Nova economia do desenvolvimento sustentável é chance de ouro para o Brasil

Retomada econômica no pós-pandemia tende a ser orientada pela preservação ambiental e o País estará numa posição privilegiada caso aproveite a oportunidade

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Por Jorge Caldeira
6 min de leitura

O Brasil vai conhecer em 2021 um choque ambiental com a força de um Big Bang, capaz de moldar a nação na História até o último dos alicerces. O leitor que me conhece deve estar pensando: o que deu naquele historiador sensato, que tanto se aplicava à disciplina de nunca falar sobre o futuro, para vir agora com previsões em linguagem recendente a apocalipse? Boa pergunta. Um bom modo de entender a mudança pode ser começar por mim mesmo. Um ano atrás começava um livro que, no projeto, deveria tratar dos conceitos inovadores trazidos pela questão ambiental. Era uma pretensão intelectual suave, na medida em que falaria mais do longo prazo, daquilo que poderia vir em décadas. 

Brasil se comprometeu em reduzir o desmatamento ilegal até 2030. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Formei uma equipe com pessoas mais jovens, a economista e cientista política Júlia Marisa Sekula (curitibana, 27, alfabetizada em mandarim em inglês na China, colegial na Alemanha, faculdade em Londres, profissionalizada em bancos de investimento e a caminho de Stanford), e a Luana Schabib (pantaneira de Corumbá, 33, repórter, mba em marketing na FGV). Em outubro de 2019 descobrimos gráficos interessantes, produzidos pela Bloomberg New Energy Finance.  Os gráficos, filhos da era Big Data, são construídos basicamente com uma seção histórica, que acompanha a evolução das fatias de mercado das diversas fontes de energia em muitos países, e uma seção projetiva, que indica mudanças baseadas na evolução de custos relativos – desconsiderando subsídios e ações políticas.  A tendência dos gráficos de quase todos os países do mundo é a mesma, por causa de um fenômeno universal: as energias renováveis, especialmente solar e eólica, são cada vez mais competitivas, expulsando do mercado os combustíveis fósseis com base em preços e eficiência. Essa tendência permite marcar a data em que cada economia teria as fontes renováveis dominando mais da metade do mercado de energia elétrica. Tal marcação de um propósito ambiental como guia é a base de um novo modo de encarar desenvolvimento. Substitui o papel que o indicador crescimento do PIB vem tendo há um século como norteador. Mas essa não era então uma substituição de conhecimento geral. Um ano atrás, o uso da ferramenta era restrito ao ambiente privado, mais precisamente ao nicho dos interessados em economia de carbono neutro. Para falar dos aspectos financeiros das transformações foi preciso apelar para uma métrica de conceituação semelhante, conhecida pela sigla ESG (de Environmental, Social, Governance – Ambiental, Social e Governança). Foi criada nos anos 1990 por pessoas interessadas em ganhar dinheiro com investimentos de capital, mas, ao mesmo tempo, em preservar o meio ambiente. Determina regras para medir quantitativamente o valor ambiental de uma aplicação. Seu emprego começou com retornos inicialmente modestos, mas foi se impondo pelos lucros gerados. As adesões, sempre voluntárias por parte de cada investidor, foram crescendo. No que se refere a governos, o primeiro a transformar as métricas de data para carbono neutro e de avaliação ambiental qualitativa em norteadores de planejamento estratégico foi o da União Europeia, em dezembro de 2019. Foi um salto monumental no sentido de firmar a combinação como propósito central de uma grande economia. Com o impacto da covid-19, toda a equação entre um longo prazo de equilíbrio ambiental e a vida econômica presente foi sacudida em escala planetária. Uma hipótese corrente no início da pandemia era a de que a recessão violenta poderia romper a tendência de mudança na direção de uma nova economia, gerar uma vitória dos combustíveis fósseis e dos investimentos financeiros tradicionais. Mas o livro “Brasil, Paraíso Restaurável” traz os dados que apontam na direção contrária. Em maio de 2020 a União Europeia fez uma aposta do tipo “all in”. Atrelou todo o plano de recuperação econômica a metas ambientais. São EU 2 trilhões, quesó podem ser liberados para empresas que se comprometam com uma economia de carbono neutro em 2050. Quer dinheiro? Pague com ambiente. A ação estatal da maior economia do planeta se transformou em forte indutor da mudança. No mundo dos ativos acontecia aceleração paralela. Os investidores de risco, inicialmente assustados com as quedas violentas das bolsas, não demoraram a descobrir que os fundos ESG estavam tendo um desempenho bem melhor que os demais – algo que se relaciona a ativos típicos da nova economia, aquela que liga desenvolvimento econômico a propósitos ambientais: ações da Tesla, em poucos meses, passaram a valer mais que as da Ford, General Motors e Toyota somadas; empresas de energia renovável chegaram a ter valor de mercado maior que a Exxon. No mercado de energia foi o mesmo processo. As projeções da Agência Internacional de Energia vêm mostrando 2020 como o ano da maior redução das emissões de carbono desde a primeira guerra mundial. As fontes de energia fóssil tiveram gigantescas quedas de produção, enquanto a energia renovável continuava crescendo em taxas altas. Assim 2020 pode ser o primeiro ano, desde o início do século 19, no qual o carvão mineral não seria a principal fonte de energia da economia mundial. Na esteira vieram mais governos. Em setembro deste ano, quando o livro já estava lançado, a China também resolveu aderir à aceleração da mudança, anunciando 2060 como data para o carbono neutro. Em outubro, o Japão cravou 2050. Os Estados Unidos darão uma guinada radical. Eram negacionistas e vão mudar para a aposta ambiental a partir de janeiro de 2021. Uma das primeiras providências de Joe Biden depois da eleição foi vazar a data de 2050 como a meta de uma economia de carbono neutro – com US$ 2 trilhões para induzir seu cumprimento.  Para resumir: em menos de um ano a economia que organiza o desenvolvimento a partir do ambiente equilibrado deixa de ser nicho, para se tornar objetivo central das quatro maiores economias do planeta – todas empregando a força de seus governos para acelerar as mudanças que nasceram das empresas inovadoras. Quanto dinheiro está envolvido nessa mudança? Calcula-se que algo em torno de US$ 45 trilhões, públicos e privados, são atualmente geridos com alguma forma de cláusula ambiental para liberação, seja suave ou estrita. E o Brasil? Firmou-se como negacionista convicto, nação que duvidava da existência de problemas ambientais. Que não via necessidade de investir em transição para a economia de carbono neutro. Que enxergava as mudanças como forma de pressão indevida de outros países.

