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'O jogo ainda está aberto'

Definição da candidatura presidencial do PSDB passa até por velhas mágoas mineiras, diz professor

Por Ivan Marsiglia
Atualização:

Na quarta-feira, o time do Cruzeiro deixou escapar para o Estudiantes, da Argentina, a Taça Libertadores da América, diante dos olhos dos governadores Aécio Neves, de Minas Gerais, e José Serra, de São Paulo, presentes à tribuna de honra do Mineirão. Mau agouro para a possível aliança entre dois pré-candidatos do PSDB à sucessão de Lula - tema do noticiário nos últimos dias -, ainda num esquema tático sujeito a idas e vindas. No jogo político nacional, Minas parece cansada de ocupar a segunda divisão e São Paulo tampouco se mostra disposto a abrir mão de sua cadeira cativa no Palácio do Planalto. Não por acaso, chama a atenção o entrevistado desta semana no Aliás, os dois últimos presidentes brasileiros vieram das peneiras da política paulista.

 

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Para o cientista político Luís Aureliano Gama de Andrade, de 64 anos, carioca radicado em Belo Horizonte, Minas não quer mais estar onde sempre esteve. "Há um sentimento de que o Estado foi colocado em plano secundário", diz o professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor pela Universidade de Michigan, nos EUA. Pode até ser um anseio vocalizado pelo ex-presidente Itamar Franco ao garantir que "ninguém consegue dobrar as montanhas de Minas".

 

Enquanto o jogo vinha sendo jogado, Serra deslocou-se para a área de Aécio na esperança de atraí-lo como vice na chapa "puro-sangue", ou "café com leite", sonhada pelos tucanos e considerada imbatível. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou em campo para dribles muito especiais. E o também presidenciável Ciro Gomes apareceu na dividida esta semana, ao anunciar em visita ao Palácio das Mangabeiras que pode abrir mão da própria candidatura a presidente se a bola estiver com Aécio.

 

Na opinião de Luís Aureliano, que coordena o programa de pós-graduação em políticas públicas das Faculdades Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte, o governador mineiro está jogando para valer - e, se tiver que ir para o banco de reserva, sua preferência seria uma cadeira no Senado em vez de ser vice de Serra. "O jogo ainda está aberto", afirma o professor, de olho no cronômetro. E faz questão de frisar: ainda que Serra e Aécio não estejam juntos na cédula eleitoral, precisarão cerrar fileiras na campanha. Do contrário, o PSDB não chegará à Presidência em 2010.

 

Em 2006, José Serra, Aécio Neves e Geraldo Alckmin reuniram-se para selar um pacto político para as eleições presidenciais daquele ano. Serra brincou: ‘É a política café com leite do século 21’. Mas o candidato tucano acabou derrotado. Em 2010 a coisa vai?

Só vejo uma possibilidade de vitória para o PSDB em 2010: se os governadores desses dois grandes Estados estiverem juntos. Não necessariamente na mesma chapa, como candidato e vice. Mas que haja o compromisso de não fazer corpo mole, de engajamento efetivo na campanha presidencial. Minha avaliação é que Aécio é um homem de partido. Ele resistiu a inúmeros convites que lhe foram feitos para que saísse candidato por outras agremiações. E é justamente por sua vinculação histórica com o PSDB e sua convicção de que é preciso fortalecer o partido, que ele está pedindo a realização de prévias para a escolha do candidato.

 

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Pedir prévias não é uma cartada política de Aécio, quebrando essa convicção de que Serra é o candidato natural do PSDB?

Sondagens de opinião refletem situações de momento. São numerosos os exemplos de candidatos que largaram com índices baixos e depois conseguiram a vitória. Esses números são indicadores de viabilidade política, mas não uma garantia. Muita gente pensa que a realização de prévias no PSDB seria um fator de divisão e acirramento de hostilidades. Penso o contrário: elas podem representar o momento de unidade do partido. Após as prévias, nenhum dos pré-candidatos poderá cruzar os braços na campanha - isso os deixaria mal dentro do partido, na política nacional e mesmo em suas biografias. Mas o jogo está aberto.

