Nem luz, nem câmara, mas ao menos alguma ação

Atores e população estão do lado dos roteiristas de Hollywood em greve

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Por Sérgio Augusto
Atualização:

E a greve dos roteiristas de Hollywood continua. Hoje completa 20 dias. Sem solução à vista. Mas com uma nova reunião entre as partes litigantes - o sindicato dos escritores (Writers Guild of America) e a associação dos produtores (Alliance of Motion Picture and Television Producers) - marcada para amanhã. A primeira, dia 4, foi um fiasco. Os mais otimistas acreditam que a paz será firmada antes do Natal ou mesmo no próximo fim de semana. Os mais céticos preferem esperar sentados, sem arriscar palpites. Se a de 1988 durou 22 semanas, esta tende a durar mais, por ser bem mais complexo o seu contencioso. Há 19 anos, a TV a cabo ainda era incipiente, não havia internet, nem DVDs, celulares, iPods e similares, plataformas cuja margem de lucro ainda é uma incógnita. Eis o busílis: como estabelecer percentuais sobre um ganho impresumível? Os produtores se aferram a esse argumento, embora já faturem uma baba com a fragmentação da mídia e prometam lucros fabulosos a seus acionistas num futuro bem próximo. Outro busílis: como enrolar, simultaneamente, os roteiristas e os acionistas, usando argumentos que, afinal, se contradizem? Bob Iger, da Disney, foi pego, dia desses, gabando-se do faturamento de US$ 1,5 bilhão que, só na área digital, seus patrões amealharam em 2006. Dessa cornucópia não caiu um centavo na conta dos roteiristas. Em 1988, Hollywood empregava 80 mil pessoas. Hoje emprega 254.300. Se a greve atravessar cinco meses como a anterior, mais de 73 mil profissionais de cinema e televisão poderão perder seus empregos. Sem contar os que trabalham em setores indiretamente afetados pela paralisação: em restaurantes, hotéis, lavanderias, locadoras de automóveis, caminhões e parafernália cinematográfica, firmas de segurança e catering. A indústria de entretenimento gera US$ 80 milhões por dia para a economia de Los Angeles. Até os negócios imobiliários já começaram a sentir os efeitos da greve. Atualizadas diariamente, as estimativas dos prejuízos para os profissionais de cinema e TV já haviam chegado, na tarde de sexta-feira, a um buraco de US$ 200 milhões. Se a paralisação entrar dezembro adentro, bem, é só fazer as contas. The Hollywood Repor ter estimou em 33 mil o número de desempregados até a primeira semana de dezembro. As primeiras vítimas foram os shows de TV que se alimentam do noticiário diário, como The Daily Show (com Jon Stewart) e The Colbert Report (com Stephen Colbert), não por acaso as maiores fontes de informação do público jovem, que prefere as gozações de Stewart e Colbert às tépidas brincadeiras de David Letterman e Jay Leno. "Perder Stewart e Colbert é como ter perdido (Walter) Cronkite durante a guerra do Vietnã", lamentou Michael Winship, presidente do WGA da Costa Leste. E Edward Murrow, durante o macarthismo, deveria ter acrescentado. A NBC chegou a cogitar de substituir suas estrelas noturnas, inclusive Jay Leno, por outros apresentadores, que improvisariam gracinhas diante das câmeras. Mas já desistiram da idéia. Como já desistiram de importar roteiristas do Canadá e da Inglaterra, que se recusaram "a trair seus colegas americanos". Em princípio, só lhes restam como opções as reprises dos programas paralisados pela greve e a substituição de um e outro por reality shows, coberturas esportivas, enlatados de culinária, viagens e bichos. Fugindo ao óbvio, a NBC decidiu pôr no ar uma série originária da internet, Quarterlife, cujo calão terá de ser amenizado com algum rigor. Mais de 50 telesséries ou tiveram sua produção sustada ou foram canceladas. Para estas, adeus, Emmy. Outras, elogiadas mas sem chances em horários de boa audiência, deverão se beneficiar da ausência de 24 Horas, Two and a Half Men e demais congeladas, prognóstico alvissareiro, quando nada porque entre os projetos adiados havia um chorrilho de minisséries sobre paranormais, extraterrestres e baboseiras místicas. Na produção cinematográfica, a situação não é mais animadora. Quase 80% dos projetos prestes a ser filmados já receberam sinal verde dos estúdios, mas os produtores receiam dar meio passo com um script carecendo de polimento e um elenco incompleto. Tal é o caso do próximo James Bond (Bond 22). E também de Angels & Demons (sobre os prolegômenos do Código Da Vinci), Done One (continuação de Arquivo-X), Pelham 123 (com Denzel Washington), Pinkville (de Oliver Stone, sobre o massacre da aldeia vietnamita de My Lai, em 1968), Shantaram (com Johnny Depp) e Nine (musical inspirado em Oito e Meio, de Fellini, com Javier Bardem, Penelope Cruz e Sophia Loren). A Paramount só não cancelou as filmagens de G.I. Joe, programadas para fevereiro, porque conseguiu montar a tempo um mutirão de quatro roteiristas. Destoando do comportamento geral da imprensa, um repórter do Los Angeles Times tentou, nas entrelinhas, ridicularizar a greve, chamando a atenção para os óculos e as écharpes de grife dos atores que, no início da semana, fizeram piquete em Manhattan em favor dos roteiristas. "A glamour strike", uma greve glamourosa, desdenhou o repórter, que quebrou a cara ao insinuar que o homem da rua estava pouco se lixando para as reivindicações dos escritores e as palavras de ordem ("No money? No downloads. No downloads? No peace.") gritadas, entre outros, por Tina Fey, a brilhante e charmosíssima criadora e atriz da série cômica 30 Rock, aqui transmitida pela Sony. Duas pesquisas de opinião desmentiram, no dia seguinte, o intrigante jornalista. Segundo a Pepperdine, 69% dos americanos estão a favor dos grevistas, e apenas 4% contra. Os índices apurados pela SurveyUSA deram 63% para os grevistas e 8% para os produtores. Por falta de adesões e manifestações de solidariedade, a greve dos roteiristas não terá um final infeliz. George Clooney doou US$ 25 mil para o fundo de greve e exortou outros atores a fazer o mesmo. A participação dos atores, diga-se, suplantou todas as expectativas. Vários se revezaram diante dos estúdios da Universal no meio da semana, empunhando cartazes e distribuindo panfletos, debaixo do maior sol. Nem o elenco de Desperate Housewives fez forfait. Fiquei particularmente gratificado com a ardorosa militância de Marg Helgenberger, a louraça de C.S.I. Las Vegas. Barack Obama, o maior rival democrata de Hillary Clinton na próxima corrida presidencial, declarou-se incondicionalmente favorável à paralisação. Que até entre produtores televisivos, como Shonda Rhimes (Grey's Anatomy) e Shawn Ryan (The Shield), já encontrou apoio. A International Affiliation of Writers Guild, entidade que representa 21 mil roteiristas sindicalizados do mundo inteiro, programou uma série de demonstrações para a próxima quarta-feira, na Inglaterra, França, Itália, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Irlanda e México. "Essa luta não é só dos roteiristas americanos, mas de todos aqueles que vivem da palavra" - como é o caso de quem disse isso, o escritor e ocasional roteirista Gore Vidal.

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