Obra de Willem de Kooning roubada em 1985 foi recuperada

'Mulher Ocre', avaliada em mais de US$ 100 milhões, estava em uma casa no Novo México após ser subtraída de um museu

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Por William K. Rashbaum
Atualização:
Visitantes observam obras de Willem de Kooning no Museu Guggenheim em Bilbao, Espanha Foto: Vincent West/Reuters

Willem de Kooning completou seu quadro Mulher Ocre em 1955. Ele representa uma figura provocativamente desnuda, encarando o espectador, braços ao lado. Na época, De Kooning tinha um estúdio em Greenwich Village, onde sua visão artística – sem mencionar o discreto charme e entusiasmo pela bebida – o tornaram uma personagem renomada no cenário artístico.

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Três anos depois que De Kooning terminou o quadro, um benfeitor do Museu de Arte da Universidade do Arizona, em Tucson, comprou-o para a instituição. E 27 anos depois disso, em 1985, ele foi roubado – tendo sido cortado de sua moldura.

A obra de arte foi finalmente recuperada no mês passado e investigadores estão se concentrando em várias teorias. Uma delas é, ao seu modo, extraordinária: estão tentando determinar se o roubo foi planejado por um professor aposentado da cidade de Nova York – uma pessoa erudita, um “renaissance man” – que vestiu roupas de mulher e levou o filho como cúmplice, depois pendurou a obra-prima no quarto de sua própria casa na área rural do Novo México, onde ela ficou.

Em outras palavras, estão examinando se ele roubou a pintura, agora avaliada em mais de US$ 100 milhões pelo prazer de tê-la. O professor, Jerome Alter, e sua esposa, Rita, morreram ambos com 81 anos, ele em 2012 e ela no início deste verão (julho-setembro). “Meu instinto me leva a dizer: ‘Não podem ser meu tio e tia que estavam com ele desde o início’”, disse Ron Roseman, sobrinho de Rita.

Roseman, que mora em Houston e é o executor testamentário do patrimônio de sua tia, disse estar completamente perplexo em com a ideia de que o quadro tenha ido parar na casa térrea rosa, em seu característico estilo rancho em Cliff, um lugarejo habitado por umas 300 pessoas, a cerca de 360 quilômetros de onde está o museu em Tucson.

Foi no dia depois do Dia de Ação de Graças em 1985. Uma mulher mais idosa e um homem jovem entraram no museu às 9 horas da manhã. Um guarda da segurança havia acabado de destravar as portas de vidro para um empregado e o par o seguiu.

Uns poucos minutos depois, saíram com tal pressa que chamaram a atenção dos funcionários. Um dos empregados do museu subiu correndo os degraus até a galeria no segundo andar, onde o homem passara menos de 10 minutos enquanto sua companheira perguntava a um guarda da segurança sobre uma outra peça de arte.

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O quadro de 1 metro por 70 cm de De Kooning tinha sumido. Os investigadores acreditam que o homem o cortou de sua moldura, enrolou a tela e a escondeu em seu pesado casaco azul enquanto a mulher distraía o guarda, que não podia ver a galeria do local onde conversavam. Os dois partiram em um carro cor de ferrugem de duas portas. Na época, o quadro estava avaliado em US$ 400 mil.

Foi um crime extremamente insólito. Apesar da representação de roubos de peças de arte em filmes e televisão, a vasta maioria envolve obras levadas de áreas de depósitos, por empregados ou pessoas em uma posição de confiança. Com poucas pistas além da descrição dos ladrões – e retratos falados do par, preparados por um artista do FBI com base no relato das testemunhas – o crime tornou-se um persistente mistério.

“Estamos em busca de tudo, com toda a certeza”, disse Brian Seastone, chefe de polícia da Universidade do Arizona, quando lhe foi perguntado se os investigadores analisaram a possibilidade de que Jerome Alter e seu filho, Joseph, estavam envolvidos no roubo. Ele não pode dizer que outras pistas estavam sendo seguidas. O Departamento de Polícia da Universidade está ajudando o FBI no caso; o chefe Seastone esteve envolvido na investigação inicial em 1985, quando era oficial de polícia no departamento.

Jill McCabe, uma porta-voz do FBI em Phoenix, comentou apenas que a agência tinha “uma ativa investigação em andamento sobre o roubo”. O inquérito está sendo conduzido por agentes do escritório de Tucson, com a ajuda da equipe de investigações de crimes de arte em Nova York.

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O retrato-falado da suspeita – descrita na época como alguém entre 55 e 60 anos, tem semelhanças com o senhor Alter, que era conhecido como Jerry e tinha na época 54 anos. E o retrato do jovem – descrito então como alguém entre os 25 e os 30 anos tem uma semelhança com o seu filho, Joseph M. Alter, na época com 23 anos. Ele não foi localizado para comentar o assunto. Várias pessoas que conheciam seus pais disseram que Joseph apresentou graves problemas psicológicos desde meados da década de 1980, entrando e saindo de instituições para pessoas com problemas mentais. Roseman disse que atualmente ele está hospitalizado.

