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Luzes da cidade

O gênio escapou

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Por LÚCIA GUIMARÃES
Atualização:

A capa da revista do New York Times neste domingo estampa o rosto de Hillary Clinton como um planeta em órbita. A reportagem, com o título Planeta Hillary, sobre os bastidores de uma aparentemente inevitável candidatura a presidente em 2016, foi precedida de um anúncio muito mais importante: o super-PAC, ou comitê de ação política mais rico dos democratas, decidiu concentrar todo seu poder de fogo e arrecadação de fundos na ex-primeira dama e ex-secretária de Estado. Estamos falando do Priorities USA Action, o trator que foi instrumental na reeleição de Barack Obama. Dias antes, pesquisas mostraram que o possível adversário republicano de HIllary, o governador de New Jersey, Chris Christie, começou a cair nas pesquisas por causa de vários escândalos, o primeiro deles o Bridgegate, um engarrafamento monstro criado como retribuição política. Voltamos ao fim de 2007, quando Hillary Clinton era a esperada sucessora de George W. Bush. Sabemos como acabou esse filme. Então, por que uma revista antenada em política como The New Republic dedicou uma capa a outra não candidata, a novata senadora Elizabeth Warren, conhecida por criar a Agência de Proteção Financeira do Consumidor no governo Obama? O fato de que Obama não teve coragem de nomear Warren para chefiar a agência que ela inventou ajuda a explicar sua fama.No começo da década de 1990 eu estava de passagem pelo Rio quando um editor da Economist me chamou para ajudá-lo a produzir entrevistas para um encarte especial sobre o Brasil. Ele queria marcar uma entrevista com a Xuxa. Telefonei para a então empresária da Xuxa, Marlene Mattos, e ouvi a seguinte resposta: a Xuxa não está comentando sobre economia. Recordei o diálogo quando recebi, na semana passada, a resposta a um pedido de entrevista para o Aliás: "A senadora Elizabeth Warren no momento não está conversando com a imprensa estrangeira". Fora o fato de não parar de falar sobre economia e ter assessores um tanto mais articulados, a senadora, com todo o respeito, tem algo em comum com a apresentadora brasileira. Warren provoca em adultos reações de tietagem eufórica semelhantes às outrora provocadas pela rainha dos baixinhos. Sua campanha pelo simbólico assento ocupado por Ted Kennedy no Senado em 2012 foi marcada por vídeos virais, festas com sua presença em casas de eleitores e um clima de reparação psicológica pelas decepções com Barack Obama.A recusa educada da assessoria de Warren saltou da tela pelo que não constava da explicação. A resposta era impregnada de cautela e intenção, vindo de uma acadêmica liberal de Harvard que acaba de estrear no Legislativo americano. Em dois dias, descubro que estou sendo seguida no Twitter pelo nascente ReadyForWarren (Prontos para Warren), um grupo de progressistas esperançosos de uma candidatura Warren em 2016. O que faz tanto sentido quanto um grupo a favor de Aécio Neves acompanhar uma colunista de Nova Délhi que escreve em hindi na mídia social.Por enquanto, Hillary Clinton, a noiva abandonada no altar em 2008, é a figura cuja mera existência, sem declarar suas intenções, pode paralisar outros aspirantes. Mas, se Elizabeth Warren, apelidada de 'Pesadelo de Wall Street" pela mídia, ainda tem poucas chances de despachar no Salão Oval, sua atividade em defesa dos consumidores diante da indústria financeira no Capitólio pode afetar o curso da sucessão em 2016. E forçar Hillary a se deslocar para a esquerda. Não é nenhuma coincidência Hillary e Bill Clinton terem tomado um jato particular quando passavam o fim de ano no opulento resort de Oscar de la Renta na República Dominicana para assumir lugar de destaque na posse do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, outro democrata progressista com visibilidade nacional. Warren cresceu em Oklahoma, onde seu pai perdeu todas as economias, roubadas por um sócio. A especialista em falências se apresenta como alguém que passou 30 anos pesquisando "perdas e recuperação". Professora da Escola de Direito de Harvard, Warren foi catapultada para a proeminência nacional por causa do crash de setembro de 2008. Ela liderou a comissão que monitorava o pacote de resgate aos bancos americanos e cobrou com dureza explicações de dois sucessivos secretários do Tesouro, Hank Paulson e Timothy Geithner, sobre o uso do dinheiro do contribuinte americano, que, alegava com razão, estava servindo desproporcionalmente ao sistema financeiro. Warren tem 64 anos, três netos e fala num estilo direto para deleite da castigada classe média, que ela defende como nenhum outro político eleito no atual Congresso. Em seu primeiro vídeo viral de campanha, ela aponta o dedo para o ar na sala de visitas de uma eleitora e diz: "Ninguém ficou rico sozinho neste país. Você construiu uma fábrica? Parabéns! Mas seus produtos são transportados na estrada sustentada por nós. Seus empregados são educados por nós. Você está seguro na sua fábrica por causa da polícia e dos bombeiros pagos por todos nós. Então pague sua parte para dar oportunidade ao próximo empresário". Com Warren primeiro e agora Bill de Blasio, o gênio populista da esquerda democrata escapou da lâmpada.

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