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Não há nada de novo na tevê

Incertezas em tempos de vídeo na internet e cinemas vazios levam roteiristas dos EUA a greve

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Na noite de 5 de novembro, David Letterman não apresentou seu Late Show, um dos programas de entrevistas com maior audiência na televisão americana. O público deu de cara com a reapresentação de um episódio passado. Seu principal concorrente, Jay Leno, também estava fora do ar. Naquele dia, teve início a greve dos roteiristas de cinema e tevê nos EUA. Os talkshows foram as primeiras vítimas: sem ter quem escrevesse piadas frescas ou perguntas novas para os célebres entrevistadores, não houve o que apresentar. Da última vez em que o Writers Guild of America (WGA) - Associação dos Roteiristas dos EUA - determinou uma greve, em 1988, a interrupção durou cinco meses e custou ao negócio do cinema e da tevê um prejuízo de US$ 500 milhões. Sem conteúdo para pôr no ar além de reprises, as redes criaram uma série de novas revistas jornalísticas e fizeram nascer um novo gênero: o reality show. Os roteiristas têm nas mãos muitos números e duas cobranças. Querem ganhar um percentual maior da venda de DVDs e alguma coisa pelo que é exibido na internet. Sindicato, estúdios e redes de televisão passaram setembro e outubro à mesa discutindo sem alcançar alguma conclusão. Quando chegou novembro, mês de renovar o contrato com a classe, os roteiristas deixaram a mesa. É greve à moda dos EUA: ninguém quebra nenhum contrato, pois o último expirou. Os trabalhos param, os salários também. A questão dos DVDs é antiga. Ainda nos anos 80, o videocassete despertava medo em Hollywood. Medo de pirataria e medo de que tirasse gente das salas de cinema. Naquela década, quando o preço de um filme em vídeo podia chegar a US$ 100, o WGA assinou um acordo abrindo mão de parte das vendas para incentivar o surgimento de um mercado legal para filmes pré-gravados. O mercado surgiu. Em 2004, segundo números dos próprios estúdios, a venda de DVDs levantou US$ 4,8 bilhões em todo o mundo. A exibição nos cinemas foi deixada para trás, com US$ 1,7 bilhões. Neste, que é um negócio rondado sempre pelo medo, agora é a vez da internet. O patronato explica que não tem como prever o futuro, não sabe como as coisas ficarão e se a rede não os destruirá por implantar no mundo uma cultura de produção amadora e pirataria. "Os estúdios acreditam sinceramente que seu futuro é incerto", determina Patrick Goldstein, colunista do Los Angeles Times, especialista na principal indústria da cidade em que vive: Hollywood. "É um negócio fundado por judeus, então este pessimismo talvez seja um traço cultural." Do advento do filme falado ao cinema em cores à televisão ao vídeo e, agora, chegando à internet, é um negócio também exposto a quase que uma grande revolução tecnológica transformadora a cada duas ou três décadas. Embora o negócio do cinema esteja em crise (veja artigo abaixo), o do entretenimento nunca deixou de crescer. Além de ganhar o dinheiro do qual abriram mão quando o filme em vídeo era motivo de incertezas, os roteiristas querem receber pel é exibido na internet num modelo semelhante ao qual usam na tevê. Isto incluiria participação na publicidade. Os estúdios não querem pagar nada. Ao menos, não por enquanto. Alegam que a exibição pela internet é apenas marketing, promoção para atrair telespectadores. Parte da campanha do WGA para explicar a este mesmo público o que acontece é uma série de pequenos vídeos bem-humorados veiculados no site YouTube. Sua piada recorrente é a esquizofrenia do discurso do patrão. No início do ano, uma das todo poderosas do entretenimento, a Viacom, entrou com um processo contra o YouTube acusando o site de exibir material seu sem permissão. Cobram US$ 1 bilhão, calculando que é o que ganharia se controlasse esta exibição. Numa outra conta, que circulou em várias reportagens de negócios no início de 2007, Hollywood avaliou que o vídeo online daria um lucro de US$ 4,6 bilhões ao longo dos próximos três anos. É bem menos que o DVD - mas já compete com os cinemas. É só promoção, perguntam-se os roteiristas, ou o negócio vale algo? Na origem da frustração de quem escreve os roteiros estão os franceses da revista Cahiers du Cinema, na qual nasceu o movimento da Nouvell Vague. "O sindicato terá problemas enquanto esta teoria autoral existir", reclama Millard Kaufman. Aos 90 anos, vencedor de dois Oscars, criador do Mr. Magoo, Kaufman viu de tudo no ramo. Viveu muitas greves, emprestou seu nome para roteiristas que caíram na lista negra nos tempos do macartismo. Para ele - assim como para muitos - os franceses emplacaram a idéia de que o auteur do filme é o diretor e que o texto é acessório. Assim, embora escritores sejam pagos por cada livro vendido, músicos por cada disco, roteiristas têm de brigar e brigar. Mas, nos últimos anos, é a originalidade em roteiros que tem produzido as séries de maior sucesso da tevê americana, entre elas Lost, Sex and the City, Plantão Médico e The West Wing. A preocupação imediata das redes de televisão é com o Natal. Todas as séries, que vão ao ar no horário nobre, apresentam especiais de Natal. É da tradição americana estar em casa com a tevê ligada na noite do dia 24 e, portanto, este é um dos horários mais bem vendidos de comerciais todos os anos. Não há roteiros para filmar e, se a greve não terminar até inícios de dezembro, não haverá sequer tempo para reunir atores com equipe técnica para a produção. Se, com cinco meses, a greve de 1988 custou US$ 500 milhões, o mesmo período hoje representaria US$ 2 bilhões. Por enquanto, fora os talk shows e a série de comédia The Office, maior sucesso atual da NBC, que não tinha episódios inéditos na gaveta, a exibição das grandes redes continua normal. Entre dezembro e janeiro, os últimos episódios novos serão exibidos. Como o Sindicato dos Contra-Regras de Teatro também entraram em greve, esta não será uma alternativa. No início desta semana, os escritores de textos noticiosos da CBS, rede de maior audiência dos EUA, ameaçam parar também. O cerco está fechando. De novo na tela pequena, sobrará apenas Oprah Winfrey. A maior estrela da tevê americana atual não contrata ninguém que seja sindicalizado. TERÇA, 13 DE NOVEMBRO Greve atrás de greve Os técnicos de teatro da Broadway entram em greve uma semana após os roteiristas de cinema e tevê. Os próximos que ameaçam cruzar os braços são os editores de texto jornalístico da Rede CBS de Televisão e Rádio, ameaçando piorar a crise.

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