PUBLICIDADE

O triunfo da ideologia-caveira

Homicídios diminuem desde 2002. Mas ainda faltam políticas de segurança que operem na raiz da violência

Por Claudio Beato
Atualização:

O ano da segurança pública iniciou-se em fevereiro, com o bárbaro martírio do garoto João Hélio, e terminou com a truculência vingativa emblematicamente traduzida na caveira-símbolo do Bope em Tropa de Elite. A verdadeira comoção nacional com o caso do menino e o sucesso do filme traduzem sentimentos que resvalam freqüentemente para a idéia de que procedimentos legais são insuficientes para dar vazão à indignação latente dos brasileiros diante da magnitude de nossos problemas. Esse sentimento se corrobora em várias pesquisas que perscrutam o medo entre os brasileiros. Levantamento da CNT/Sensus realizado em junho de 2007 mostra que quase 80% dos brasileiros acreditam que a violência esteja fora de controle. Outra enquete feita para o Relatório de Segurança Humana revela que somos o país onde 75% da população acredita que será vítima de violência num futuro próximo. A insegurança encontra sólido amparo nas estatísticas disponíveis. Este ano devemos fechar com mais de 900 mil homicídios desde o início dos anos 80. São vítimas de uma guerra cujo sentido e explicação ainda não encontraram interpretações satisfatórias. Números tão superlativos e assustadores não serviram ainda para transformar a segurança pública em um projeto público nacional, embora haja importantes exceções entre os Estados. A ausência de políticas reflete a perplexidade em relação à compreensão exata do que está ocorrendo. Temos um rol de aspectos causais inusitados que de tempos em tempos freqüentam o universo midiático fornecendo explicações definitivas e soluções rápidas para uma das mais complexas manifestações de nossa sociabilidade. Já tivemos a desigualdade e a pobreza, o crime organizado, tráfico de armas, de drogas, corrupção, violência policial, impunidade penal e, mais recentemente, as ONGs que atuam em favelas e os estudantes universitários como os grandes causadores da violência. São também candidatos recorrentes a desestruturação familiar e nossa cultura pouco cordial, além das históricas deficiências educacionais. Parece claro que não existe consenso sobre as causas dos crimes e é provável que não venha a existir nos próximos anos. A diversidade e heterogeneidade no interior de nossas cidades e ao longo do território nacional desautorizam um diagnóstico rápido e simplista ao gosto do grande público. O que é recorrente ao longo das últimas duas décadas é um movimento pendular entre distintas concepções de segurança pública que ora oscila no pólo de mais prisões e polícias sem amarras legais nas ruas, ora pende para a idéia de uma ampla reforma social para solucionar na raiz nossos problemas de violência e criminalidade. Agora, por exemplo, estamos em um momento de franco prestígio das soluções mais duras. Sem entrar no mérito dos excessos das posições mais polarizadas, deve-se destacar que em todos esses movimentos há aspectos cruciais a serem debatidos. O tema do momento refere-se à ênfase na discussão de uma polícia mais profissional, qualificada e menos suscetível à corrupção. Ou seja, seria um bom momento para que a discussão da reforma policial tivesse mais visibilidade e na qual se destacasse a necessidade do controle da brutalidade e da corrupção, tão em voga ainda nas nossas polícias. Da mesma forma, já se discutiu em plano oposto a necessidade de estratégias e programas específicos em segurança pública, que não se confundissem com políticas genéricas de assistência social. Concebidos de forma focalizada, podem perfeitamente atuar de maneira complementar às ações da Justiça Penal. Não obstante o quadro pessimista que delineia um cenário sombrio para essas discussões, algo está ocorrendo, ainda que de forma pontual, mas nem por isso menos importante. Já estamos ingressando no terceiro ano de diminuição dos homicídios no Brasil. Segundo os registros civis anotados pelo IBGE, os óbitos por morte violenta vêm decrescendo desde 2002, especialmente pela redução em Estados das Regiões Sudeste e Centro-Oeste. Os homicídios diminuíram bastante em São Paulo, que contribui com mais de um terço do que ocorre no Brasil. O que está acontecendo? Novamente explicações fáceis emergem para explicar essa queda. A campanha do desarmamento é uma delas. É verdade que isso pode ser tremendamente eficaz no controle dos crimes violentos, mas na forma como foi implementado no Brasil, por meio da compra de armas dos proprietários, é quase inócuo. O que tem funcionado nessa matéria são legislações severas em relação ao porte de arma aliadas a uma estratégia agressiva de desarmamento por parte das polícias, focalizando-se especialmente na desestruturação do mercado de armas ilegais. Outras candidatas à explicação, como mudanças na estrutura etária, distribuição de renda em anos recentes e melhoria das condições de vida das camadas mais pobres da população, devem ser devidamente exploradas. Algumas pistas podem surgir da análise de casos concretos. Vale a pena tomar os Estados considerados como paradigmáticos na obtenção de resultados em segurança pública no Brasil: Minas Gerais e São Paulo. Ambos lograram êxitos importantes na segurança pública elegendo-a como prioridade, mas adotando estratégias específicas. São Paulo reduziu os homicídios em torno de 70% de 1999 até 2007, enquanto Minas reduziu em 50% os crimes violentos a partir de 2003. O que foi feito? Existem diferenças de estilo em relação às estratégias adotadas. São Paulo fez um maciço aporte de recursos na segurança, que partiu de uma dotação de R$ 3,7 bilhões em 1996 para chegar a R$ 7,4 bilhões em 2006. Da mesma forma, Minas já investiu mais de R$ 700 milhões em segurança pública desde 2003, sendo o Estado brasileiro que mais investe proporcionalmente na área. Ou seja, prioridade política traduzida em dotação orçamentária é o primeiro elemento em comum. Contudo, as estratégias foram distintas. Minas