M. J. Burns, um adjunto do xerife de Grant County em Novo México, que patrulhou Cliff e comunidades rurais dos arredores durante mais de uma década, lembra-se dos Alter como pessoas bem-educadas, com fluência no falar, mas reservadas, que jamais tiveram problema com a lei.

A irmã de Alter, Carole Sklar, de 81 anos, uma artista que mora em Nova Jersey, zombou da ideia de que seu irmão, erudito e culto ou sua doce e gentil esposa – sem contar seu problemático filho – tenham estado envolvidos no roubo. Ela considerou isso “absurdo” e disse que a ideia de seu irmão ter se vestido de mulher era risível.

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“Que Jerry e Rita assumissem o risco de algo tão louco e extravagante como apropriação indébita – com a possibilidade de acabar na prisão, pelo amor de Deus – eles não fariam isso”, disse.

Os Alter construíram sua casa de três quartos, em 20 acres de matagal acidentado em um platô com vista para um vale montanhoso, depois que se mudaram para o Novo México no final da década de 1970. Eles a cercaram com jardins, uma grande piscina, e uma estranha coleção de esculturas, incluindo um semicírculo com mais de uma dúzia de bustos de pessoas como Beethoven e Molière, cada um deles sobre um pedestal de pedra.

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Além de dar aulas de música em uma escola de Nova York, o senhor Alter trabalhou como clarinetista profissional antes de ir para Cliff. Rita Alter trabalhou vários anos como fonoaudióloga nas escolas públicas de Silver City.

Os dois, que segundo comentavam as pessoas em Cliff, eram reservados, também eram um ávido casal de viajantes, tendo visitado mais de 140 países em todos os sete continentes, segundo um livro de contos ficcionais baseado em suas viagens, publicado pelo próprio Alter em 2011. (Alter também publicou dois outros livros e, com a esposa, uma coleção de poesia e uma seleção de fábulas de Esopo, transformadas em versos).

David Van Auker, negociante de antiguidades e mobília, contratado por Roseman para avaliar os bens da casa dos Alter, foi quem descobriu a pintura. Ele e seus dois sócios foram à casa no dia 2 de agosto para fotografar e catalogar a mobília e outros itens para venda, depois da morte de Rita Alter.

Ele descobriu o Mulher Ocre pendurado entre um canto do quarto e a porta, disse, colocado de uma forma que ficava completamente escondido quando a porta estava aberta, mas visível da cama quando a porta estava fechada.

Embora ele não tenha reconhecido a obra-prima, gostou dela e acabou comprando o que havia na casa por cerca de US$ 2 mil, ele disse. Levou o quadro para sua loja em Silver City, e naquele dia, vários de seus clientes, que o viram, disseram acreditar que fosse um De Kooning.

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Uma cuidadosa busca no Google acabou trazendo as fotos da obra de arte roubada e uma história de 2015 publicada no Arizona Republic sobre o 30.º aniversário do roubo. Van Auker ligou para o museu naquela tarde e um dia depois, na sexta-feira, uma equipe de entusiasmados integrantes – incluindo um curador, um arquivista e um diretor interino – estava em Silver City examinando o quadro. Eles o levaram para Tucson e o trabalho preliminar para autenticá-lo foi feito.

Foi uma emocionante volta para casa ao museu, que esperava havia quase 32 anos para ter Mulher Ocre de volta. “Esse é um momento sobre o qual a instituição tem falado e pensado desde que o quadro foi roubado”, disse Meg Hagyard, diretora interina da instituição.

Se Alter teve participação no roubo, ele pode ter escondido pistas em seus escritos. Ele incluiu duas histórias a respeito de roubos de museus nos Estados Unidos em seu livro baseado nas viagens do casal, The Cup and the Lip (A Xícara e o Lábio, em tradução literal).

Vários aspectos das histórias diferem do roubo de 1985, mas há notáveis semelhanças. Em uma das histórias, The Eye of the Jaguar (O Olho do Jaguar), uma avó e sua neta roubam uma esmeralda de 120 quilates de uma vitrine em plena luz do dia, atacando quando a atenção do guarda está concentrada em outra parte. “Tendo escapado sem qualquer testemunha presente, os ladrões não deixaram absolutamente nenhuma pista que a polícia poderia ter usado para pelo menos iniciar a procura por eles” escreveu Alter.

Ele termina a história descrevendo como a gema roubada depois foi mantida em uma vitrine, aparentemente na casa da avó, “vários quilômetros longe do local onde o evento ocorreu”. “E dois pares de olhos, somente, estão lá para ver”, ele escreveu. Doris Burke contribuiu com a pesquisa. / Tradução de Claudia Bozzo

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