PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|O medo virou uma arma dos que ameaçam nossa democracia

A coragem desacompanhada de inteligência pouco ou nada vale, foi o que ensinou Sócrates

Atualização:

Foi Albert Camus quem definiu o século 20 como “o século do medo”. E quem não tem medo, aí já foi Sartre quem disse, não é normal. Já estamos há 22 anos no século 21, e o medo não arreda pé.  O medo agora é de outra guerra e outros monstros, de outras catástrofes e até do fim do planeta; medo de contágio, medo da fome, da violência, do fanatismo religioso, do racismo – e, no caso específico do Brasil presente, de mais quatro anos da cleptocaquistocracia bolsonarista ou de um golpe militar.  O medo tornou-se uma das mais eficazes armas “invisíveis” da extrema-direita. A coragem é seu mais poderoso antídoto.  Oportuníssimo, portanto, o tema do ciclo de conferências da série Mutações deste ano: “Sobre a coragem e outras virtudes”. Como sempre organizado pelo prof. Adauto Novaes, o medo é seu tema subjacente ou ancilar. Coragem e medo são afetos complementares. A primeira não é o oposto do segundo, no máximo, seu corolário. O oposto da coragem é a covardia, que não será focada nas 18 palestras do ciclo (de 6 de junho a 2 de agosto, no Sesc de São Paulo, sempre às 19h), mas apenas referida, en passant, pelo prof. Francis Wolff, a propósito do filme Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick

Montagem de 'Grande Sertão: Veredas', de Guimarães Rosa, dirigida por Bia Lessa, exaltou seu vigor Foto: Hélvio Romero/Estadão

Não existe uma definição unívoca de coragem. Sabe-se que seu étimo, em latim, “coraticum”, deriva de coração, mas em grego tem mais a ver com a virilidade (“andreia”).  Aristóteles a considerava a primeira das qualidades humanas, arrimo de todas as outras. Louvada como virtude filosófica em Platão, que a conectou à razão e à dor, como virtude moral por Tomás de Aquino e como virtude política por Maquiavel, desde, pelo menos o século 6.º a.C., a coragem é vista como indispensável ao ato de pensar. “Para pensar é preciso um coração intrépido e corajoso”, pontificou Parmênides, abrindo caminho para a audácia de saber, o “sapere aude” kantiano.  Coragem desacompanhada de inteligência pouco ou nada vale, ensinou Sócrates em sua conversa com Protágoras. É preciso pensar diferente, com autonomia, munido de novos saberes, ainda que para executar atividades mais viris do que intelectuais.  Sua associação primordial à virilidade (Platão começa a defini-la como a “virtude do guerreiro”) deu-lhe melhor acolhida nas sociedades militares ou militarizadas, nas quais o poder pertence ao exército ou à “nobreza de espada”. Ao passar por essa ilação é que o prof. Wolff vai especular sobre a “boa reputação da coragem e a má reputação da covardia”, livrando a cara dos soldados franceses fuzilados por sua “covardia” no front da 1.ª Guerra. As agressões golpistas à nossa República, os sobreviventes dos campos de extermínio nazistas, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e “a coragem de falar das vozes negras” são alguns dos subtemas do novo ciclo de palestras da Artepensamento, outra vez solenemente desdenhado pelos pitbulls da cultura oficial.

Opinião por Sérgio Augusto
Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.