Montagem original de 'Cabaret' é restaurada

A Biblioteca Pública de Nova York "reanima' o musical por meio de fotografias que simulam movimento

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Por Jesse Green
Atualização:

Teatro é o que termina todas as noites às 23 horas. Ou era assim.

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Mas e se alguns dos grandes shows do passado, que apareceram antes do seu tempo e acabaram antes do advento dos arquivos de vídeo, pudessem ser trazidos de volta à vida? Ou pelo menos meia vida?

Graças à nova tecnologia, é o que vem ocorrendo. Entre os shows ressuscitados recentemente está a produção original de um musical de grande sucesso na Broadway, Cabaré. Se gostaria de ver como o show emocionou, e como é comovente, vai conseguir agora. Numa série de cenas surpreendentes, criadas por Doug Reside, curador da Billy Rose Theater Division, na Biblioteca Pública de Nova York, descobrimos exatamente como Joel Grey, no papel do diabólico mestre de cerimônias do Kit Kat Klub, dançou com seu coro de “virgens” decadentes da era de Weimar. E também vemos como o espelho gigante - uma imagem do diretor de Hal Prince, aparece por trás deles quando cantam Willkommen, e como depois nos envolve na plateia.

Joel Grey como mestre de cerimônias na montagem de Hal Prince de 1967 Foto: The New York Times

A história das reanimações remonta a 1966 quando Prince, que não era apenas o diretor, mas também o produtor de Cabaré, contratou o estúdio Friedman-Abeles para tirar fotos de publicidade durante um ensaio de figurinos antes da primeira estreia na Broadway naquela ocasião. Como não era incomum, Prince logo pediu aos fotógrafos para voltarem e fotografarem de novo o show depois das mudanças finais e mais tarde novamente quando da primeira turnê pelo país, em 1967, e da segunda, em 1969.

O resultado foi uma mistura maravilhosa, mas confusa, com diferentes atores desempenhando os mesmos papéis e as encenações. Você vê Grey num determinado ponto se converter num dos seus substitutos na turnê, Jay Fox, com um make-up diferente, mas com poses quase idênticas. E vê Jill Haworth, que fez o papel original da divinamente decadente Sally Bowles, de repente deixar de ser a loira quando do ensaio de figurinos e se tornar uma morena na noite de estreia. E mais tarde ela se “torna” Melissa Hart. E depois Tandy Cronyn.

Anos depois, 3.694 imagens de Cabaré se tornaram parte de uma valiosa coleção dos trabalhos do estúdio doada à biblioteca. Uma tremenda fonte para historiadores de teatro, mas era um material difícil para trabalhar e exibir para o público. Reside descreveu o processo desta maneira: “damos a você uma lupa e uma mesa de luz e lhe desejamos boa sorte”.

Mas quando, recentemente, ele começou a digitalizar parte das fotos mais importantes da coleção, ele percebeu que, se uma mostra produzisse imagens bastante boas numa sequência rápida, as digitalizações poderiam ser colocadas juntas no Google Photos para criar animações como um GIF. Cabaré era perfeito para esse tratamento. Nos anos 1960, câmeras profissionais como as usadas pelo estúdio Friedman-Abeles estavam equipadas com um mecanismo de avanço rápido que permitia tirar mais fotos por minuto do que as câmeras convencionais.

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Este ano, já tendo seleções animadas de West Side Story e Company, Reside começou a trabalhar em Cabaré. “Depois de reunir as fotos digitalizadas, ele fez uma montagem delas em cenas e depois momentos individuais usando a cópia arquivada na biblioteca do roteiro de Joe Masteroff e a fita registrando o áudio como guia. Muitas eram inutilizáveis, mas 350 delas, trabalhadas com a ferramenta de animação do Google, produziram 70 GIFs, cada um deles com três a 18 imagens.

O beijo da tecnologia pareceu despertar a aura adormecida do show. O romance de Sally e Clifford Bradshaw (Bert Convy) ressuscitou em alguns segundos animados da cena em que ela usa seus encantos para entrar no seu apartamento de uma única cama. Os pormenores da coreografia de Ronald Field foram revelados nas peças montadas de Two Ladies, canção de Kander e Ebb em que o mestre de cerimônias e seu coro comentam sobre o tipo de vida nada ortodoxo como a de Sally e Cliff.

A coreografia que foi reanimada está entre as mais valiosas dádivas dos GIFs. Quando o vídeo é inexistente e as danças não são criadas para a posteridade, as sequências reunidas de fotos podem ser um instrumento crucial. Não apenas no caso de números elaborados da produção, como Telephone Song - cortada do filme de 1972 e que se perdeu no tempo, mas também para preservar a maneira como o corpo dos atores existia no espaço. O mau humor e depois a resignação da proprietária da casa onde Cliff vive, Frau Schneider, emerge em alguns relances da excelente interpretação de Lotte Lenya, conhecida de muitos fãs de teatro somente por seus vocais nas gravações originais do elenco.

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Quando vemos esses personagens se moverem conseguimos ver o que estão pensando. E quando vemos o show em movimento conseguimos ver isso também.

Em alguns casos vemos também o que foi decidido não se mostrar: uma cena sinistra de Cabaré. Encenada como silhueta, ela representa o crescente furor político envolvendo os personagens à medida que os fascistas ganham força na Alemanha em 1929 e 1930. Prince, que raramente foi meticuloso no tocante às suas ideias, cortou a cena entre o ensaio de figurino e a estreia do show, seja por razões comerciais ou estéticas, não sabemos. De qualquer modo, a animação de Reside resgata esse momento da história do teatro e nos deixa sentir seu horror. / Tradução de Terezinha Martino

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