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Órgãos mais antigos da Europa voltaram mas faltam instrumentistas

Instrumentos surgiram no século 15 na Itália e foram deixados para trás pelas inovações dos franceses e alemães

Por The Economist
Atualização:
Órgãos italianos, os mais antigos da Europa, estão sendo restaurados Foto: Elisabeth Braw/The Economist

Em maio deste ano, um organista holandês chamado Pieter van Dijk executou uma seleção de peças barrocas diante de um público de aproximadamente 50 pessoas. A Holanda é famosa por seus órgãos e organistas — os recitais no país costumam atrair grande número de ouvintes —, mas a apresentação de Dijk aconteceu a 1,5 mil quilômetros dos Países Baixos. O festival Maggio Organistico da Umbria, região a nordeste de Roma, tem o objetivo duplo de chamar a atenção das pessoas para o papel ilustre da Itália na história da música sacra e exibir uma impressionante coleção de órgãos de tubos.

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Até pouco tempo atrás, o órgão da Igreja de Santa Chiara, na cidadezinha de Lugnano em Teverina, onde Djik tocou, era pouco mais que um amontoado de tubos. Há 30 anos, o também holandês Wijnand van de Pol descobriu um órgão caindo aos pedaços numa igreja da região e decidiu restaurá-lo. Pol não tardou a localizar dezenas de outros órgãos seculares que se encontravam em péssimo estado de conservação e fora de uso. Assim teve início um movimento para trazer os instrumentos da Úmbria de volta à vida.

Com o auxílio de um número crescente de entusiastas locais, Djik se encarregou de reparar outro instrumento, e, em 2016, o grupo — que é parcialmente financiado por um banco local e por recursos públicos — concluiu o restauro de 20 órgãos, em sua maioria datados do século 18. Quinze dos instrumentos agora estão em boas condições, incluindo o órgão do século 9 da catedral da cidade de Amelia.

O declínio dos órgãos de tubos na Itália é surpreendente, em particular quando se considera que o país foi o epicentro da música sacra. Compositores como Giovanni Pierluigi da Palestrina recebiam encomendas do Vaticano; suas composições até hoje são o componente central do serviço religioso nas catedrais britânicas. O próprio órgão de tubos — presente em igrejas do mundo inteiro — surgiu na Itália, no século 15. “Como tantos aspectos da cultura ocidental, a fabricação de órgãos, assim como a música de órgão, parece ter se originado na Itália”, explica o professor Paul Jacobs, chefe do departamento de órgão da Juilliard School, de Nova York.

Retrato de Johann Sebastian Bach aos 61 anos, pintado por Haussmann, em 1746 Foto: Museu de Leipzig

Ocorre que, ao tomar contato com o instrumento italiano, os franceses e alemães puseram-se a aprimorá-lo. Enquanto os órgãos das igrejas italianas permaneciam praticamente inalterados, com apenas um teclado manual e um conjunto rudimentar de pedais, os instrumentos franceses e alemães logo ganharam um segundo manual, depois um terceiro e, por vezes, até um quarto. Por sua vez, os pedais italianos deram lugar às pedaleiras com diversas oitavas dos órgãos franceses e alemães: os organistas do Norte da Europa aprenderam a fazer uso tão intenso dos pés, quanto as mãos. E, como seria de se esperar, isso fez com que as composições para órgão se tornassem mais complexas, como as mundialmente famosas obras de Sebastian Bach — outro motivo para que os órgãos italianos perdessem sua primazia. Em cidades francesas e alemãs do mesmo porte de Lugnano em Teverina existem órgãos de tubos mais sofisticados do que aquele em que Dijk tocou.

“Os órgãos italianos não se desenvolveram tão rapidamente quanto os do Norte da Europa, mas isso não diminui sua importância ou beleza”, diz Jacobs. “São instrumentos conhecidos por sua sonoridade vocal, aveludada, e há todo um repertório de composições escritas especialmente para eles. São uma porta de acesso ao passado.” Conservatórios do mundo inteiro pagam somas consideráveis por órgãos barrocos italianos: os instrumentos que Pol e seus colegas restauraram constituem capítulo crucial na história da música.

Ao que parece, porém, são poucos os que se interessam em revisitar esse capítulo. “De tempos em tempos, os órgãos são utilizados em cerimônias religiosas, mas, infelizmente, não há organistas locais que saibam tocá-los”, diz Gabriele Catalucci, organista nascido em Amelia que preside o Ameriumbra, grupo dedicado à manutenção e restauração de órgãos. Desde o Segundo Concílio do Vaticano, a Igreja Católica autoriza a utilização em missas de instrumentos contemporâneos, como o piano elétrico, cujo teclado requer menos habilidades.

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O que fazer com esses órgãos, se eles são utilizados apenas durante o festival anual? Dois dos instrumentos restaurados foram comprados por estrangeiros, informa Catalucci, “mas só dois”, de um total de 20. E, como observa Jacobs, os órgãos têm uma finalidade prática. “É ótimo que alguns sejam conservados em museus, mas a maior parte foi fabricada para servir ao propósito muito prático de conduzir os fiéis durante o culto”, diz ele. Os órgãos de igreja deveriam permanecer nas igrejas, sempre que possível.

Muitos esperam que o festival ajude a promover a região como um destino obrigatório para os aficionados por órgãos de todo o mundo. Com suas paisagens deslumbrantes e cidades romanas muradas, a Úmbria é um destino evidentemente atraente. Mas não basta a presença de grupos locais de organistas para estimular o turismo internacional.

A melhor solução, diz Catalucci, é convidar conservatórios estrangeiros para usar os órgãos em atividades de ensino. “Temos órgãos suficientes para que eles organizem suas aulas”, diz ele. A utilização regular dos órgãos por instrumentistas proficientes atrairia mais interesse e plateias mais numerosas. Os alunos internacionais e seus professores já fazem peregrinações de vários dias para tocar em órgãos franceses e alemães, e, recentemente, um grupo da Royal Academy of Music, de Londres, fez uma visita à catedral de Amelia. Jacobs concorda: “O contato com os instrumentos resulta numa apreciação mais aprofundada da vasta história dessa forma artística.”

Amelia fica a apenas uma hora e meia de Roma: os devotos dos órgãos italianos poderiam tranquilamente fazer um intervalo para se entreter com outras atividades barrocas. E quem não gostaria de ouvir os sons que serviam de acompanhamento para as criações visuais de Leonardo da Vinci? /Tradução de Alexandre Hubner

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