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O sonho dos outros

A fotógrafa Claudia Andujar revela trabalho anterior ao seu engajamento com os ianomâmis

Por André de Oliveira
Atualização:

Lá por volta da metade dos anos 1950, a única linguagem que Claudia Andujar, recém-chegada ao Brasil, usava para se comunicar era a fotografia. Com ela, a fotógrafa de origem suíça - que se mudou ainda criança para a Romênia e depois de volta para a Suíça, fugida da invasão nazista - estabeleceu conexões com os brasileiros e, em pouco tempo, percebeu que aquela também seria a maneira com que compreenderia o outro. E o outro, no caso, era o povo e a vida do país que ela enxergou como casa depois de um período em que saiu da Europa e viveu em Nova York. No começo, viajou pelo Brasil registrando a vida de diferentes famílias. Depois, estabelecida em São Paulo, trabalhou como freelancer em várias publicações e integrou, no final dos anos 1960, a equipe da revista Realidade - responsável por levá-la, em 1971, aos índios ianomâmis, povo a que ela dedicou, a partir de então, todo o seu trabalho. Se os ianomâmis hoje têm suas terras demarcadas, a atuação de Claudia foi determinante para isso. 

Agora, aos 84 anos, ela inaugura a exposição Claudia Andujar: No Lugar do Outro, em cartaz desde 25 de julho no Rio de Janeiro, que revela sua obra anterior ao envolvimento com a questão indígena. Os temas, muitas vezes ditados pelo trabalho cotidiano, como no caso do ensaio “A Sônia”, que integra um dos quatro núcleos da mostra, são variados. Mas a preocupação de Claudia, seja ao fotografar os índios ou uma modelo, é sempre compreender o outro e, desse modo, compreender também a si mesma. 

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O universo da modelo Sônia, que passava o dia em audições para revistas de moda, era o do sonho. Assim, as imagens, muito diferentes do sóbrio preto e branco que marcam a obra de Cláudia, evocam esse mundo. “Durante o ensaio, ela ouviu várias músicas e depois ficou repetindo uma única canção, I Had a Dream, de John B. Sebastian”, contou a fotógrafa em uma publicação de 1971. “Quando voltamos ao trabalho, ela assumia poses oníricas. O ensaio era um sonho, ou melhor, eu tivera um sonho em qualquer instante de minha vida e o estava decifrando no trabalho com Sonia.”

A seguir, trechos da entrevista de Claudia Andujar ao Aliás.

O que a fotografia significou para a senhora na sua chegada ao Brasil?

Eu não fotografava antes de estar no Brasil, não tinha estudos de fotografia nem nada disso. Comecei, em parte, porque obviamente eu não falava português e essa era uma forma de comunicação para mim. Devagarzinho, passei a me comunicar com o Brasil e com os brasileiros através da fotografia. Comecei a viajar e fotografar. Primeiro, conheci lugares no litoral paulista, como Ubatuba e Ilha Bela, depois fui estendendo essas viagens para cada vez mais longe. Assim, fui entendendo o Brasil aos poucos. Era isso o que eu queria. Eu queria entender esse país que me acolheu tão bem e, para isso, usei a fotografia. Foi através dela que descobri o povo e a paisagem brasileira.

E a sua relação com a fotografia mudou muito?

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Sim. Quando comecei a me envolver com os ianomâmis, eu guardei todo o meu acervo anterior. Deixei de lado toda essa primeira parte do meu trabalho e, na verdade, só retomei agora. Hoje, meu trabalho tem sido muito mais de reconstruir tudo o que eu fiz, muito mais de mexer em arquivo e quase nada de produzir material novo. Nesse momento, a fotografia está sendo uma maneira de me reencontrar naquele período, entre 1957 e 1971, antes de eu sair do fotojornalismo e me dedicar ao trabalho com os ianomâmis. 

Por que “no lugar do outro”?

Porque eu acho que na minha fotografia eu tento me colocar no lugar do outro o tempo todo. Acho que a fotografia é uma forma de fazer com que as pessoas possam entender melhor outras realidades e isso vale para todo o meu trabalho. A ideia de fotografar as famílias brasileiras, por exemplo, é a forma que eu encontrei de me aproximar do povo brasileiro lá no início dos anos 1960. E eu acho que consegui. O ensaio da família paulista mostra muita coisa da classe média da cidade. Tanto é que São Paulo mudou muito, cresceu muito, mas ainda existem famílias que vivem como naqueles tempos. Recentemente, encontrei essa mesma família e eles são essencialmente os mesmos.

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As fotos do ensaio “A Sônia” se destacam bastante estética e tematicamente...

Mas a preocupação é a mesma. Na época, eu era freelancer da Revista 70, uma publicação de moda, e a Sônia era uma das manequins. Um dia fizemos este ensaio em que eu usei um filme infravermelho e sobreposição de imagens. Nas fotos, eu tentei penetrar na alma dela para saber quem ela era. Esse processo faz parte de mim. Em todo o meu trabalho, a minha preocupação sempre foi entender as pessoas. Quer dizer, eu não pensava nela como uma manequim, mas como uma pessoa que precisava ser entendida e retratada. É isso o que eu penso quando vejo essas fotografias hoje em dia. Não sei onde a Sônia está, mas gostaria que ela entrasse em contato comigo para dizer o que acha de essas fotos do fim dos anos 1960 serem publicadas hoje.

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