Como ainda é possível encontrar uma antiga cidade perdida no mundo conectado de hoje, todo rastreado por câmeras, redes e satélites? Essa é a primeira pergunta que o leitor se faz diante do livro A Cidade Perdida do Deus Macaco, de Douglas Preston. Em 2015, o jornalista e escritor americano participou de uma expedição a Mosquitia, selva de Honduras batizada de Portal do Inferno pelos primeiros exploradores. Cheia de pântanos, desfiladeiros, poças de areia movediça e animais amedrontadores – como a serpente ponta de lança, que atira veneno longe –, a região foi por séculos cenário de uma misteriosa lenda: a de que, em meio a essa área isolada por perigos naturais e hoje cercada por regiões controladas por cartéis de drogas, existiu uma civilização de construções de pedra clara chamada Cidade Branca, ou Cidade Perdida do Deus Macaco. Ao longo dos séculos, a história atraiu vários aventureiros – alguns sérios, outros comprovados charlatães. Mas a burocracia estatal e tragédias naturais, como o furacão Mitch, que em 1998 deixou 7 mil mortos no país, foram adiando os planos de uma expedição mais profissional.
Até que a tecnologia apareceu para dar um empurrãozinho. Mais especificamente, uma tecnologia óptica de ponta chamada lidar, que consegue medir a distância de objetos a partir de pulsos de laser. Já usada para mapear outras ruínas, como as de Caracol, no Belize, ela permite identificar construções arqueológicas mesmo debaixo de vegetação densa. Animados em fazer o mesmo em Mosquitia, pesquisadores selecionaram três alvos (A1, A2 e A3) e, em 2012, puseram o lidar dentro de um velho avião 337 Skymaster e, a 750 metros de altitude, passaram a bombardear a floresta com laser.
Preston participou do voo pioneiro agachado atrás da caixa do lidar, com o queixo apoiado nos joelhos. “Mal posso encontrar palavras para descrever a opulência da floresta tropical que se desenrolava abaixo de nós”, escreveu. “Estávamos voando sobre um Éden primitivo, procurando por uma cidade perdida, usando tecnologia de ponta para disparar bilhões de feixes de laser em uma selva em que nenhum ser humano havia entrado possivelmente por 500 anos: uma ofensiva do século 21 sobre um mistério ancestral.”
As muitas dúvidas sobre o que revelariam as imagens sumiram quando os mapas tridimensionais de A1 começaram a chegar. Surpreendentes, eles revelaram centenas de hectares de ruínas longas e retangulares, com montes em forma de pirâmides dispostos em quadrados. “Eu estava chocado”, revelou Preston. “Seria possível que uma cidade perdida inteira pudesse ser encontrada no século 21?”
Sobrevoos com o lidar nos dias seguintes mostrariam que A3 tinha um conjunto de ruínas ainda maior e, em A2, estruturas se pareciam a pedreiras ou fortificações.
Apesar da empolgação com a descoberta, levou quase três anos para que cientistas, fotógrafos, produtores de filmes e arqueólogos, além de Preston, contratado pela revista National Geographic, pudessem ver em terra o que o lidar tinha captado do alto. Com apoio de militares hondurenhos, eles começaram a entrar em Mosquitia em voos de helicóptero em fevereiro de 2015.
Os dias seguintes na mata fechada, entre macacos bugios, cobras e insetos, revelariam achados arqueológicos importantes. Como um esconderijo intacto com centenas de vasos, tronos e figuras de pedra que especialistas acreditam ter sido uma espécie de santuário. Entre as esculturas que mais impressionaram os especialistas estava a cabeça de um jaguar.
A notícia da descoberta de uma cidade perdida de um povo desconhecido teve grande repercussão internacional, mas acabou causando polêmica entre arqueólogos – muitos argumentaram que o local já era bem conhecido por indígenas.
Controvérsias à parte, duas perguntas principais intrigavam os especialistas: que pessoas teriam construído aquela cidade perdida em Mosquitia? E o que teria causado seu repentino desaparecimento cerca de cinco séculos atrás?
Preston levanta uma hipótese a partir da impressionante mortandade que abateu a população da América após a chegada dos espanhóis e de doenças como a varíola: “Em algum momento no início dos anos 1500 várias epidemias varreram A1 numa sucessão próxima. Se as taxas de mortalidade fossem semelhantes às do resto de Honduras e da América Central, cerca de 90% dos habitantes morreram de doenças. Os sobreviventes, despedaçados e traumatizados, abandonaram a cidade, deixando o esconderijo de objetos sagrados para trás como uma oferenda final aos deuses.”
Ironicamente, Mosquitia também acabou associada a uma doença para os integrantes da expedição. No caso de Preston, o alerta veio semanas depois de retornar aos EUA de uma ferida no braço que não cicatrizava. Médicos identificaram leishmaniose, enfermidade endêmica causada pela picada de mosca de areia infectada. Ele e os companheiros precisaram enfrentar um complicado tratamento. Mesmo assim, Preston voltou ao A1 em janeiro de 2016 para acompanhar uma visita do presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández. No mesmo dia, as ruínas de Mosquitia foram batizadas de Cidade do Jaguar.
“Nada de bom é realizado sem risco e, para ser honesto, mesmo que eu soubesse que contrairia leishmaniose teria feito tudo de novo”, afirma o escritor. “Ter feito parte da descoberta de uma antiga cidade, em uma selva tão intocada, foi a experiência de uma vida. É incrível pensar que no século 21 uma cidade perdida ainda poderia ser encontrada, mas foi exatamente isso que aconteceu e eu tive muita sorte de estar lá.”
Por e-mail, ele contou ao Estado que está trabalhando com o lidar num outro projeto, agora na Amazônia, num país vizinho ao Brasil. E tem grande expectativa de que novamente sejam encontradas coisas incríveis. E se ele acha que a Amazônia nacional também pode guardar tesouros arqueológicos como os de Mosquitia? “Não tenho dúvida de que uma pesquisa com o lidar na Amazônia brasileira revelaria coisas incríveis, grandes assentamentos e até cidades perdidas. Sabemos que a Amazônia foi lar de sofisticadas civilizações, que transformavam a selva e cultivavam grandes extensões. Mas muitos de seus vestígios estão cobertos pela floresta, o que torna seu rastreamento muito difícil. O lidar mudou tudo. Ele pode ver através da vegetação e alcançar até detalhes mínimos no solo. Acredito que não demorará muito para que outras partes da Amazônia sejam mapeadas.”