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Nova biografia investiga o escritor americano Henry David Thoreau

Livro escrito por Laura Dassow Walls desmistifica o autor de 'Walden'

Por The Economist
Atualização:
Retiro de Henry David Thoreau, entre 1845 e 1847, inspirou várias narrativas, da oiteratura aos videogames Foto: USC Game Innovation Lab

Numa noite de abril de 1844, Henry David Thoreau se pôs a andar com passos aflitos pelos restos calcinados de um incêndio florestal que ele provocara acidentalmente. O fogo, perto de Concord, Massachusetts, envolveu o lago Walden, sobre o qual o ensaísta escreveria passagens eloquentes dez anos depois. A natureza local logo se recuperaria; a reputação de Thoreau, não. Depois de sua morte, a revista The Atlantic publicou uma passagem de seu diário, em que ele confessava a culpa pelo incêndio, e ironizou: “O ícone da vida em meio à natureza, tão descuidado que botou fogo no mato! O mandrião resolveu passar um tempo pescando quando devia estar trabalhando!”

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Duzentos anos depois, a reputação de Thoreau continua em questão. Para alguns, ele é um esquisitão ascético; para outros, um santo do “retorno à natureza”. Uma nova biografia, de autoria da professora Laura Dassow Walls, da Universidade de Notre Dame, põe por terra essas duas ideias sobre o autor de Walden, revelando antes um escritor enigmático, cuja obra merece ser reavaliada.

Boa parte da má vontade para com Thoreau tem a ver com os dois anos que ele viveu às margens do lago Walden e do livro que escreveu inspirado na experiência. Para muitos, Walden resulta de um retiro realizado numa natureza falsamente selvagem, entrecortado por visitas periódicas à casa dos pais para comer um prato de comida quente, deixar roupas sujas e pegar roupas limpas.

Walls argumenta que, na realidade, esse período de reclusão deve ser visto como uma obra involuntária de arte performática. Walden contém algumas das mais influentes e líricas passagens sobre a natureza de toda a prosa americana, tendo servido como pilar para uma nova geração de reflexão ambientalista. Walls não cita muitos trechos do livro, preferindo se concentrar na dualidade da personalidade de Thoreau: um sujeito introspectivo e intensamente reservado, mas, ao mesmo tempo, seguro de si e presunçoso.

No tempo que passou às margens do lago Walden, Thoreau ofereceu refúgio a um escravo que fugira do Sul, integrando-se assim à “Underground Railroad” — rede de rotas e locais clandestinos que os negros utilizavam com o auxílio de abolicionistas para chegar aos Estados do Norte ou ao Canadá. Esse ato de rebelião privada levou, dez anos mais tarde, a uma manifestação bastante pública.

Em 1.º de novembro de 1859, o eremita professo subiu ao púlpito do Tremont Temple, em Boston, para apresentar uma palestra em defesa do capitão John Brown, abolicionista que no mês seguinte seria enforcado por comandar um ataque armado contra a região atualmente ocupada pelo Estado da Virgínia Ocidental. Considerado um filósofo da serenidade, Thoreau deixou o público exaltado, e jornais do país inteiro republicaram trechos da conferência.

Um dos prazeres proporcionados pelo livro de Walls é o contato com a natureza multifacetada e a curiosidade incansável de Thoreau, que, além de escritor e ativista, era engenheiro, agrimensor, palestrante e naturalista. Cinco semanas depois da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, ele já aplicava princípios evolucionistas a seus estudos. Ao morrer, aos 44 anos, receava o industrialismo desenfreado defendido por seu amigo e mentor Ralph Waldo Emerson, questionando: “Por que vocês não aproveitam e, um verão desses, tiram a Terra dos eixos, colocando-a numa órbita nova e modificando as entediantes vicissitudes das estações?” Com os efeitos das mudanças climáticas cada vez mais evidentes, a advertência parece presciente.

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O livro de Walls é um estudo oportuno e revelador sobre esse eminente escritor e ambientalista americano. O pensamento de Thoreau combina ciência, política e natureza na esperança de que o humano e o não humano possam conviver em harmonia. Era uma ideia nova na época e continua a merecer atenção hoje em dia. / Tradução de Alexandre Hubner

Henry David Thoreau, circa 1850 
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