Maneco@viveravida

Na sua primeira entrevista pelo MSN, ele solta o verbo durante 4 horas

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Por Monica Manir
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Mônica diz: - Oi, Maneco. Tudo certo por aí? Manoel Carlos - Rio diz: - Tudo bem. Meu filho está aqui perto, mas não sei se por muito tempo. É a primeira vez que uso isto. Pode começar, se quiser. *** E assim se apresentaram as partes nesta entrevista dos tempos instantâneos, pelo MSN, em que até o telefone perdeu a vez. A ligeira dificuldade auditiva de Manoel Carlos foi o argumento para recorrer ao Messenger, mas vem de longe a implicância dele com a maquininha de Graham Bell. Maneco disse certa vez que, quando trocava de número, colocava uma carta no correio avisando os amigos sobre a mudança. Telefone seria apenas para emergências emergenciais, e a palavra impressa, pau-pra-toda-obra, inclusive na versão cursiva. *** - Gosto de cartas, sempre gostei. E agora uso o e-mail, claro. Com a Fernanda sempre nos comunicamos por carta. E manuscrita. Foi um hábito que não perdemos nesses mais de 50 anos de amizade. Nunca usamos nem a máquina de escrever, no tempo em que ela existia. Fernanda, a Montenegro, ele conheceu nos tempos do Grande Teatro Tupi, entre 1955 e 1963, quando adaptou clássicos de Dostoievski, Balzac, Machado e José de Alencar. Por volta dessa época também conviveu com Maysa, a ex-Matarazzo. A cantora participou de O Fino da Bossa, dirigido por Maneco e comandado por Elis, e do Brasil 60, que ele pilotava com Bibi Ferreira. Chegaram a trabalhar juntos, ainda na Record, em O Dia D... Maysa, no qual ela entrevistava pessoas, fazia reportagens, rodava o mundo. Não foram amigos, tampouco inimigos, nem Maneco ouvia seus discos sempre. Jayme Monjardim, o filho da cantora, o convidou para escrever o roteiro porque os dois fizeram boa parceria em Páginas da Vida. *** - As mulheres imitavam Maysa e os homens tinham medo dela. Isso atrai a audiência, mas você transporia uma personagem assim tão controversa para uma novela? - Sim, mas público de novela é mais conservador, choca-se com mais facilidade, está habituado a certos códigos. Maysa escapa disso, escandaliza, assusta. Gostaria de tentar, mas não vai ser fácil. Maneco lembra que, em Presença de Anita, a própria (Mel Lisboa) e Nando (Zé Mayer) foram retaliados por serem chaminés ambulantes (e talvez não só por isso). O mesmo aconteceu em Sol de Verão com o personagem que jogou papel na calçada ou com aquele outro que dirigia sem cinto de segurança. A imprensa apareceu como principal algoz, não o público. *** - O que o espectador quer é emoção, paixão, amor. Ele não está preocupado com o cinto de segurança, o cigarro ou o álcool. Pode enxergar que há excessos, mas sabe que é ficção. Não esperam bom comportamento de todos os personagens. Mas que há tabus na teledramaturgia, los há. Drogas pesadas, beijo gay e suicídio são os que lembra. O pulso navalhado de Maysa, avermelhando a banheira da minissérie, só passou por causa do adiantado da hora, quando não se preveem crianças insones. Quanto à violência nas novelas de horário nobre, ele diz redobrar o cuidado porque procura aproximar a ficção da realidade, sem ser realista. Há violência no mundo, ok. No Brasil em geral e nos lares do Brasil em particular, sem dúvida. Exatamente por isso escreveu histórias em que mulheres, crianças e idosos sofrem abusos. Muito em função de suas denúncias em Mulheres Apaixonadas, por exemplo, passaram no Congresso o Estatuto do Idoso e penas mais rigorosas para a violência contra a mulher. Sobre aproximar a ficção da realidade, sem ser realista, ele abre um capítulo no MSN: *** - Procuro a verossimilhança, que é próxima da realidade, mas não é obrigatoriamente a realidade. Gosto da frase do Eça "Sobre a nudez da verdade, o manto da fantasia". E desta outra: "O que é real não é forçosamente verossímil". Noutro dia, um sujeito caiu do décimo andar e saiu andando, sem um arranhão. Com a realidade ninguém discute, mas, se coloco isso numa novela, ninguém acredita. Agora, se o público às vezes discute com Deus seu próprio destino, com Maneco no ar é todo dia. À luz de Jouvet, o ator francês que teria dito: "Há que fazer arte, mas mantendo um olho, não mais que um, na bilheteria", Maneco não fica cego à sua. Sai às ruas, ouve reclamações, recebe aplausos e pedidos de mudanças. Segue a sinopse original à risca, quando um fato é essencial à trama. Mas nem sempre segura a onda. Em Baila Comigo, estava prevista desde o início a morte de Fernando Torres para que sua mulher, Lílian Lemmertz, a Helena da hora, se casasse com Raul Cortez. Mas Fernando fazia um padrasto tão fantástico, tão compreensivo, tão generoso, tão amoroso, que até mesmo Maneco se sentiu órfão. Manteve o padrasto até o 200º capítulo. Por tabela, Lílian não se casou com Raul, que não deixou Thereza (Rachel), que não se envolveu com Cláudio (o Cavalcanti). Instalou-se um efeito dominó às avessas. Sua pena não conseguiu salvar o personagem mais querido, Heitor, em Sol de Verão. Em 20 de fevereiro de 1983, Jardel Filho teve um enfarte fulminante