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No mundo dos vícios virtuais

Pedofilia no Second Life e a violência de certos viodeogames desafiam nossa capacidade de julgar o que é e o que não é crime

Por Peter Singer
Atualização:

Num jogo de role-playing (RPG) popular na internet chamado Second Life, as pessoas podem criar uma identidade virtual para elas, escolhendo coisas como idade, sexo e aparência. Esses personagens virtuais então fazem coisas que pessoas no mundo real fazem, como sexo. A depender de suas preferências, você pode fazer sexo com alguém mais velho ou mais novo que você - talvez muito mais velho ou mais novo. Aliás, se seu personagem virtual for um adulto, você pode fazer sexo com um personagem virtual que seja uma criança. Se você fizesse isso no mundo real, a maioria de nós concordaria que está fazendo algo gravemente errado. Mas será que fazer sexo virtual com uma criança virtual é algo muito errado? Então, vejamos. Alguns jogadores de Second Life dizem que sim, e prometeram expor quem fizer isso. Os fabricantes do jogo, Linden Labs, disseram que o modificarão para impedir que crianças virtuais sejam usadas em situações de sexo. Promotores alemães também se envolveram no caso, embora suas preocupações pareçam ser mais com o uso do jogo na disseminação de pornografia infantil do que em saber se pessoas fazem sexo com crianças virtuais. Leis contra pornografia infantil em outros países também poderão levar à proibição de jogos que permitam o sexo virtual com crianças virtuais. Na Austrália, Connor O?Brien, presidente da seção de legislação criminal do Instituto de Justiça (a OAB local) de Victoria, disse ao jornal The Age, de Melbourne, que o fabricante de Second Life deveria ser processado por publicar imagens de crianças num contexto sexual. A lei pisa em terreno sólido quando protege crianças de exploração sexual. Mas ela se torna dúbia quando interfere em atos sexuais consensuais, praticados entre adultos. O que adultos decidem fazer na cama é assunto deles e o Estado não deveria interferir, acreditam muitas pessoas bem informadas. Se você fica excitado(a) em ver o(a) parceiro(a) adulto(a) vestido(a) como escolar antes de fazer sexo, e se ele ou ela ficam felizes de entrar nessa fantasia, seu comportamento pode ser visto como abjeto para a maioria das pessoas. Mas enquanto ocorrer privadamente, poucos achariam que isso faça de você um criminoso. Também não deveria fazer nenhuma diferença se você convidar alguns amigos adultos e, na privacidade de seu lar, eles aceitarem tomar parte numa fantasia sexual do gênero, em maior escala. Usuários conectados via internet - de novo supondo-se que só estejam envolvidos adultos consensuais - serão tão diferentes de uma fantasia em grupo desse tipo? Quando alguém quer interpretar algo como uma transgressão criminal, deveríamos sempre perguntar: quem é prejudicado? Se puder ser demonstrado que a encenação de uma fantasia de sexo virtual com uma criança virtual torne pessoas mais propensas a se envolverem em pedofilia real, então crianças reais serão prejudicadas - e o caso de proibir a pedofilia virtual ganha força. A abordagem dessa questão leva a outra, talvez mais significativa, sobre atividades virtuais: a violência em videogames. Os jogadores de videogames violentos estão com freqüência numa idade impressionável. Doom, um videogame violento dos mais populares, estava entre os favoritos de Eric Harris e Dylan Klebold, os assassinos adolescentes da Columbine High School. Num videotape arrepiante que fizeram antes do massacre, Harris diz :"Vai ser como na p* do Doom... Esta p* desta espingarda (ele beija a espingarda) saiu diretamente do Doom!" Há outros casos em que fãs de videogames violentos se tornaram matadores, mas eles não provam causa e efeito. Entretanto, deveria ser dado mais peso ao crescente número de estudos científicos, tanto em laboratório como em campo, sobre o efeito desses jogos. Em Violent Game Effects on Children and Adults (Efeitos de jogos violentos em crianças e adultos), Craig Anderson, Douglas Gentile e Katherine Buckley, do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Iowa, reuniram estudos desse tipo para defender que videogames violentos aumentam o comportamento agressivo. Se o processo criminal não for um instrumento eficaz para se usar contra videogames violentos, existe, porém, base para pagamento de indenização às vítimas, ou famílias das vítimas, de crimes violentos cometidos por pessoas que joguem videogames violentos. Até agora essas ações foram rejeitadas - pelo menos em parte com base em que os fabricantes não poderiam prever que seus produtos levariam as pessoas a cometer crimes. Mas as evidências que Anderson, Gentile e Buckley apresentam enfraquecem essa tese de defesa. André Peschke, editor-chefe de Krawall.de, uma das principais revistas online sobre computadores e videogames, me informa que em dez anos no setor de videogame ele nunca viu nenhum debate sério no setor sobre a ética de se produzir videogames violentos. Os fabricantes se escudam na afirmação simplista de que não existe nenhuma comprovação científica de que videogames violentos conduzam a atos violentos. Mas às vezes não dá para esperar pela comprovação. Este parece ser um desses casos: os riscos são grandes e ultrapassam quaisquer benefícios que os videogames possam ter. As evidências podem não ser conclusivas, mas isso é forte demais para continuar sendo ignorado. O surto de discussões sobre pedofilia virtual em Second Life pode ter mirado o alvo errado. Os videogames devem estar sujeitos a controles legais não quando capacitam pessoas a fazerem coisas que, se fossem reais, seriam crime - mas quando há evidências sobre as quais podemos razoavelmente concluir que ajudam a aumentar a criminalidade grave no mundo real. Atualmente, as evidências disso são mais fortes para os jogos que envolvem violência do que para realidades virtuais que permitem a pedofilia....

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