Livro de 1965 sobre presidente americano louco volta a fazer sucesso

Exemplares usados de 'Night of Camp David' chegaram a custar US$ 100 e livro ganha reedição

PUBLICIDADE

Por Alexandra Alter
Atualização:

Alguns meses atrás, importantes especialistas políticos começaram a fazer comentários sobre o provocativo livro de um jornalista de Washington que levantou discussões sobre o que os líderes do Congresso deveriam fazer se o presidente fosse mentalmente instável e inapto para o cargo – não era uma nova denúncia contra Trump. Era um thriller político de 1965, escrito por Fletcher Knebel.Night of Camp David apresenta um presidente desequilibrado que é vítima das próprias fantasias paranoicas e conspiratórias, enquanto as pessoas ao seu redor lutam para conter seus piores impulsos. (Um crítico chamou o livro de “plausível demais para servir de consolo” em uma resenha publicada no New York Times em 1965 – o mesmo ano em que o Congresso aprovou a 25.ª Emenda, que fornece um mecanismo para remover um presidente considerado inapto para servir.)

Bob Woodward, que denunciou o escândalo de Watergate e lançou livro sobre Trump, releu 'Night at Camp Davis' recentemente Foto: Alex Gallardo/Reuters

PUBLICIDADE

Agora, mais de 50 anos depois de seu lançamento, Night of Camp David ganha uma nova vida pela Vintage Books, em formato físico, digital e como audiolivro. A editora não se esquiva de traçar paralelos com o atual clima político, com uma sobrecapa preta que reprisa o slogan original: “O que aconteceria se o presidente dos EUA se tornasse claramente um completo doido varrido?” 

“O livro tem o equilíbrio perfeito entre o escapismo e aquele toque assombroso de realidade”, disse Anne Messitte, editora da Vintage Books. Ela tomou conhecimento do romance no início de setembro e notou as estranhas semelhanças entre a trama fictícia e a maior história política do mês: o editorial anônimo publicado no New York Times por um funcionário de Trump, que escreveu que os membros da administração trabalhavam para sabotar a agenda do presidente e consideraram invocar a 25.ª Emenda para removê-lo.

“Livros de suspense e filmes distópicos nos convidam a imaginar o que poderíamos fazer com uma presidência que se descontrola”, disse Maddow. “Pode ter sido um bom treinamento.” O interesse pelo romance disparou: o historiador presidencial Michael Beschloss escreveu sobre ele; Bob Woodward mencionou que havia relido esse livro recentemente; as cópias usadas na Amazon chegaram a custar mais de US$ 100. 

No livro, um jovem senador fica preocupado com a saúde mental do presidente quando é convocado a Camp David no meio da noite. Durante monólogos enlouquecidos, o presidente – um democrata liberal chamado Mark Hollenbach – fala sobre seus supostos inimigos políticos e tramas imaginárias contra ele, critica os meios de comunicação e acusa um colunista de jornal de liderar uma “conspiração” para desacreditá-lo. 

Não está claro se Night of Camp David atrairá quem acompanha obsessivamente o melodrama político da vida real. Dois dos maiores sucessos de venda deste ano: Medo – Trump na Casa Branca, de Bob Woodward, e Fogo e Fúria — Por Dentro da Casa Branca de Trump, de Michael Wolff – trouxeram destruidores relatos pessoais de drama e comportamento anormal na Casa Branca de Trump e venderam milhões de cópias. Mas o interesse pela ficção parece ter-se retraído, enquanto as vendas de não ficção aumentaram. Houve algumas exceções notáveis. O Dia em que o Presidente Desapareceu (The President is Missing), romance sobre um presidente fictício que foi escrito por Bill Clinton e James Patterson, já vendeu mais de 1 milhão de cópias. Mas outras obras de ficção política tiveram vendas fracas, talvez porque o gênero tenha apelo limitado em um momento em que as manchetes são geralmente mais dramáticas do que qualquer outra coisa que um roteirista ou romancista possa imaginar.

Um punhado de escritores escreveu críticas fictícias de Trump, a maior parte delas com resultados comerciais decepcionantes. Howard Jacobson publicou uma alegoria política satírica sobre um príncipe vaidoso e vulgar que não fez o menor sucesso entre críticos e leitores. (O jornal inglês The Guardian disse que Jacobson “erra seus murros”.) No mês passado, um autor anônimo publicou um thriller intitulado The Kingfisher Secret (O Segredo do Martim-pescador, em tradução livre), sobre um magnata americano que está prestes a se tornar presidente dos Estados Unidos e tem ligações secretas com o governo russo. Apesar de sua premissa tirada a partir das manchetes, ou talvez por causa disso, The Kingfisher Secret foi criticado por alguns experts, como um mau substituto para a notícias verdadeiras: “É verdade que os detalhes confirmados das especulações sobre a carreira do maligno presidente são difíceis de se equiparar com a ficção, mas esse enredo não se impõe mais do que Donald Trump se arrastando em torno de seu campo de golfe”, escreveu Ron Charles no Washington Post.

Publicidade

No ano passado, Jonathan Freedland, colunista do Guardian, publicou romance sob pseudônimo sobre um presidente americano temperamental e impulsivo que leva o país à beira da guerra nuclear com a Coreia do Norte e encoraja os supremacistas brancos alimentando temores raciais. O romance, To Kill a President (Matar um Presidente, em tradução literal), que também encarou a questão de como remover um presidente inapto do cargo, foi aparentemente plausível demais para alguns.

Alguns se sentiram da mesma forma sobre Night of Camp David quando saiu pela primeira vez. (Um crítico do Times reclamou que era realista demais, escrevendo que “como um romance de suspense, provavelmente é um tanto quanto honesto demais para o seu próprio bem.”) Mas muitos leitores ficaram fascinados: o livro passou 18 semanas na lista dos mais vendidos com capa dura.

O filho de Knebel, Jack Knebel, disse que a família ficou satisfeita em ver o livro republicado e que seu pai provavelmente ficaria chocado ao ver como o romance era visionário. “Os paralelos são bastante impressionantes entre aquela época e agora”, ele disse. Meu pai diria, “sim, isso é exatamente o que eu temia”. / Tradução de Claudia Bozzo 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.