03 de dezembro de 2020 | 09h00
Enquanto a pandemia se instalava na primavera do Hemisfério Norte, historiadores e curadores dos Smithsonian Archives of American Art começaram a fazer o que fazem melhor: olhar o mundo através das relíquias da história.
Encontrando escassas informações relacionadas à pandemia da gripe de 1918 em seus arquivos, decidiram garantir que os historiadores futuros tenham um material muito mais amplo a respeito desta época do novo coronavírus. Para tanto, uma equipe dos Arquivos, chefiada por Liza Kirwin, a diretora interina, começou a montar um registro completo para a posteridade.
No começo deste ano, curadores e historiadores orais dos arquivos realizaram uma série de entrevistas na Zoom com 85 artistas, com o objetivo de criar o Projeto de História Oral da Pandemia. A primeira rodada de entrevistas, que inclui artistas como Ed Bereal e Sheila Hicks, foi divulgada na segunda-feira.
“Começou exatamente no início de maio, quando nós estávamos refletindo sobre a covid-19”, contou Ben Gillespie, estudioso de secretariado do centro de arte Arlene and Robert Kogol para a história oral. Depois, com a notícia dos assassinatos de Breonna Taylor e George Floyd, acrescentou: “Também chegamos à conclusão de que este é um momento importante da história americana que devia constar”.
Há muitas coisas que representam 2020 – objetos diversos, coisas valiosas relacionadas à pandemia, fotografias que estão sendo colecionadas por muitos ou postadas na mídia social - mas este projeto oferece ainda uma garantia: Os registros terão de durar.
O projeto é algo inusitado para um grupo de arquivistas que costumam trabalhar com entrevistas longas, em profundidade, com a qualidade de documentários que mergulham no passado – estas sessões estão todas no Zoom e duram de 20 minutos a uma hora. Mas trabalhar rapidamente para preservar o presente também permitiu à equipe enxergar este ano com outros olhos.
“Eu senti como se o tempo estivesse se desenrolando completamente”, disse Gillespie. “Foi como se a história não existisse mais, e eu estivesse rodando em um éter amorfo”.
Josh Franco, colecionador nacional para os arquivos, disse que, como costumava trabalhar com artistas mais velhos, procurar entre as coleções particulares e os estúdios com o propósito de encontrar momentos que valesse a pena preservar, este projeto ofereceu um desafio muito oportuno.
“Nós compreendemos que o que estamos fazendo é um registro, e isto tem algo a ver com o grande arco do tempo”, disse Franco, “mas também ele ocorre exatamente neste momento – as pessoas falando e pirando juntas”.
Mark Bradford, um artista contemporâneo de Los Angeles, que participou do projeto, passou parte de sua entrevista comparando este ano a uma enorme tormenta.
“É como um dilúvio”, falou Bradford em seu vídeo. “E você sabe que está correndo pela rua, está se molhando e depois de repente você corre embaixo de alguma coisa, e fica ali por um minuto?"
”Às vezes, olha para a esquerda, e há alguém com você. E você pergunta: ‘O que está fazendo?’ Então conversa um pouco”.
Lisa Kirwin disse: “Para mim, essa foi uma metáfora de todo o projeto”.
“Foi como agachar-se embaixo de um toldo com pessoas e ter uma espécie de conversação rápida”, ela explicou, “sabendo que ao seu redor há uma chuva torrencial e que todo mundo vai se molhar. Mas as pessoas tiveram este momento em que puderam conectar-se”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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