 

Quais são as vantagens de um e de outro como candidato?

Serra tem o recall da campanha presidencial de 2002 e a memória de sua atuação no Ministério da Saúde. Isso lhe deu maior presença nacional. Em compensação, Aécio tem mais abertura e capacidade de compor alianças, pois Serra é tido e havido como um político mais duro, mais ensimesmado.

 

Esse diagnóstico não subestima a capacidade de articulação do governador paulista? Por exemplo, nas eleições municipais de São Paulo ele conseguiu atrair o PMDB, isolar Alckmin e emplacar seu candidato, Kassab.

Serra leva desvantagem em relação a Aécio no tocante à habilidade de negociação. Os casos que você mencionou foram lances bem realizados, mas a imagem que ele tem é a de um político turrão e de trato difícil, sobretudo fora de São Paulo. O que importa, neste caso, é a versão e não o fato.

 

Pode haver um racha entre os dois?

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Minha impressão é de que o partido vai marchar unido: qualquer que seja o candidato, o outro acabará cerrando fileiras, mesmo sem chapa "puro-sangue". Itamar poderia ser o vice do Serra, por exemplo.

 

Esse é o propósito da filiação do ex-presidente ao PPS, tradicional aliado dos tucanos?

Quem conhece Itamar sabe que ele é um ser político: tem consciência de que sua filiação ao PPS dará a ele mais condições de influir no processo sucessório de 2010. Particularmente, acho que ele quer ser senador. Mas também não descartaria a hipótese de Itamar vir a ser o fiador de um arranjo entre Serra e Aécio, entrando na chapa como vice.

 

Itamar não está um tanto desgastado politicamente para agregar valor à chapa tucana?

Itamar tem grande capital político em Minas. Esse é o trunfo. Há, obviamente, restrições a ele em determinados círculos. Mas tudo ainda é conjectura.

 

Se Itamar preferir o Senado, não restará a Aécio formar a chapa com Serra, para não disputar com o ex-presidente, seu atual aliado?

Não, porque a renovação em 2010 será de dois terços. Serão eleitos dois senadores em cada Estado, daí Itamar poderia ficar com uma vaga e Aécio, com a outra, por exemplo.

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O governador mineiro quer mesmo a Presidência agora ou busca cacifar-se para o futuro?

É uma candidatura para valer. Aécio sabe que a política muda, está sujeita a contingências, tem fatores que escapam ao planejamento. Por exemplo, a ministra Dilma Rousseff foi lançada candidata e, de repente, aparece com uma doença. Tomara que ela tenha o tratamento adequado e tudo saia bem. Mas o fato é que a campanha começa para valer daqui a um ano e não se sabe qual será o estado de saúde dela então. Aécio quer a Presidência, tem base de sustentação e projeção nacional para isso. Se não for o escolhido, vai examinar outras hipóteses. Provavelmente candidatar-se ao Senado.

 

Comenta-se que Fernando Henrique tem se dedicado com afinco à costura de uma chapa ‘puro-sangue’ ou ‘café com leite’, com Serra e Aécio. O senhor acredita na possibilidade de entendimento?

É difícil avaliar. Acho que o argumento que o governador Aécio Neves vem usando contra a ideia é, do ponto de vista da análise política, correto. O Brasil é um país fragmentado, onde os partidos não são nacionais. Isso contribui para o enfraquecimento da Presidência. Veja o mensalão: claro que há aspectos éticos envolvidos, mas ele foi fundamentalmente o produto espúrio de uma situação de fragilidade da Presidência frente ao Congresso Nacional. O partido do presidente Lula não tem mais que 100 deputados em um Congresso de 513. Situação semelhante foi vivida por FHC. Então há necessidade de se costurar alianças em nome da governabilidade. E, nesse caso, o ideal é que elas se deem ainda no processo eleitoral, porque têm um custo político mais baixo. Uma coisa é conquistar o poder, outra é governar, dizia Maquiavel.

 

E em que condições o governador mineiro toparia ser vice?

