Mônica e o despejo

Nudez da ex-amante de Renan, diz Ideli Salvati, depõe 'contra a seriedade do Senado'. Que seriedade?

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Por Sérgio Augusto
Atualização:

Sou de uma geração em que o nome Mônica nos remetia à sensual e estival personagem de Ingmar Bergman no filme Mônica e o Desejo. Os nascidos bem depois de mim cresceram na companhia da inocente Mônica do Maurício de Souza. Como já não se fazem mais Mônicas como antigamente (vide Monica Lewinsky), a da vez, ao menos nestas paragens, é a Veloso, ex-amante do presidente sem exercício do Senado, Renan Calheiros, e pivô da maior crise da história de nossa Câmara Alta. Aproveitando-se da notoriedade que o escândalo lhe deu (se fosse de outra cepa, teria sumido do mapa por uns tempos) e da falta de escrúpulos com que a Playboy renova seu estoque de mulheres peladas, Mônica Veloso aceitou fazer para aquela revista o que os franceses chamam de "desfolhar a margarida". Ganhou uma boa grana exibindo o que parece ter de melhor aos prodígios do Photoshop e ao voyeurismo geral. Sic transit impudicitia mundi. Sempre à espreita de uma celebridade instantânea que lhe pareça disposta a expor suas pudendas, a Playboy só perde o leilão se a mulher cobiçada se recusar a comercializar seu corpo (caso de Renilda Santiago, sra. Marcos Valério e musa do valerioduto) ou for reprovada numa avaliação menos impulsiva (caso de Fernanda Karina Somaggio, a desenxabida secretária do valerioduto). Uma certa perversão permeia essa fixação da Playboy em femmes fatales, protagonistas ou coadjuvantes de delitos os mais variados, com maior freqüência na política, onde as investigações não costumam acabar mais só em pizza, mas também num caderno de impudicas fotos de revista masculina. Dois ou três meses antes de se notabilizar por ter prejudicado o Botafogo num jogo decisivo da Copa do Brasil, a bandeirinha Ana Paula de Oliveira já se oferecia para tirar a roupa para a Playboy. Consumado o dano, não deu outra, e Ana Paula, lixando-se para os que a rebaixaram à categoria de "flâmula" e coisas piores, vendeu suas curvas e reentrâncias à revista da Abril. Há dias, a repórter do TV Fama, Tatiana Welikson, não só anunciou publicamente que passara o último fim de semana transando com um "insaciável" garanhão do BBB, como acrescentou "estar aberta a propostas de revistas masculinas". A facilidade com que essas moças se abrem é deveras espantosa. Uma famosa atriz me explicou por que, apesar de constantemente assediada, jamais posaria nua para revistas e calendários: "Não quero ficar exposta em barbearias e borracheiros, estuprada visualmente por uma legião de masturbadores aos quais nem bom dia eu daria". Para ela, qualquer tipo de venda do corpo é uma forma de prostituição, um meretrício virtual, um sucedâneo da Rossebuurt de Amsterdam, e tanto mais patético quando atenuado pelo eufemismo "nu artístico". O nu artístico nem sempre é um eufemismo. Ele existe e é útil nas escolas de belas artes, por exemplo. Também justifica o pomposo rótulo quando algum valor estético se destaca na relação entre o objeto pintado (esculpido ou fotografado) e quem o pintou, esculpiu ou fotografou. A Maja Desnuda, de Goya, é um clássico do nu artístico. As fotos que Bert Stern tirou de Marilyn Monroe, seis semanas antes da morte da atriz, também se enquadram nessa categoria; até porque de um lado havia um grande artista da câmara e, do outro, uma obra de arte em forma de mulher - e nenhum interesse pecuniário ou promocional em jogo. Só quem ignorava isso era o inspetor chefe da Receita Federal em São Paulo, José Antonio Gaeta Neves, que brecou por um dia, na alfândega de Guarulhos, a entrada de 62 daquelas fotos, expostas, com 24 horas de atraso, no Museu de Arte Moderna do Rio. Enquanto o inspetor alardeava não ter como atestar o que seja uma obra de arte (ficou mesmo difícil, José Antonio, sobretudo depois que o britânico Damien Hirst enriqueceu expondo em museus tubarões e ovelhas imersos em formol), chegava às bancas de todo o país, sem embargo ou problemas dessa ordem, a edição da Playboy com Mônica Veloso au naturel. Alvoroço tremebundo nas duas casas do Congresso, principalmente no Senado, onde a curiosidade de examinar o material outrora consumido pelo então chefe da casa era, por razões óbvias, mais intensa. "Vamos comprar agora mesmo, senão esgota", bradou, todo assanhado, o senador Garibaldi Alves, do PMDB potiguar, demonstrando uma reprovável falta de solidariedade com seu colega de partido. Logo a Playboy esgotou na banca do Senado, em meio a um show de excitação entre o juvenil e o gagá. Atenuante? A sinceridade dos senadores, coisa raríssima, como sabemos. Nenhum deles disse ter comprado a Playboy só para ler os artigos e as entrevistas. Todos, sem exceção, inclusive o recatado Eduardo Suplicy, só tinham em mente um objetivo: examinar a playmate calheira. Como se tivesse ouvido o alerta de Garibaldi Alves, Suplicy assegurou o seu exemplar antes de embarcar para Brasília, na banca do Aeroporto de Congonhas. Confessadamente encabulado diante da jornaleira, o senador petista balbuciou: "Posso fazer uma pergunta indiscreta? Já saiu a revista da Mônica?" Não seria de espantar se a jornaleira, conhecendo bem o senador, lhe desse um gibi da Mônica e sua turma. Mas, por também conhecer bem algumas das fraquezas humanas, a jornaleira entregou a Suplicy a revista da Mônica que ele de fato queria, prontamente guardada, ainda com o invólucro de plástico, na maleta do senador, para ser "lida" mais tarde, do contrário o senador se desconcentraria de sua prioritária leitura de bordo: o estudo de um parecer sobre a Lei das Licitações. Estarrecida com o bulício ambiente, a intensa senadora petista Ideli Salvati, que examinara parte do ensaio fotográfico de Mônica na internet, extravasou sua indignação, alegando que o bafafá em torno da Playboy "depunha contra a imagem de um trabalho sério do Senado". Ora, ora, seriedade é uma das palavras que não se aplicam, atualmente, ao trabalho do Senado. As outras são compostura e vergonha na cara. A postura e a cabeleira do senador Wellington Salgado - sem contar os quase R$ 12 milhões que deve ao fisco - afetam muito mais a imagem do Senado do que as fotos de Mônica e a balbúrdia por elas provocada. Por ora, o ensaio fotográfico apenas atinge ou depõe contra a ex-amante de Renan. Suas imperfeições físicas, no entanto, podem ser atenuadas com os recursos do Photoshop. Já os defeitos morais de Renan e do Senado, não há programa de computador que as esconda. Não seria má notícia se, um dia, descobrissem que a Playboy de outubro de 2007 apressou o despejo de Renan Calheiros da presidência do Senado e, em seguida, do próprio Senado. Aí, sim, poderíamos celebrar o ensaio fotográfico. E até estimular um cineasta da terra a dedicar a Bergman um filme intitulado Mônica e o Despejo.

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