Mapa distorce tamanho de países para representar visualmente seu potencial em recursos naturais Foto: Worldmapper.org

O que lhe diz a nova realidade? O lanche grátis dos negacionistas acaba dia 20 de janeiro de 2021, data da posse de Joe Biden.Muda a equação geopolítica: um ano atrás, havia uma nação negacionista ativa (com o país na cola) e três neutras; a partir de janeiro serão as quatro maiores economias do mundo unidas em torno do imperativo ambiental de desenvolvimento. O terremoto da Covid gerou o movimento tectônico. A onda dele resultante é forte: os US$ 45 trilhões com cláusulas ambientais correspondem a 28 vezes o PIB brasileiro. As exportações do agro nacional (US$ 105 bi) representam apenas 0,002% desse montante. Essa realidade está dada para 2021. Ao Brasil resta escolher entre bater de frente com ela ou mudar de atitude. O livro “Brasil, Paraíso Restaurável” foi pensado, ainda em 2019, como uma avaliação da nova economia como oportunidade nacional. O ano de 2020 multiplicou essas oportunidades exponencialmente. O livro mostra em detalhes que nosso país é aquele que mais rapidamente pode atingir a meta de uma economia de carbono neutro em todo planeta. Com atos simples. O maior atentado que a nação comete em relação ao aquecimento global é a queima de 220 milhões de árvores de florestas nativas anualmente, para produzir carvão vegetal. Com que finalidade? Basicamente, serem juntadas a outros 220 milhões de árvores plantadas por silvicultores, igualmente queimadas, para produzir o carvão vegetal empregado principalmente para processar minério de ferro e criar ferro gusa.As árvores plantadas são carbono neutro ao fim do ciclo: fixaram carbono em seu crescimento, liberam carbono na queima. Já as árvores nativas deixam de fixar carbono quando a floresta desaparece e liberam carbono ao serem queimadas. Um desastre ambiental duplicado – sem contar efeitos econômicos cada vez mais relevantes da perda de biodiversidade. Um programa de plantação adicional de 55 milhões de árvores por ano em áreas degradadas permitiria, em apenas e tão somente quatro anos, zerar a conta daninha. Só isso levaria o Brasil para muito perto da meta que as grandes nações fazem força para atingir em 30 anos. A onda da economia com propósito ambiental vem aí. O Brasil pode enxergar a realidade futura da mesma forma que os autores do mapa da produtividade natural – mais um produto das ferramentas que guiam a nova economia, escolhido para a capa do livro. Nesse caso, poderia pretender uma posição de liderança planetária e surfar a onda. Se continuar como está...

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