O tear remoto da paz

E se, em torno de um mesmo ideal, as diásporas árabe e judaica se juntassem para pensar o futuro dos povos no Oriente Médio?

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Por ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTA É e MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
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ANTONIO DE AGUIAR PATRIOTAEm 2011 um livro chamou minha atenção para a importância da cultura na geração de novas ideias e posturas em questões de política internacional. Trata-se de O Mundo em Desajuste, de Amin Maalouf, autor franco-libanês que, em junho último, passou a ocupar o assento de Claude Lévi-Strauss na Academia Francesa.Inspirado por sua própria experiência de vida como jovem jornalista que aos 27 anos mudou-se de Beirute para Paris, Maalouf reflete sobre o papel dos imigrantes como pontes entre as sociedades que deixaram para trás e aquelas que escolheram para viver. Segundo Maalouf, os imigrantes e seus descendentes poderiam contribuir para que culturas diferentes comecem a melhor compreender umas às outras, valorizando a humanidade comum que nos une. As diásporas de origem árabe e judaica, em particular, poderiam atuar para diminuir as tensões no Oriente Médio, evitando que um conflito pontual entre israelenses e palestinos se transforme em um "conflito total". Esse é um tema que interessa ao Brasil, país com vocação para a paz, país cujo tecido social é composto de imigrantes das mais variadas origens. Entre eles, estão os membros da comunidade árabe e judaica, ambas expressivas numericamente e com papel de relevo em áreas como a política, as ciências, as artes, o comércio. O convívio entre árabes e judeus no Brasil, e em outros países da América do Sul, demonstra que essas comunidades não estão fadadas ao enfrentamento. E se as diásporas se encontrassem e juntas refletissem sobre a possibilidade de um outro destino para os povos do Oriente Médio? Essa é uma das propostas de Maalouf, e decidimos colocá-la em prática. Em junho passado, convidamos representantes das comunidades árabe e judaica para um encontro que denominamos "Lado a Lado: A Construção da Paz no Oriente Médio - Um Papel para as Diásporas". Amin Maalouf aceitou o convite para participar do encontro. O debate se enriqueceu com as contribuições de outros participantes das diásporas, que apresentaram pontos de vista e propostas de ação, movidos por um mesmo ideal de paz. Segundo um dos presentes, o que os motiva é a afirmação de um código humanista. A defesa de posições específicas em relação a questões históricas e políticas do conflito no Oriente Médio trouxe à luz discordâncias, o que não chega a surpreender. O exercício expôs a complexidade associada ao conhecimento da narrativa do "outro lado" como etapa necessária no caminho da reconciliação. Uma opinião que se sobressaiu foi a de que a solução do conflito Israel-Palestina deve priorizar a educação e o engajamento dos jovens. Qualquer iniciativa que pretenda gerar algum efeito positivo na região não pode deixar de levar em conta questões de formação de identidade. Muitos participantes apoiaram o fortalecimento de instituições que se dedicam à criação de elos entre as sociedades civis. A partir dessa perspectiva, seria fundamental, em particular, apoiar entidades que atuam em áreas como direitos humanos, prestação de serviços sociais e resgate da memória de convivência pacífica entre os dois povos. As diásporas poderiam estudar maneiras de influenciar as opiniões públicas para convencê-las de que uma paz justa não será alcançada sem que concessões sejam feitas de cada lado. As diásporas também poderiam trabalhar para desconstruir a ideia simplista de que quem é pró-Palestina é necessariamente anti-Israel, e vice-versa. Afinal, aqueles que mantêm um diálogo sério com os dois lados são os mais bem posicionados para compreender as motivações de ambos e oferecer soluções efetivas. Foi ampla a percepção de que é preciso pensarmos em formas alternativas de lidar com o processo de paz entre Israel e Palestina, sobretudo diante da paralisia do Quarteto (formado por Estados Unidos, Rússia, União Europeia e o secretário-geral das Nações Unidas) e da falta de engajamento do Conselho de Segurança com o tema.Nosso objetivo ao promover um momento de reflexão conjunta foi identificar valores e experiências - presentes na vivência das comunidades árabe e judaica no Brasil e na América do Sul - cuja disseminação represente um sinal de esperança, associando cultura, diáspora e paz. Recolhemos sugestões sobre como dar seguimento à iniciativa. Essas ideias estão sendo objeto de uma avaliação cuidadosa. Desde já é possível afirmar que, a julgar pelo entusiasmo dos participantes, o exercício vale a pena.

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