com não computa. Razão pela qual o primeiro colocado é sempre, efetivamente, o segundo. Vício por vício, o pôquer leva a vantagem de oferecer a possibilidade de alguma recompensa real. Há cinco anos, um contador do Tennessee, que, de tão confiante em sua sorte, mudou o sobrenome para Moneymaker, saiu de um torneio internacional de pôquer US$ 2,5 milhões mais rico. O boom da jogatina online começou aí. Estima-se que cerca de 70 milhões de americanos arriscam o que têm e não têm por um royal straight flush no Poker.com. Ok, viciar é humano, e sexo, sobretudo se virtual e voyeurístico, não mata; mas se a partir do terceiro lugar não se enfileirassem sites de golfe, moda, Disney, dieta, e de figurinhas como Britney Spears, Paris Hilton e Clay Aiken (cantor pop revelado na segunda temporada do programa American Idol), não estaria aqui chancelando o que Chunk Blount disse da pesquisa da Lycos.com, nas páginas do Toronto Daily Star: "Eis mais uma prova contundente de que o declínio da civilização ocidental continua em franco progresso." Se a alguns talvez surpreenda a quinta colocação do YouTube, mais espantosa me parece a posição do MySpace (15º), logo à frente do Facebook. Isso não implica que os internautas americanos estejam se saturando dos sites de relacionamento. Menos curiosos parecem ter ficado - ou a Wikipedia não teria sido relegada ao 30º lugar, superada por sites alcoviteiros sobre a vida, os amores e os barracos de celebridades como Vanessa Hudgens, Lindsay Lohan, Jessica Alba, Angelina Jolie, Beyoncé, Jennifer Aniston, sem contar as que não têm vida (Barbie) ou a perderam (Anna Nicole Smith). E nós, brasileiros, o que mais acessamos na Web? Primeira surpresa: existe pesquisa a respeito. Segunda: ela não discrimina os sites pornográficos (a da Alexa.com, ao menos, não discrimina). Terceira: os quatro sites pornográficos (encabeçados pelo Pornutube) só entram na lista depois do 35º lugar, dois deles na frente do MySpace (talvez outra surpresa). Relacionamento e interação lideram as preferências nacionais, daí a ponta ser ocupada pelo Orkut, o YouTube vir em quinto, o Yahoo em sétimo e o Blogger em décimo. Deveria ser motivo de orgulho verificar que o Google em português ocupa a segunda colocação, e o Google em inglês, a sexta; que a Wikipedia (17ª) possui, proporcionalmente, mais visitantes brasileiros que americanos; e que o pôquer e o golfe não têm vez entre nós. Só falta agora a gente saber que não chega a 20% a porcentagem de brasileiros incapazes de localizar no mapa-múndi o país que habitam. E o MEC acertar a compra dos laptops de US$ 75 prometidos por Mary Lou Jepsen.

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