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O Islã que não conhecemos

A maioria dos muçulmanos quer direitos iguais para homens e mulheres, é contra o terrorismo e deseja democracia

Por John L. Esposito e Dalia Mogahed
Atualização:

Conquistar corações e mentes. A administração Bush, especialistas em política externa e até mesmo o Exército americano concordam que esta seja a chave para uma vitória sobre o terrorismo global. A diplomacia, porém, não avançou quase nada na tentativa de melhorar a imagem dos EUA. E são poucos os que admitem que a ignorância americana do Islã e dos muçulmanos seja uma falha fatal. Qual o nível de conhecimento da população americana das idéias e crenças dos muçulmanos? Segundo pesquisas, não muito alto. Não surpreende o fato de que a maioria dos americanos (66%) admita ter algum preconceito com relação aos muçulmanos; um em cada cinco afirma mesmo ter "um forte" preconceito. Quase a metade diz não acreditar que os muçulmanos americanos sejam "leais" ao país e, em cada quatro americanos, um diz que não quer ter um muçulmano como vizinho. Por que devemos nos preocupar com essa tendência antimuçulmana? Em primeiro lugar, ela solapa a guerra contra o terrorismo: as situações são mal diagnosticadas, as causas que estão na raiz do problema não são bem identificadas e prescrições incorretas provocam mais danos que benefícios. Em segundo lugar, a linguagem da diplomacia soa ambígua. Os diplomatas americanos tentam convencer os muçulmanos de que os Estados Unidos os respeitam e a guerra contra o terrorismo não tenha por objetivo a destruição do Islã. E sua tarefa fica infinitamente mais difícil com a freqüente difusão do sentimento antimuçulmano em programas da direita, que são depois ouvidos na internet. Finalmente, essa ignorância pública fragiliza nossa democracia em época de eleição. Em vez de cidadãos bem informados escolherem nossos representantes, ficamos vulneráveis a táticas manipuladoras de medo. Não precisamos ir mais longe, basta observar os ataques políticos contra Barack Obama. Qualquer relação subentendida com o Islã - freqüentou uma escola muçulmana na Indonésia, tem Hussein no nome - é manipulada para sugerir que ele não seja adequado para a presidência, e usada como combustível para rumores infundados. O sentimento antimuçulmano alimenta a desinformação e é alimentado por ela - desinformação que é desmentida pelas evidências. Em 2001, a empresa de pesquisas Gallup deu início à maior e mais ampla pesquisa do gênero, tendo passado mais de seis anos colhendo opiniões de uma população representando mais de 90% do 1,3 bilhão de muçulmanos do mundo. Os resultados mostraram que, na maior parte, as idéias convencionais sobre os muçulmanos - idéias vendidas por políticos e especialistas americanos e aceitas pelos eleitores - são falsas. Por exemplo, de acordo com a pesquisa Gallup, 72% dos americanos acreditam que "a maioria dos que vivem em países muçulmanos não querem que homens e mulheres tenham direitos iguais". E, no entanto, os muçulmanos, mesmo em algumas das sociedades mais conservadoras, refutam esse julgamento: 73% dos sauditas, 89% dos iranianos e 94% dos indonésios acham que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos legais. A maior parte dos homens e mulheres muçulmanos, em dezenas de países, acredita também que uma mulher deva ter o direito de trabalhar fora de casa em qualquer função para a qual esteja qualificada (88% na Indonésia, 72% no Egito, e 78% na Arábia Saudita) e de votar sem interferência de membros da família (87% na Indonésia, 91% no Egito, 98% no Líbano). E quanto às simpatias muçulmanas pelo terrorismo? Muitos acusam o islamismo de encorajar a violência, mais do que qualquer outra religião. Contudo, estudos mostram que os muçulmanos, tanto quanto os americanos, condenam os ataques contra civis. De acordo com pesquisas, para 6% da população americana, ataques cujo alvo são civis são "completamente justificados. Na Arábia Saudita, 4% pensam da mesma maneira. No Líbano e no Irã, 2%. Além disso, é a política, e não a fé, que leva uma pequena minoria, - apenas 7% - de muçulmanos a um antiamericanismo tão forte a ponto de justificar os ataques de 11 de setembro de 2001. Examinando os países de maioria muçulmana, o Gallup concluiu que não existe nenhuma diferença estatística em termos de religiosidade entre os que simpatizam com os insurgentes e os que não. Quando se solicitou às pessoas pesquisadas explicarem sua opinião sobre os atentados de 11 de setembro, as que os condenaram citaram razões religiosas e humanitárias. Por exemplo, 20% dos kuwaitianos que consideravam os ataques "completamente injustificados", explicaram sua posição dizendo que o terrorismo é contrário aos ensinamentos do Islã. Um indonésio inquirido foi mais longe ainda, citando versos do Alcorão proibindo matar inocentes. Por outro lado, os que justificaram os ataques não usaram o Alcorão como justificativa. Pelo contrário, basearam-se em racionalizações políticas, qualificando os Estados Unidos de potência imperialista ou acusando o país de querer controlar o mundo. Se muitos muçulmanos realmente receiam o terrorismo, por que ele continua a florescer em terras muçulmanas? O que os resultados da pesquisa indicaram é que o terrorismo seja igual a qualquer outro crime violento. Crimes violentos ocorrem nas cidades americanas, mas não são uma indicação de que haja uma aceitação geral pelos americanos do assassinato ou da agressão. Da mesma maneira, a violência terrorista persistente não é prova de que os muçulmanos a tolerem. Na verdade, eles são suas primeiras vítimas. Entretanto, o americano comum não pode ser responsabilizado por essas percepções errôneas. Quando analisamos a imprensa, vemos que o grosso da cobertura da mídia na TV sobre o Islã é marcantemente negativa. Os americanos são bombardeados com novas reportagens sobre muçulmanos e países de maioria muçulmana em que são os ruidosos extremistas, e não as evidências, que comandam essas percepções. Em vez de permitir que extremistas de ambos os lados imponham de que maneira discutir o Islã e o Ocidente, precisamos ouvir atentamente a voz das pessoas comuns. Nossa vitória na guerra contra o terrorismo depende disso. *John L. Esposito é professor de estudos islâmicos da Universidade Georgetown. Dalia Mogahed é diretora executiva do Centro de Estudos Muçulmanos no Gallup. Ambos são autores de Who Speaks for Islam? What a Billion Muslims really Think?

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