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Nenhuma boa opção

Há 5 anos, Terri partia. Ficou a controvérsia sobre o poder de decidir a morte

Por Monica Manir
Atualização:

SÃO PAULO - "Ela é um vegetal."

 

- Eu odeio vegetais!

 

- O vegetal mais caro que você já conheceu.

 

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- Só há uma solução, nós temos de desligá-la.

 

Em uma semana sagrada para a família de Terri Schiavo, que lembra o quinto ano da morte da americana, o diálogo acima foi letal. Ele faz parte de Terri Schiavo: The Musical, episódio do sitcom de animação Family Guy, que foi ao ar pela Fox. Enquanto um médico testa reflexos no joelho inerte de Terri, uma figurinha galega se dizendo Michael Schiavo anuncia a necessidade de desplugar a mulher dos aparelhos que a mantêm viva. Diante de uma tomada ambulante, os dois - mais uma penca de personagens em miniatura - reforçam o bordão: "Ela é um vegetal, nós temos de desligá-la".

 

Bobby Schindler, irmão de Terri, disse que até podia, mas não perdoou a brincadeira. No site da Fundação Terri Schindler Schiavo, fundada pelos Schindlers pouco depois de ela sucumbir a 13 dias de desidratação por estar sem a sonda que a alimentava, Bobby prega boicote ao programa da Fox. "Ultimamente, a responsabilidade nos leva a rejeitar esse tipo de entretenimento, que nada mais faz além de machucar e ofender."

 

Difícil extrair humor de um caso que sensibilizou a sociedade americana e marcou o debate mundial sobre a eutanásia. Após 15 anos mantida em estado vegetativo por meio não de uma parafernália, mas de um único recurso, a sonda de alimentação, Theresa Marie Schindler Schiavo morreu aos 41 anos numa casa para doentes terminais em Pinellas Park, na Flórida.

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Fora dos muros, grupos pro-life e pro-choice agitavam suas bandeiras. O primeiro se unia a Robert e Mary Schindler, pais de Terri, que insistiam na manutenção da sonda por acreditar numa suposta recuperação da filha. O segundo apoiava Michael Schiavo, o marido, que pregava a retirada do aparelho alegando que o estado vegetativo da esposa era permanente. Mais que isso: ela teria dito a ele, lá atrás, que não gostaria de ser mantida viva dessa maneira caso ficasse incomunicável numa cama.

 

Aos 26 anos, ela provavelmente não via necessidade de deixar na gaveta da cômoda um living will, uma carta autenticada recomendando o que gostaria que fosse feito dela nessa situação. No chão de casa, ficou cerca de cinco minutos sem oxigênio devido a uma parada cardíaca, talvez provocada por uma dieta radical em busca de um corpo de sílfide. Por oito anos o marido, seu representante legal, se irmanou aos pais dela nos cuidados a Terri. Após receber US$ 600 mil do processo em que acusava de negligência o clínico geral que a atendia, decidiu entrar na Justiça para pedir a eutanásia, amparado por laudos médicos que apontavam a irreversibilidade do caso.

 

Dezenove juízes de seis tribunais e a Suprema Corte dos EUA deram razão ao marido, apesar do circo político armado pelo presidente George W. Bush e de seu irmão Jeb, então governador da Flórida, que buscavam apoio da direita religiosa nas eleições legislativas do ano seguinte. George W. chegou a instar o Senado a aprovar, na madrugada do dia 19 de março de 2005, uma lei que remetesse o caso à Justiça Federal. Dizia que, assim, os pais poderiam pedir uma reavaliação do caso e, nesse meio tempo, talvez o juiz ordenasse a reconexão do tubo para avaliar melhor a questão.

 

Em vão. Não só o juiz se manteve firme como 70% dos americanos reprovaram a interferência de um poder no outro. Em um dos últimos debates entre os democratas Barack Obama e Hillary Clinton para decidir quem sairia candidato à presidência, ele se disse arrependido de um único voto em sua carreira no Senado: a Lei para Aliviar os Pais de Theresa Marie Schiavo. "Aquilo foi um erro", admitiu Obama. "E, como professor de direito constitucional, eu sabia disso melhor do que ninguém."

 

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Às 9 horas do dia 31 de março, sem a presença dos pais e dos irmãos, impedidos de entrar no quarto pelo marido, Terri foi dada como morta. No topo das páginas de vários jornais, porém, era outra a manchete: "João Paulo II recebe a extrema-unção". O caso Terri concorria com a agonia do papa, cujos médicos haviam inclusive anunciado a possibilidade de recorrer a um tubo de alimentação para nutri-lo. João Paulo II já havia pronunciado a natureza "moralmente necessária" da nutrição artificial e hidratação no Congresso Internacional sobre Tratamentos de Manutenção da Vida e Estado Vegetativo, em 2004. Afirmava que pessoas em estado vegetativo sempre seriam humanas e a elas não poderiam ser negados os cuidados básicos com a saúde. Para alimentar a controvérsia, no entanto, havia quem afirmasse que esses pacientes não sentem nem fome nem sede. Ainda que as sentissem, hidratar e nutrir colocando as substâncias diretamente no estômago ou no intestino não saciaria essas vontades.

 

A necropsia indicou que o cérebro de Terri pesava a metade do esperado e os danos eram irreversíveis. Além disso, ela estava cega, o que colocou em xeque a imagem em que a americana aparentemente mirava os olhos da mãe ou acompanhava um balão vermelho pelo quarto. Os pais pediram revisão da necropsia. Michael Schiavo insistiu na cremação.

 

Em desacordo eterno, nunca mais se falaram. Robert Schindler morreu no ano passado. A mãe e os irmãos mantêm a Fundação Terri Schindler Schiavo, que se propõe a ajudar pacientes em estado terminal e os familiares daqueles que não podem expressar sua vontade sobre o próprio destino. Pesquisa recente, aliás, mostra que, à revelia do caso Terri, entre 20% e 30% dos adultos americanos registra seus living wills. Apenas.

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Michael Schiavo casou novamente um ano depois de enviuvar. Casou com Jodi Ann Centonze, a mulher com quem já compartilhava moradia e dois filhos. Em entrevista à rede NBC, ele explicou da seguinte forma o motivo de não ter pedido o divórcio, o que tornaria os pais de Terri guardiães legais da filha: "Terri não era uma bola de futebol, desses seres inanimados que você passa adiante. Ela era minha mulher. Quando nossa mulher fica doente, nós a devolvemos aos pais?"

 

Na quarta-feira, flores naturais e artificiais decoravam o túmulo da americana. Sob elas jazia a inscrição pedida por Michael ainda em 2005, vista como uma bofetada na cara dos Schindlers: "Nascida em 3 de dezembro de 1963, abandonou esta Terra em 25 de fevereiro de 1990, em paz em 31 de março de 2005". E ainda, logo abaixo de uma pomba dourada da paz carregando um ramo de oliveira: "Cumpri minha promessa".

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