Penso que se não for escolhido candidato à Presidência nas prévias, Aécio preferirá mesmo o Senado. Só será vice de Serra caso venha a ter a percepção de que estar na chapa é condição sine qua non para a vitória do partido contra a candidata do presidente Lula.

 

Minas se ressente de ser coadjuvante na cena política nacional?

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Minas foi considerada no passado uma espécie de fiel da balança da política nacional. A aliança com São Paulo na chamada "política do café com leite" garantiu a estabilidade por mais de duas décadas durante a República Velha, que ainda não tinha instituições maduras. A Revolução de 30 aconteceu em razão da quebra dessa aliança e, de lá para cá, Minas mudou muito e o Brasil, também. São Paulo foi se desgarrando do País, tornando-se o Estado com a economia mais pujante, encorpada. E os paulistas conquistaram a hegemonia política. Os dois últimos presidentes brasileiros são oriundos da política paulista.

 

A qualidade dos quadros políticos mineiros também caiu?

Depois da ditadura havia um diagnóstico de que Minas carecia de elites políticas à altura de suas tradições e da importância demográfica do Estado. Com a morte de Tancredo, foi-se nosso último grande político, no sentido dos que transcendem o território e são vistos como figuras nacionais. Há um sentimento em Minas de que o Estado foi colocado em plano secundário. Por isso, Itamar Franco pautou sua campanha a governador na ideia de que "ninguém consegue dobrar as montanhas de Minas".

 

A famosa ‘casmurrice’ de Itamar seria a expressão política desse sentimento?

Acho que Itamar percebeu e vocalizou politicamente esse sentimento. É um fato que ficou claro na gestão Eduardo Azeredo (que governou o Estado de 1995 a 1999 pelo PSDB). Talvez por seu perfil técnico e mesmo pertencendo ao partido que estava no poder federal, Azeredo não conseguiu ser um protagonista da política nacional. E a impressão que ficou foi de que houve uma diminuição da importância da figura do governador de Minas. O Estado perdeu uma série de oportunidades em razão disso.

 

Essa discrição não é também o ‘jeto mineiro’ de se fazer política?

Minas é um Estado muito heterogêneo. Tem uma política muito acirrada e com influências regionais acentuadas: você tem o norte e o sul de Minas, o Vale do Jequitinhonha, o Triângulo Mineiro, a Zona da Mata e a Região Central, onde fica Belo Horizonte. São várias Minas, que, de certa maneira, reproduzem em escala menor o próprio País. Vem daí a vocação para a negociação do político mineiro: não se trata de dom ou de virtude. Em certas ocasiões, essa característica até suscitou críticas de que faltaria ímpeto na área econômica aos políticos mineiros. O que não é verdade: Juscelino Kubitschek foi um democrata, um conciliador, mas também um empreendedor. Talvez o maior que o País já teve.

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É esse o lugar que Aécio procura ocupar no imaginário do eleitor?

Eu acho que ele recupera, de fato, esse prestígio. Foi presidente da Câmara, esteve presente nos grandes fóruns de decisão do País, é conciliador e bom executivo público. Durante seus sete anos de governo no Estado houve uma revolução copernicana na gestão pública mineira. Hoje, não tenho dúvidas, ela está pelo menos uma década à frente dos outros Estados e da própria administração federal. Aécio colocou a máquina mineira mais em consonância com as necessidades e as exigências do Brasil de hoje, a exemplo do que fez o governador Mário Covas em São Paulo. E tem Neves no sobrenome, é um herdeiro da mística do avô, Tancredo.

 

Quando Aécio propõe um discurso ‘pós-Lula’, e não ‘anti-Lula’, para a campanha de 2010 estaria corroborando seu perfil conciliador?

Acho que ele foi feliz nessa formulação. A eleição presidencial vai ser renhidamente disputada. Lula, independentemente das avaliações que a história possa fazer de seu governo, não é mera construção de marketing. Tem méritos que explicam sua popularidade e o transformam em um poderoso cabo eleitoral para 2010. Chocar-se com ele seria um equívoco político.

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