Gerais optou por um modelo gerencial de integração das forças policiais militares e civis na segurança pública, e de sua articulação com projetos de prevenção, além de parcerias com universidades e organizações da sociedade civil. Esse modelo de ação integrada por meio de uma gestão por resultados maneja intensivamente informações para fins de planejamento e análise. No caso dos homicídios, busca-se uma ação integrada entre ações de desenvolvimento local e repressão qualificada, focalizada nos homicidas contumazes. Para tal foi montada uma estrutura de prevenção no interior do governo. Assim, os melhores êxitos mineiros foram obtidos pela ação de unidades territoriais de policiamento integrado e em crimes mais focalizados, como delitos contra o patrimônio, mais comuns da vida urbana. Existem policiais gerentes, civis e militares, que são responsáveis pelos crimes que acontecem numa determinada região. Também houve um incremento significativo na transferência de presos da Polícia Civil para o sistema prisional. Em São Paulo, o investimento foi na ampliação e reestruturação da delegacia de homicídios, que passou a dirigir seus esforços na solução de crimes e também na identificação dos homicidas contumazes. Adicionalmente houve grande investimento em atividades de inteligência e mais recentemente na perícia para tornar mais robustas as investigações e conseqüentes condenações. O crescimento da população prisional também foi uma estratégia central, levando o Estado de São Paulo a quase triplicar o número de detentos em dez anos, alcançando hoje 138 mil presos. Assim, obteve-se grande êxito em modalidades específicas de crimes que eram dependentes da atuação de delegacias especializadas devido ao investimento nessas unidades. Delegacias voltadas para os homicídios, as especializadas em roubo de veículos e, em menor número, em seqüestros foram capazes de reduzir crimes que não eram tão dependentes da ação integrada entre as polícias. Aliás, esse não é sequer um tema de preocupação entre os gestores da política paulista. Cabe destacar ainda a mobilização da sociedade civil por meio de uma miríade de projetos em áreas de risco. Algum tipo de diagnóstico está amparando as experiências, ainda que não seja conceitualmente explícito. No caso de São Paulo, o ataque à impunidade parece ser o elemento mais visível da política adotada. O número de operações policiais e de prisões aumenta significativamente, bem como da população prisional. Em Minas, a percepção de desorganização das estruturas de defesa social, e conseqüente desarticulação organizacional, deu origem à reestruturação nas formas de gestão do sistema. Alguns ingredientes são comuns. O primeiro e mais central é prioridade política traduzida em dotações orçamentárias. Sistemas de informações utilizados como ferramentas de monitoramento e avaliação operacionais são igualmente cruciais. São Paulo tem o Infocrim e Minas Gerais, o Igesp como ferramenta de compartilhamento de dados. Ações de inteligência que busquem incorporar a análise criminal, na busca de padrões e tendências, passam a fazer parte do cotidiano das organizações policiais. Profissionalização e valorização de uma nova geração, sem os vícios e cacoetes dos velhos policiais, parece ser um elemento de renovação e introdução de inovações. Sobretudo, o que merece ser ressaltado é a consciência crescente de que ações de defesa social não se esgotam nas atividades policiais, aspectos repressivos ou nas ações da Justiça Criminal. Tudo isso deve ser complementado por projetos que visem ao desenvolvimento social e à recuperação da capacidade de controle por parte da própria população em largas áreas e comunidades de nossas cidades. *Claudio Beato é diretor do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG) Explosões de violência 2007>> 07/02 O menino arrastado João Hélio Fernandes, de 6 anos, morre após ser arrastado por 14 ruas da zona norte do Rio de Janeiro. Ele é levado pelos rapazes que roubaram o Corsa de sua mãe. O menino fica preso ao cinto de segurança, fora do veículo. Os cinco ladrões são presos - entre eles, um menor de idade. 30/04 Em SP também tem Um assalto ao banco Itaú em Moema, São Paulo, termina com pelo menos seis pessoas baleadas. Três das vítimas são atingidas por balas perdidas. Entre elas está a adolescente Priscila Aprigio, de 13 anos, que ficou paraplégica. 26/05 Não era festim Era para ser uma apresentação da Polícia Militar simulando um seqüestro em ônibus, mas o uso de munição de verdade, em lugar de balas de festim, causa a morte do estudante Luís Henrique Bulhões, de 13 anos. A apresentação, com cerca de 500 pessoas, ocorre em Rondonópolis (MT), a 210 quilômetros de Cuiabá. A tragédia deixa ainda nove feridos, seis dos quais, crianças. 24/06 Doméstica agredida Cinco jovens de classe média roubam e agridem a doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, de 32 anos. Ela estava num ponto de ônibus da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Um dos três agressores presos justifica o crime dizendo ter achado que ela era "uma vagabunda". 27/06 A polícia sobe o morro Uma operação da Força Nacional de Segurança no Complexo do Alemão, no Rio, tem um saldo de 19 mortos e 9 feridos. A invasão maciça de 1.350 policiais provoca pânico e correria depois de sete horas de tiroteio. A polícia mantinha um cerco na comunidade desde o dia 2 de maio. Denúncias recebidas pela OAB indicam que pelo menos 11 dos 19 mortos não teriam ligação com o tráfico. 25/09 Perdidos na serra Os corpos dos irmãos Francisco de Oliveira Neto, de 14 anos, e Josenildo José de Oliveira, de 13, são encontrados na Serra da Cantareira, em São Paulo. Os menores foram torturados e sofreram abuso sexual. No local do crime são encontradas quatro ossadas de outras vítimas. Ademir Oliveira do Rosário admite ter matado os irmãos e confessa outros crimes sexuais. Ele já tinha uma condenação por homicídio e estava em regime de desinternação do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.