O radical brega

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O avô do Welson David chamava-se Onofre Francisco. Ele pensava que Francisco era sobrenome. Então, à medida que os seus filhos foram nascendo, ele foi botando Francisco em todo o mundo: Vicente Francisco, Liberato Francisco. O impasse se deu quando quis batizar um deles justamente com o nome de Francisco. Aí a mulher dele falou: "Francisco Francisco? Isso não dá. Põe Francisco José". "Uai, mas pode?". Foi quando o escrivão explicou para o seu Onofre que o Francisco do nome dele não era sobrenome. O Francisco José cresceu, casou com a dona Helena e teve um monte de filho: Mirosmar José, Emival José, Werlei José, Marlene José, Wellington José, Walter José, Maria José, Emanuel José. Em 1973, nasceu o Welson. E a pedido da mulher do seu Onofre, a avó, incluíram nele um David. "Welson David José???", espantou-se o escrivão. "Não existe gente com três nomes. Vai chamar só Welson David." Isso foi ótimo porque, além do próprio Welson (filho de Wel), ele poderia "dar uma sofisticada" também no Davi - influenciado por David Banner, o sujeito cuja roupa ia rasgando à medida em que virava o Incrível Hulk, passou a se autointitular Welson Deivid. Ficou uma beleza, mas infelizmente ele montou uma dupla sertaneja com o Mirosmar José, que, tendo trocado seu nome para Zezé di Camargo, achou por bem sugerir algo "mais fonético" para o Welson. A primeira idéia foi Frederico. Ainda bem que não vingou. Depois, Lucian. O Welson não queria ter nome de mulher. Então ficou Luciano: Zezé di Camargo e Luciano. Welson sempre foi um cara vocacionado para a coadjuvância. A despeito de ser o único dos irmãos desprovido de tal titularidade, certamente teria sido bem-sucedido na tarefa de constituir-se um José Ninguém. A essa missão dedicou-se desde cedo. Com 8 anos engraxava sapato e vendia picolé na rua. A família, vinda de Pirenópolis, Goiás, tinha se mudado para Goiânia. O seu Francisco, o pai, costumava pagar adiantado o primeiro aluguel, de modo a ganhar a confiança do proprietário. Depois não pagava mais nada, até ser despejado três meses depois. Então mudava de bairro e fazia a mesma coisa em outro lugar. Só que a cada vez que isso acontecia o Welson tinha de trocar de escola. Parou de estudar na terceira série. Dos 12 aos 16 anos, office boy da Caixa Econômica do Estado de Goiás, a Caixego, ele construía bela carreira no ramo da exploração infantil. Mas o Mirosmar, que vivia em São Paulo e já tinha se travestido de Zezé, veio estragar seus planos. Ao convocar o Welson para formar com ele a dupla sertaneja, impediu que o irmão prosperasse na sua invisibilidade social. Em 16 anos, os dois venderam 24 milhões de discos. O Luciano comprou uma casa em Alphaville, uma fazenda em Bom Jesus (GO), um flat em Goiânia, um Mitsubishi GT 3000 vermelho, dois off-roads, um Opala 73 que acaba de ser reformado pelo programa do Luciano Huck. Nada disso distanciou o Welson das suas convicções de coadjuvante. Nos últimos dias, porém, uma constatação acabou por colocá-lo na vala comum dos protagonistas: descobriu-se que o Luciano tem opiniões políticas. "Movimento Cansei?", disse ele em entrevista à Folha de S.Paulo. "Caguei." O negócio é que o Welson é praticamente um cientista político. Uma Marilena Chauí. Quer dizer, uma Marilena Chauí melhorada, já que ele acredita no mensalão e na crise aérea, mesmo tendo apoiado o Lula nas eleições de 2002. Welson tem opinião a respeito de tudo, a começar pelo Movimento Cansei, sobre o qual tem obrado com a volúpia das piores incontinências. "Essas pessoas têm de tomar muito cuidado com o que elas falam por aí. Eu não vou longe: as Cruzadas começaram com um discurso inflamatório de um padre que eu não me lembro qual." Pode-se imaginar bonobos e chimpanzés, para o caso do Welson decidir que, sim, ele vai longe. Mas não precisa. Dá para ficar por aqui mesmo. A ver: "O problema