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Livro resgata história dos espiões esquecidos que combateram nazistas no Oriente Médio

Acontecimentos na Normandia e em Stalingrado tendem a obscurecer pessoas e fatos que conferiram à 2ª Guerra seu caráter mundial

Por Jonathan Kirsch
Atualização:

Mais de meio século depois da vitória dos Aliados na Segunda Guerra, os acontecimentos na Normandia e em Stalingrado tendem a obscurecer pessoas e fatos que conferiram à guerra seu alcance global. Mas houve muitos outros campos de batalha e maneiras de combate, e uma delas foi a crucial campanha de inteligência posta em prática no Oriente Médio por homens e mulheres em sua maioria esquecidos. Essa é a história que Gershom Gorenberg restaura à memória e à estima em War of Shadows [Guerra de Sombras] uma obra-prima de pesquisa e síntese que, na leitura, tem clima de thriller.

Manifestação a favor da convocação do exército britânico em Tel-Aviv durante a 2ª Guerra Mundial Foto: National Library of Israel

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A história começa em 1942, quando o Eixo parecia estar vencendo a guerra, e as tropas do marechal Erwin Rommel estavam tão próximas do Cairo que o Quartel General Britânico queimava seus arquivos. “As chamas estavam quentes demais”, observa Gorenberg, “e segredos parcialmente incendiados flutuavam sobre a cidade”. Uma jovem criptógrafa chamada June Watkins, que servia na Força Aérea Auxiliar Feminina da Grã-Bretanha, portava um revólver enquanto trabalhava. “Entre outras coisas, todos aprenderam como atirar contra si mesmos”, explica o autor. “Mulheres que conheciam os códigos não deveriam cair nas mãos do inimigo.”

War of Shadows tem como base uma pesquisa meticulosa e exaustiva que abrangeu desde “arquivos em lugares como Tel-Aviv ou Palo Alto até residências de filhos e netos das pessoas cujos nomes foram esquecidos, apesar de terem mudado o rumo da história”. Uma razão, releva Gorenberg, é que espiões e chefes de espionagem que fizeram história ouviam que “a história não deve ter você na memória”. Ainda assim, o livro ainda brilha com detalhes de observação do tipo que estamos acostumados a encontrar somente em histórias de ficção de espionagem. O mais alto elogio que pode ser concedido ao livro é que a obra lembrará aos leitores um romance de espionagem de John Le Carré construído a partir de uma fascinante narrativa histórica.

Gorenberg é jornalista e historiador veterano, vive em Jerusalém, escreveu três livros anteriores a respeito de particularidades do Oriente Médio (The Unmaking of Israel, The Accidental Empire e The End of Days), é colunista colaborador do Washington Post e colaborador de longa data na New York Times Magazine, na New York Review of Books, na Atlantic e no Haaretz.

Os acontecimentos no Norte da África são retratados com destaque em War of Shadows, mas igualmente importante é o trabalho que foi conduzido em uma casa de campo na Inglaterra chamada Bletchley Park, onde as mensagens secretas transmitidas entre Berlim e seus comandantes nos campos de batalha eram decodificadas e compartilhadas, seletivamente, entre os países aliados. Mas o fator decisivo era a convicção de Winston Churchill de que a decisão de defender a primazia britânica no Oriente Médio era “ao mesmo tempo terrível e correta”. De acordo com Gorenberg, “uma aposta alterou a configuração da guerra e do Oriente Médio, naquele momento e posteriormente”.

Na verdade, Gorenberg nos permite perceber que uma versão medio-oriental do Grande Jogo era levada a cabo paralelamente ao combate armado. Conspiradores nazistas imaginavam que dissidentes egípcios poderiam ser persuadidos a “mudar para o lado alemão”. O mesmo sentimento pode ser detectado nas memórias de Anwar Sadat, então um jovem oficial em uma brigada egípcia de artilharia que lutava junto ao exército britânico contra a força expedicionária de Benito Mussolini. “Nosso inimigo era, primeiramente, senão unicamente, a Grã-Bretanha”, explicou Sadat posteriormente.

Os quebradores de códigos de Bletchley Park confirmaram as ambições estratégicas do Eixo no Oriente Médio. Bombardeiros, caças e aviões de transporte estavam sendo enviados da Grécia ocupada pelos alemães “com identificações do Iraque ou nenhum tipo de identificação”, para serem usados contra os Aliados. Afinal, conforme aponta Gorenberg, “tanto o Iraque quanto os territórios da Síria e do Líbano, governados por Vichy, eram totalmente alinhados com o Eixo.

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A Palestina, então governada pelo mandato britânico outorgado pela Liga das Nações, também estava em jogo. Quando bombardeiros italianos atacaram Haifa e Tel-Aviv, o então grande mufti de Jerusalém enviou suas congratulações a Mussolini. Por outro lado, a liderança judaica na Palestina pediu que os judeus se alistassem no exército britânico, e uma unidade de elite conhecida como Palmach cedeu soldados à Executiva de Operações Especiais. Meir Yaari, um dos líderes do movimento dos kibutzim, observou que “naqueles dias, nenhum medo era exagerado”. E Gorenberg também nota que Moshe Shertok, um futuro premiê de Israel, via uma distinção, nos primeiros anos da guerra, entre a invasão nazista à Polônia, que já havia acontecido, e uma futura invasão nazista à Palestina, que era então temida. “É possível que haja atrocidades por aqui”, afirmou Shertok.

“Nesse ponto”, escreve Gorenberg em um comovente trecho, “informações de inteligência eram totalmente escassas”.

Uma ferramenta para medir a profundidade do livro de Gorenberg é a lista de personagens impressa no início da obra, que abrange desde figuras históricas, como Churchill, Franklin Roosevelt e Adolf Hitler, até um jovem oficial de inteligência da marinha chamado Ian Fleming, cujas experiências em tempos de guerra o inspiraram a criar o espião mais famoso de todos os tempos. Acima de tudo, Gorenberg restitui ao registro histórico vários homens e mulheres que foram em grande parte negligenciados e sempre menosprezados, incluindo a marcante Hermione, a condessa de Ranfurly, uma aristocrata inglesa que cumpriu uma importante função na Executiva de Operações Especiais.

A condessa de Hermione é um exemplo exato do que torna War of Shadows um livro de história tão exuberante e envolvente. Ela enfrentou ceticismo quando se voluntariou para o esforço de guerra. “A senhora não pode esperar que eu acredite que uma condessa saiba datilografar”, afirmou um brigadeiro. Conforme se verificou, ela acabou lotada em um escritório repleto de armas, munições e ouro, comandando esforços de tropas durante um conflito aberto.

“Enviamos pequenos barcos Danúbio acima para instalar minas”, escreveu ela a respeito de seu esforço em tempo de guerra. “Mandamos os rapazes com explosivos nas mochilas e instruções para detonar algumas pontes.”

Uma vez em ação, no entanto, a condessa demonstrou conveniências que seus companheiros em armas do sexo masculino não possuíam: ela carregava um revolver Colt no espartilho e escondia mensagens secretas no sutiã. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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