O namoro dos EUA com a guerra

Americanos querem - e temem - sair do Iraque. Aspirantes à presidência não podem se esquivar disso

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Por Simons Jenkins e THE GUARDIAN
Atualização:

Washington fica entorpecida durante uma campanha presidencial. O oxigênio do poder é drenado para os palanques. As florações definham, restaurantes se esvaziam, prédios majestosos silenciam à medida que seus ocupantes partem. Mesmo a questão do Iraque, cujos subsídios financiam mais Washington que Bagdá, abandonou a cidade e se tornou uma questão local. A única coisa sabida pelos três candidatos à presidência é que, quem quer que vença, terá de fazer algo doloroso. Ele ou ela precisará negociar os termos de uma eventual retirada do Iraque, não com os iraquianos, mas com o povo americano. Até mesmo John McCain, que assistiu à retirada do Vietnã e jura que "permanecerá cem anos no Iraque até que a paz, a estabilidade e a democracia" sejam alcançadas, eventualmente acabará saindo, no mínimo sob o chicote do Congresso. No entanto, agora não é o momento de admitir isso. Uma guerra impopular para 60% a 70% dos americanos (dependendo da pergunta feita) é politicamente insustentável, por mais assombroso que seja seu custo. Mas as formas de seu eventual término são imprevisíveis e possivelmente humilhantes. Tanto Hillary Clinton como Barack Obama podem exigir uma retirada mais cedo, ao menos das "tropas de combate". Mas o verdadeiro paradoxo do Iraque é que McCain sabe que precisa encontrar uma maneira de sair, enquanto Hillary e Obama sabem que precisam encontrar uma forma de ficar, ao menos por enquanto. Para os três, ir daqui para lá é atravessar um território desconhecido e nenhum deles quer dar uma olhada no mapa. Embora a política externa raramente seja ressaltada numa eleição em tempo de paz, os americanos quase foram persuadidos por seu presidente, George Bush, de que não estão em paz. Visitar os Estados Unidos no momento é ser lembrado de que o trauma pós-11 de Setembro permanece e de que a nação anseia por uma psicose para substituir o fim da ameaça soviética. Isso pode ser percebido nos onipresentes alertas de ameaça, na segurança histérica nos aeroportos, na aceitação continuada da Baía de Guantánamo e até nos comentários venenosos a respeito de figuras públicas não usarem a bandeira americana na lapela. Um país que, de tantas formas é um caleidoscópio do mundo, de muitas outras é tão diferente. Acima de tudo, está cheio de soldados. Os americanos continuam não viajando para o exterior e dependem do noticiário da televisão para conhecer outros países, que continuam a ver com suspeita bizarra. Daí uma visão do mundo carregada de defesa e segurança, numa paranóia coletiva. Como a posição de um candidato sobre política exterior reflete seu caráter, os candidatos precisam usar de demagogia. Hillary Clinton enfatiza seu "papel" em Kosovo, mas "se confunde" ao lembrar o pouso na Bósnia sob tiroteio. Obama ressalta seus elos com três continentes e uma decisiva visita a Karachi, Paquistão, quando ainda era bem jovem. McCain esnoba os dois por ter sido torturado pelos vietnamitas - um trunfo cujo único problema é trazer à tona sua idade (71 anos). Todos têm de parecer dispostos à guerra. McCain pode se distanciar do unilateralismo de George Bush e assinalar que os americanos precisam mostrar "um respeito decente pelas opiniões da humanidade" (na América de Bush este é um comentário muito cabível). Mas a equipe dele é infiltrada por "novos conservadores" como Robert Kagan e John Bolton, que jogam na base de "se não conseguirmos derrotá-los, poderemos convencê-los". A única certeza sobre McCain é que sua posição sobre tudo é incerta. Desesperada para não ser passada para trás na questão da defesa, Hillary disse que vai "destruir completamente" o Irã se o país bombardear Israel. Na semana passado, ofereceu uma espantosa garantia de um escudo nuclear aos vizinhos de uma Teerã nuclear. Obama chamou-a de "Annie Oakley (exímia atiradora do Velho Oeste) armada". No entanto, ele tem comentado as opiniões de Hillary com um pronto "eu também", como no caso do Tibete. Obama se propôs a bombardear esconderijos de terroristas no Paquistão dizendo que, no caso de o presidente do país, Pervez Musharraf, "não agir, nós agiremos". Ele quer que sejam enviadas mais duas brigadas ao Afeganistão. Por toda parte pode-se perceber o enigma descrito no livro de James Sheenan The Monopoly of Violence (O Monopólio da Violência), cujo subtítulo é Why Europeans Hate Going to War (Por que os Europeus Odeiam Fazer Guerra). Um subtítulo mais realista seria Why Americans Love it (Por que os Americanos Adoram). Os europeus, escreve Sheehan, já provaram a guerra ao ponto da destruição como forma de acabar com os males do mundo e a rejeitam. Os eleitorados agora exigem "bem-estar material, estabilidade social e crescimento econômico" e jogaram as chamadas virtudes militares e a própria classe dos militares na lata de lixo da história. Na Europa moderna, "a violência colonial parece um desperdício, um anacronismo e uma grandeza ilegítima, e não mais uma meta importante". É por isso que poucos europeus além dos britânicos ajudarão os Estados Unidos na escalada do conflito afegão. Porque eles simplesmente não acreditam que isso vá funcionar. QUARTA, 23 DE ABRIL Vitória dá novo ânimo a Hillary A vitória na Pensilvânia terça-feira deu mais fôlego a Hillary Clinton. "Ganhei nos Estados onde temos de ganhar", disse ela, reforçando uma percepção de que Barack Obama perde em grandes Estados e não conseguirá bater John McCain em dezembro.

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