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'Os Diários de Alfred Rosenberg' revelam mente por trás de ideologia nazista

Livro publicado pela editora Planeta reúne escritos do principal teórico do nazismo

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Escultura 'Him', do artista italiano Maurizio Cattelan, causou polêmica em 2001 Foto: Kena Betancur/AFP

Seria exagero dizer que Alfred Rosenberg, o autoproclamado ideólogo do nazismo, inventou Adolf Hitler, mas pode-se afirmar que ele ajudou a influenciar o ditador da Alemanha em alguns aspectos centrais da política do Terceiro Reich – especialmente na decisão de destruir a União Soviética sob o argumento de que o bolchevismo era uma invenção judaica, parte de uma conspiração internacional que tinha de ser detida a qualquer custo, pois ameaçava a existência do mundo germânico. Por esse motivo, a publicação de Os Diários de Alfred Rosenberg 1934-1944, em 2015, que agora chega ao Brasil pelo selo Crítica (Editora Planeta), permite conhecer não propriamente os bastidores do regime nazista, mas a essência do pensamento radical que dirigiu os destinos da Alemanha daquela época – e que ainda hoje seduz a extrema direita europeia.

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A descoberta dos diários é, ela mesma, uma grande história à parte. Reunidos para os Julgamentos de Nuremberg, que sentenciaram a cúpula do regime nazista após a guerra, esses escritos ficaram em poder de um promotor americano, Robert Kempner, que os levou para casa, nos Estados Unidos. Pesquisadores descobriram mais tarde que os diários haviam sido passados adiante pela família de Kempner depois de sua morte, em 1993. Foi somente em 2013 que o FBI chegou aos documentos, então em poder de uma pequena editora de Nova York. A descoberta causou sensação, pois se imaginava que os diários pudessem revelar algo inédito sobre o Terceiro Reich. A leitura dos documentos, porém, serve menos à reconstituição da administração nazista e mais ao esforço de compreender a construção da ideologia que moveu Hitler e quase toda a Alemanha de sua época.

A edição brasileira, tradução da edição publicada na Alemanha, toma o cuidado de oferecer ao leitor uma contextualização ampla do diário, não apenas por meio de uma alentada introdução, mas também com o uso extensivo de notas de rodapé que esclarecem pontos obscuros do texto – escrito no estilo trôpego e confuso de Rosenberg, que não era um pensador particularmente brilhante. O próprio Hitler, aliás, considerou O Mito do Século 20 a obra mais importante de Rosenberg, um livro “escrito de maneira incompreensível”, lido e conhecido somente por “nossos inimigos”. Hitler disse que, a exemplo da maioria das lideranças nazistas, tinha lido somente uma pequena parte do livro.

Não se pode, no entanto, tomar pelo valor de face as observações jocosas de Hitler sobre Rosenberg, pois o Führer usualmente gostava de jogar seus auxiliares uns contra os outros para acirrar entre eles o espírito de competição, fazendo cada um deles tomar atitudes mais e mais radicais para provar ao líder que era o mais confiável, fiel e leal. Ignorando as opiniões desairosas que Hitler manifestava sobre ele, Rosenberg era orgulhosamente hitlerista, talvez o mais fanático de todos os que integravam o círculo de autoridades mais próximas do Führer. Como mostra seu diário, mesmo decepcionado diante do inesperado acordo firmado por Hitler com o arqui-inimigo dos nazistas, o ditador soviético Josef Stalin, para dividir a Polônia, em 1939, Rosenberg poupou seu amado Führer. Para ele, os responsáveis pelos erros mais graves do regime, entre os quais, conforme o entendimento de Rosenberg, estavam as decisões que contrariavam as diretrizes do pensamento nazista, eram sempre os maus conselheiros de Hitler.

Adolf Hitler, Alfred Rosenberg (E) edr.Friedrich Weber Foto: Keystone/Getty Images

Rosenberg, assim, considerava-se puro, e como tal faltava-lhe completamente o tato político que permitiu a seus rivais na cúpula do Terceiro Reich escalar o poder. Mesmo assim, ele ocupou o importante cargo de “encarregado da administração central das questões do Espaço da Europa Oriental” – trocando em miúdos, foi um dos principais responsáveis pelo planejamento da ocupação do Leste à medida que o Exército alemão fosse avançando naquele front. Nada mais adequado; afinal, Rosenberg foi o “intelectual” mais obcecado do regime nazista pela Europa Oriental. E seu trabalho colaborou decisivamente para a guerra de extermínio que ali se livrou, o que foi suficiente para condená-lo à forca, depois da guerra, nos Julgamentos de Nuremberg. Até o final de seus dias, mesmo na cela onde aguardou sua sentença, escreveu textos que reafirmaram sua ideologia assassina. 

Em 1944, quando a sorte alemã já estava selada, ele mencionou a pretensão de organizar uma conferência europeia para reunir países dispostos a ajudar a Alemanha a exterminar os judeus. Chegou a consultar Hitler e a enviar convites para o tal “congresso antijudaico”, que aconteceria em Cracóvia, na Polônia ocupada. Em um esboço de resolução do tal encontro, Rosenberg escreve, como se fosse a declaração de todos os participantes, que “o judaísmo constitui um elemento parasitário totalmente estranho em todas as nações em desenvolvimento da humanidade” e que “apenas após a eliminação desses germes patogênicos poderemos nos dedicar a reconstruir a vida multiplamente destruída”.

Também com o objetivo de “purificar” a arte alemã, tomada por “degenerados” judeus, Rosenberg foi designado para organizar a tarefa de pilhar as mais importantes obras de arte do continente durante a guerra, num assalto em escala continental. Para Rosenberg, contudo, aquela tarefa era parte da missão de combate sem trégua à cultura judaica. 

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Sua mais importante contribuição, se assim podemos chamar, foi ter convencido os nazistas de que a base ideológica que ele lhes oferecia estava assentada em filosofia profunda e racional, e não em ódio puro. Assim, aliviou consciências e, de certa forma, facilitou o genocídio. Os diários revelam uma moral doentia. A destruição das grandes cidades alemãs pelos bombardeios dos Aliados era “uma chance para a redescoberta, como nunca antes, do que é rural”. Era preciso “compreender esse sinal do destino”. Embora escrito para si mesmo, o diário de Rosenberg legou à história um raro documento sobre o ponto ao qual chegam aqueles que renunciam à razão em nome de suas crenças mais profundas.

Capa do livro 'Os Diários de Alfred Rosenberg', publicado pela editora Planeta Foto: Editora Planeta

Os Diários de Alfred Rosenberg 1934-1944 Autor: Alfred RosenbergOrganização: Jürgen Matthäus e Frank BajohrTradução: Claudia AbelingEditora: Planeta 664 páginas R$ 99,90

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