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Métrica diplomática

Estocada do governo israelense se deve ao posicionamento crítico que o País tem assumido nos foros internacionais

Por Dawisson Belém Lopes
Atualização:
SAO PAULO ALIAS 25-07-2014 ALIAS orta-voz da chancelaria israelense, Yigal Palmor, disse que lobby feito pela iniciativa palestina na ONU enterra as chances do país vir a ser um mediador imparcial FOTO REUTERS Foto: REUTERS

A estatura das nações no cenário mundial é um tema clássico da política internacional, que já mobilizou uma multidão de autores e abasteceu bibliotecas inteiras. As tentativas de ranqueamento dos países são diversas e refletem, em boa parte dos casos, os valores projetados por seus proponentes - mais até do que, digamos, a realidade propriamente dita. Essa talvez seja uma chave de interpretação promissora para emprestar sentido à polêmica que enreda representantes diplomáticos de Israel e Brasil.

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Deu-se que, na quinta-feira, o porta-voz da chancelaria israelense, Yigal Palmor, reagiu com dura retórica à medida brasileira de convocar o embaixador em Tel-Aviv para “prestar esclarecimentos” (um eufemismo para expressar a profunda insatisfação do Brasil com a conduta israelense na corrente crise em Gaza). Palmor disse tratar-se de “demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático”. 

A estocada tocou fundo no patriotismo mais narcísico. Porém, decorridas umas poucas horas, veio o troco de Brasília. O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, não passou recibo ao afirmar que, “se existe algum anão diplomático, não se trata do Brasil”. Tudo isso, é claro, com os salamaleques que convêm aos agentes do serviço exterior. Para bom entendedor, todavia, o recado havia sido devidamente transmitido.

Importa lembrar que, naquele que se configurou como o grande ato de reconhecimento internacional do Estado de Israel - a sessão da ONU, em 1947, sobre o plano de partilha para a região da Palestina -, quem presidiu os trabalhos foi o diplomata brasileiro Osvaldo Aranha. Mas essa é só uma metade da história. A outra, mais determinante para entender o acirramento de ânimos neste momento, está relacionada com o posicionamento crítico à política externa de Israel que nosso país tem frequentemente assumido nos foros internacionais. 

Desde a década de 1970 (e, particularmente, a partir da Resolução 3379 da Assembleia-Geral da ONU, aprovada em novembro de 1975, que equiparou o sionismo ao racismo), repetem-se em ciclotimia as acusações de que o Brasil estaria a conduzir diplomacias antissemitas. Ou seja: de tempos em tempos, o dedo em riste entra em cena.

Em 2010, quando Brasília, Ancara e Teerã se puseram a negociar saídas para o impasse nuclear iraniano, novo mal-estar diplomático sobreveio. Diante do ousado arranjo proposto por Lula e seus homólogos, Washington e Tel-Aviv estrilaram. Atribuiu-se então ao Brasil a pecha de ingênuo - pois, segundo a titular do Departamento de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o País estaria sendo “enganado” pelos aiatolás da República Islâmica. Não tardou para que o referido plano (conhecido como Declaração de Teerã) fosse desautorizado e cabalmente rejeitado pela comunidade internacional. Desconfianças e ressentimentos entre as partes terão sido, ao que tudo indica, as principais sequelas do episódio.

Considerando que as frustrações acumuladas no relacionamento bilateral entre Brasil e Israel possam ter servido de combustível para a momentosa troca de farpas entre seus representantes nacionais, há fundamento objetivo na ideia de que a gestão diplomática brasileira junto ao Oriente Médio seja inócua e despropositada, inexpressiva e irrelevante?

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A única resposta admissível para a pergunta posta é a resoluta negativa. Afinal, como país intermediário que nutre abertas aspirações globais, o Brasil deve estar pronto para assumir os fardos da “maioridade” internacional. E isso envolve, por suposto, disposição para atuar diplomaticamente muito além de nossos domínios geográficos imediatos. Ali e acolá - seja em Tel-Aviv, seja em Hamallah - o País confrontará interesses arraigados. No seu caminho em direção à autoafirmação, (re)negociará várias de suas posições com a própria sociedade democrática. Corolário repleto de ironia: promover política externa no Oriente Médio (e ser publicamente interpelado por isso) é justamente o pedágio a ser pago em função de um recém-adquirido protagonismo mundial.

O Brasil é um dos raros países do planeta a manter relações com todos os outros 192 Estados-membros da ONU. Para tanto, tem patrocinado a operação de complexa engrenagem burocrática com mais de 220 postos diplomáticos (entre embaixadas, representações, consulados e vice-consulados) distribuídos pelos quatro quadrantes. Multilateralmente, é um dos campeões de participação em regimes e instituições internacionais, ademais de um reconhecido celeiro de líderes para organismos regionais e globais (desde 1948, ano oficial de fundação do Estado de Israel, foram empossados secretários-gerais brasileiros em mais de duas dezenas de ocasiões). 

A julgar por fatos e números - que conseguem mitigar a interferência dos subjetivismos sobre as avaliações -, ao chanceler Figueiredo parece assistir razão em um ponto: não há evidências disponíveis para a tese do “nanismo diplomático” brasileiro. Muito antes, o contrário.

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Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional da UFMG, é autor de 'Política externa e democracia no Brasil' (Editora Unesp)

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