aéreo já vem de muito tempo. O que já tive de desviar de urubu... No acidente, a principal culpada é a Infraero. Deveria ser privatizada"; "Se a gente crescer mais um ponto, vai ter um apagão elétrico. Tem de torcer para o País não crescer. Até o governo deve torcer contra"; "Adoro o Suplicy, é uma pessoa muito digna, mas tem essa dificuldade de colocar as palavras em prática junto com o pensamento. Então, hoje, eu não tenho em quem votar pra presidente"; "O Chávez é um bom aluno. Foi pego mandando uma mala de dólares para a Argentina. Não deve ter cabido na cueca." Em meados de 2002, alguém mostrou para o Lula uma música do Zezé di Camargo e Luciano. Chama-se Meu País: "Aqui não falta sol / Aqui não falta chuva / A terra faz brotar qualquer semente / Se a mão de Deus / Protege e molha o nosso chão / Por que será que tá faltando pão?" Ave Maria, sai de mim um verso desse. Mas o Lula gostou e convidou a dupla para um jantar em Brasília. O Luciano não foi, só o Zezé. O Zezé gostou do Lula e decidiu doar a música para a campanha. Foi aí que baixou no Welson o espírito da Marilena Chauí: "Pô, eu vou entrar nessa com o Zezé, vou entrar de cabeça, que eu quero é mudança". Não recebiam nada, só o dinheiro para pagar a produção dos shows. O problema é que o Lula foi eleito e quem passou a receber cachê foram os deputados da Câmara. O Welson ficou muito decepcionado com isso. "Eu gosto de ler as entrelinhas: o Lula diz que não sabia, depois diz que foi traído, mas se ele não sabia, como pode ter sido traído?" Elementar, meu caro Welson. "A partir dessa hora, tirei o meu pé fora." Para ler as entrelinhas, Welson precisa se ater, obviamente, às linhas. Assina o Estadão e a Folha. Gosta das colunas do Celso Ming e das críticas de cinema do Luiz Carlos Merten. "Desde que eu passei a ter a oportunidade de estar lendo... Porque eu não tinha dinheiro pra comprar jornal... Mas depois, quando eu pude conhecer o trabalho do Merten, ele virou... um guru." Merten só não é páreo para a leitura preferida do Welson: Pequenas Empresas Grandes Negócios. Seu apreço pela economia vem da "frustração de não saber fazer conta". De cabeça? "De nada." Fora isso tudo, e mais a Exame e a IstoÉ Dinheiro, Welson lê todas as revistas semanais. "Até a Veja eu leio", diz. "Mas só as entrelinhas." Revista de celebridade não é muito a do Welson. Quando o pessoal pede para colocá-lo na capa de alguma dessas publicações, ele vai logo empurrando o resto da família: "Não quer pôr o Zezé? Põe a Wanessa. E a Luciele com o Marcos Pasquim?". O Luciano não tem nada contra essas revistas, "pelo amor de Deus, o Maluf me mata". O Maluf??? "Ei, tô falando do Maluf que trabalha na Caras... Pelo amor de Deus... Aquele outro lá estendeu a mão para me cumprimentar e eu tive o prazer de passar direto." Com o Welson não tem conversa. Seus ídolos políticos têm a grandeza de "Gandhi, Jesus Cristo, Galileu e Michelangelo, o grande incendiário". Grande incendiário??? "Sim. E também o globalizador Alexandre, o Grande." No Brasil, "meus heróis são o Getúlio, o JK e o Jango, que conseguiu governar com a direita e a esquerda contra ele". Sei não, hein, Welson... Melhor a gente falar de outra coisa. Welson está casado há 4 anos. Sua mulher, a Flávia, é arquiteta, paisagista e designer. "É de Alphaville 10" e tem 29 anos. Ela foi pedir um autógrafo para o Luciano e a partir daí "começou um início de amizade". Quando ele viu, "estava amando loucamente". Welson tem três filhos. Nenhum deles com a Flávia. A Talita, de 22 anos, é uma "afilhada-filha". O Natan, de 13, é "um sujeito enorme". O Wesley, 18, nasceu quando o Welson tinha 16. O seu nome é uma homenagem ao irmão Werley, que deveria se chamar Wesley. Mas o seu Francisco errou a grafia na hora de fazer o registro. Aconteceu outras vezes, e isso é assunto delicado na família. Melhor falar de política.

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