restando 25 capítulos para o final. Maneco queria fechar a trama, não via sentido na continuação. Diante da negativa da emissora, passou o bastão para Lauro César Muniz. Acabou se desligando da Globo, não sem antes trazer à tona um manifesto contra o massacre que é escrever novela. Não apenas escrever, mas dirigir, atuar, ser técnico. "Poucos protestam contra a excessiva carga horária de trabalho, a desumanização no trato pessoal, o autoritarismo à maneira de Hollywood dos anos 40, as reprises inconsequentes'', entregou na época. Foi para a Manchete, depois para a Bandeirantes, contabilizou minisséries encomendadas por emissoras e produtoras estrangeiras. Voltou para a Globo oito anos depois, para fazer uma novela de título sintomático: Felicidade. *** - Existem progressos nas relações humanas, no trato pessoal, mas a máquina continua acima de tudo. Isso se traduz, mais especificamente, pelo que se chama de "produto industrial". Esse espírito se impôs, sabíamos que era inevitável. Vai durar muito tempo ou não acontecerá nunca uma mudança radical. É estressante, mas ainda é um dos trabalhos mais bem pagos que existem. Por isso tantos querem entrar e ninguém quer sair. Ganho salário mensal, além de luvas, merchandising, direitos internacionais e de reexibição. Como se dizia antigamente, ganho mais do que preciso e menos do que mereço. E, se triplicarem o que ganho, diria a mesma coisa. O contrato de Maneco foi prolongado até 2015. Até lá estão previstas três novelas. A deste ano já tem nome, Viver a Vida, o mesmo da minissérie que fez para a Manchete em 1984, sem que uma história tenha lhufas a ver com a outra. Sonho sonhado de verdade é a obra que pretende fazer a partir do romance Vale Abraão, da portuguesa Agustina Bessa-Luis. Trata-se de Madame Bovary transportada para uma província próxima de Lisboa. A seu pedido, a Globo comprou os direitos da obra. Maneco pensa não em 200 episódios, nem numa minissérie de 9, mas em 40. Cabeça de autor de novela é moldada em capítulos. Pedro, o filho de 17 anos que estava por perto, já não está mais. De férias, foi correr. Maneco já domina o esquema. *** - Incrível como a Emma Bovary portuguesa conservou a força da Emma original. Aquela mulher está viva, palpitando, cheia de desejos irrealizados e irrealizáveis. Aquela tristeza feminina tocante e perdida desperta amor e piedade. Ódio às vezes. Sonho com ela. Conversamos, passeamos juntos por um jardim qualquer nos arredores de Paris. Enfim, viajo com Emma Bovary. Mas a concorrência é muito grande, pois tenho amigos que fazem a mesma viagem. Navegar na alma feminina, construindo Helenas que nunca se quebram, é o forte de Maneco. Acredita ele que tenha a ver com o mulherio que o rodeava quando morava no Pari, bairro de São Paulo. Sim, o Rei do Leblon é paulistano. Afora a mãe, participaram da sua criação as duas avós, duas irmãs mais velhas e duas tias solteironas, sem falar nas primas, por quem foi apaixonado. Casou-se três vezes, tem duas filhas e três netas. E costuma dizer para a mulher, Bety, que ela nem sonhe com outro filho nos próximos dez anos. Depois disso, vão pensar. Também teve mais dois filhos e outro neto. Um dos filhos, Ricardo, morreu aos 33 anos, de aids, em agosto de 1988. Em dezembro, Maneco foi para Nova York pensando em fugir do Natal no Brasil. Estava claudicando de uma perna, sequela dos problemas que teve com a morte de Rick. O médico o aconselhou a usar uma bengala para que se deslocasse com mais segurança. Pegou uma que tinha em casa havia mais de 20 anos, trazida de Londres por Jô Soares como uma brincadeira. Não largou mais o acessório. *** - Confesso que nunca quis a cura disso de verdade. Passei a gostar de ter essa marca que me deixou a morte do meu filho. Não preciso dela para me lembrar dele, mas é como se eu a merecesse por perdê-lo. Em Nova York, Maneco também trocou o copo pela taça. O copo de uísque pela taça de vinho. Fruto de uma geração de bebedores do destilado, o fez religiosamente por mais de 30 anos, quatro ou cinco doses por noite, às vezes mais. Chegando em NY uma semana após os atentados contra as Torres Gêmeas, comprou um litro de uísque e uma garrafa de vinho para o jantar em família. Não abriu o primeiro, só o segundo, que dividiu com a mulher e com Mel Lisboa, que estava lá. A partir dessa noite, não bebeu mais uísque. Não deliberadamente, nem a conselho médico, nem por promessa. Apenas parou. *** - Hoje, se estou numa festa, ainda sou capaz de beber uma dose, mas não gosto mais. Mas é interessante: sinto saudade. Olho para a fileira de litros que tenho em casa e chego a suspirar... mas acho que é saudade de mim, mim daqueles tempos, como diz o Manuel Bandeira. A conversa se estendeu por mais três horas, passando pelo cinema de Woody Allen, pelo teatro que Maneco quer comprar, pelos muitos livros de poesia na estante e até por um questionário Proust, que não coube aqui, mas você pode ver no portal deste jornal. Só adianto a maior extravagância dos seus 75 anos: virar dois dias e duas noites trabalhando sem parar. É um compulsivo pela escrita e pela vida, este MC.

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