Lógica de dragão

A China deixou claro aos EUA que suas responsabilidades globais não incluem nada que a contrarie

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Por Willy Lam
Atualização:

Embora nenhum grande avanço tenha sido observado no encontro de cúpula de Hu Jintao e Barack Obama, a viagem inaugural do presidente dos Estados Unidos à China passará para a história como um fato muito importante nas relações entre os dois países mais poderosos do século 21.

 

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Pela primeira vez, os líderes dos Estados Unidos e da China falaram como iguais. E essa quase paridade entre uma superpotência aparentemente em declínio e uma quase superpotência que cresce rapidamente tem importantes implicações globais em questões como segurança regional, proliferação nuclear, comércio, mudança climática e direitos humanos.

 

 

O problema é que, embora esse poder recém-adquirido tenha encorajado Pequim a assumir uma posição muito mais destacada nos assuntos mundiais, os líderes do Partido Comunista chinês têm uma interpretação radicalmente diferente dos Estados Unidos sobre qual deve ser a responsabilidade ou o papel internacional da China.

 

 

Em primeiro lugar, o aspecto positivo. O reconhecimento mútuo por Washington e Pequim de que estão no mesmo pé de igualdade pode acabar com mal-entendidos e facilitar seus esforços para, nos termos da declaração conjunta dos dois líderes, "aprofundar a confiança estratégica bilateral" e "adotar ações concretas para desenvolver uma parceria constante".

 

 

Os líderes comunistas acolheram com satisfação as garantias dadas por Obama de que Washington não vai procurar "refrear" a China. Isso, e a decisão de aumentar os intercâmbios de pessoal militar de alto nível, deve limitar os irritantes jogos de gato e rato que navios de guerra e caças de ambos os lados vêm fazendo no Mar do Sul da China.

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Além disso, a determinação dos dois líderes de intensificar as relações "de maneira positiva, ampla e cooperativa" tornou possível a Taiwan retirar-se para segundo plano. Pela primeira vez desde a visita de Richard Nixon em 1972, o alto escalão do governo chinês pouco falou sobre a "ilha separatista" durante a visita de um presidente americano. Hu Jintao nem sequer repetiu seu mantra de que Washington precisa parar de vender armas a Taiwan.

 

 

Deixando de lado os aspectos positivos, a reunião de cúpula realçou o fato de que a China usará seu poder para avançar seu programa - não o dos Estados Unidos. Ficou mais claro que nunca que, para Pequim, o que está em primeiro lugar são os laços comerciais e estratégicos com seus grande aliados.

 

 

Infelizmente para o governo Obama, isso significa que, quanto a cooperar para pôr fim à proliferação nuclear, os Estados Unidos e seus aliados não devem achar que Pequim vá assumir uma posição mais dura com relação a Pyongyang ou Teerã.

 

 

Uma razão chave que explica por que Obama adotou uma posição conciliadora em relação a Pequim, ignorando, por exemplo, o dalai-lama no mês passado, é que Washington espera que a China utilize sua enorme influência sobre a Coreia do Norte e o Irã para pressionar esses dois Estados párias a se desnuclearizarem.

 

 

O que não deve ocorrer. Os comentários feitos por Hu Jintao durante a cúpula não foram além de promessas vagas de cooperar nesse campo. E as empresas estatais e interesses militares chineses continuam a ampliar suas já extensas atividades em ambos os países.

 

 

Quanto ao comércio e ao problema do clima, Pequim mostrou-se disposta a assumir responsabilidades internacionais maiores, desde que isso não afete o programa interno da China com vistas a manter o crescimento econômico numa taxa de no mínimo 8%.

 

 

No que diz respeito à economia explicitamente, Hu não se rendeu à pressão americana para valorizar a moeda chinesa, o yuan, que está atrelado ao dólar dos Estados Unidos há mais de um ano.

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É emblemático o fato de Obama, apesar de ter afirmado que pressionaria Hu Jintao a valorizar a moeda chinesa, preferiu não deixar público seu desapontamento com a negativa do anfitrião.

 

 

A falta de avanços concretos nessa visita de Obama - particularmente com a China deixando claro seu enfoque centralizado nela própria com relação ao cumprimento das obrigações globais - talvez convença a Casa Branca de que não deve ter ilusões sobre o que Pequim poderá fazer em favor dos Estados Unidos e do Ocidente, mesmo depois das aparentes concessões feitas por Washington.

 

 

Provavelmente os mais decepcionados com a nova realidade global são os ativistas de direitos humanos chineses, os tibetanos e a minoria uigur em Xinjiang.

 

 

Apesar da posição não tão severa de Obama no campo dos direitos humanos e da questão tibetana, Hu Jintao recusou-se categoricamente a corroborar as declarações feitas pelo presidente americano de que todos os países devem fazer respeitar os "direitos universais" de todo homem e mulher.

 

 

Mas agora não há dúvidas de que a ideia que Pequim tem de suas responsabilidades globais não inclui a concessão de direitos, muito menos poderes, a grupos de oposição ou minorias étnicas dentro da China. Dezenas de dissidentes e ativistas de ONGs foram detidos ou pressionados por agentes da segurança do Estado durante a visita do presidente Obama.

 

 

Depois que as autoridades americanas partirem, esses "inimigos do Estado" devem se sentir ainda mais desencorajados , agora que o líder do mundo livre reconheceu tacitamente que não pode fazer muito para cutucar um dragão que ainda não despertou, mas está cuspindo fogo.

 

* Willy Lam, especialista em China, é professor na Universidade Internacional Akita, do Japão, e na Universidade Chinesa de Hong Kong. Autor de Chinese Politics in the Hu Jintao Era: New Leaders, New Challenges (M E Sharpe Inc). Escreveu este artigo para o International Herald Tribune

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