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Os garotos de Connecticut

Eles abandonaram Wall Street para investir em fundos hedge. Hoje assistem à crise de suas mansões

Por Tom Wolfe
Atualização:

Veja bem: este articulista está apenas lhe trazendo uma notícia quando conta que várias pessoas assediaram o autor de A Fogueira das Vaidades, na semana passada, com a seguinte pergunta: "Com isso tudo, onde é que ficam agora os Senhores do Universo?" "Isso tudo" refere-se ao pânico dos mercados de crédito nestes dias. "Senhores do Universo" é uma expressão do livro que se refere aos jovens ambiciosos (não havia mulheres) que, na década de 80, começaram a ganhar milhões de dólares ao ano - milhões! - em bonificações por seu desempenho em bancos de investimentos como o Salomon Brothers, Bear Stearns, Lehman Brothers, Merrill Lynch, Morgan Stanley e Goldman Sachs. Os três primeiros bancos deixaram de existir. O quarto está prestes a ser absorvido pelo Bank of America. Os dois últimos estão sendo transformados em bancos bem comportados de cidadezinhas do interior, com caixas eletrônicos na entrada e mulheres medianamente adultas, que recebem salário de US$ 500 por semana, atendendo nos guichês, com seu estoque de saquinhos de tinta explosiva, desses que os bancos usam para entregar aos bandidos com o dinheiro. Os bancos de investimentos americanos, formando todo um setor, afundaram sem deixar vestígio nos últimos dias. Então, onde é que ficam agora os Senhores do Universo? Principalmente em Greenwich, Connecticut. Os jovens mais brilhantes, mais promissores, mais ambiciosos começaram a abandonar os bancos de investimentos à procura de fundos hedge há seis anos. Seu correspondente pode descrever cenas de fúria selvagem, carótidas inchadas, enquanto os jovens figurões se demitiam. Seguranças musculosos os agarravam pelo cotovelo suspendendo-os no ar e os arrastavam velozmente para fora, sem deixar que mexessem em nada em suas mesas - nem mesmo nas fotos emolduradas de Mamãe, do Amigo do Peito e da Irmãzinha, apoiadas em pequenas asas de cartolina cobertas de veludo sintético - tamanha a fúria de seus chefes. Seus grandes produtores e futuros líderes os estavam abandonando. Para esses Senhores do Universo, Greenwich tornou-se o centro mundial dos fundos hedge, substituindo Wall Street. Ao longo de cinco anos, o lendário Salão da Bolsa de Nova York, coração de Wall Street, foi se esvaziando. Cem anos atrás, o Salão era um clube dos senhores representantes das oligarquias. Somente sujeitos com credenciais sociais poderiam ter "cadeira cativa" ali. No ano passado, quando este articulista fez sua única visita ao Salão, um dos membros se aproximou de um colega e comunicou que, assim como tantos outros nos últimos tempos, estava deixando a bolsa para sempre. "O que é que você vai fazer?" "Vou entrar para o corpo de bombeiros." "Corpo de bombeiros? Com que cargo?" "Vou ser bombeiro. O plano de pensão deles é fabuloso." Aliás, não há cadeiras no Salão, nenhuma que este articulista tenha visto. A bolsa já é um anacronismo, assim como a Broadway. Hoje em dia, se faz tudo pelo computador. Freqüentar o Salão da Bolsa é como ir ao OTB ( salão de apostas de corridas de cavalo). A Broadway e a bolsa são como a primeira coisa que você vê quando chega à Disneylândia, na Califórnia. De repente, você está numa cidadezinha da virada do século passado, com um bonde, uma farmácia e uma barbearia. É assim a Broadway hoje em dia. E também Wall Street. Talvez isto acabe com a esperança daquele sentimento cálido chamado Schadenfreude (alegria pela tristeza dos outros), mas os Senhores do Universo são mais espertos que as pessoas que deixaram para trás nos bancos de investimentos. Seus fundos hedge foram para o espaço aqui e ali, mas, ao contrário dos bancos de investimentos, continuam no negócio. Rapidamente se colocaram em posições defensivas em suas carapaças, como fazem as tartarugas. Seu Armagedon, se é que haverá um, só acontecerá daqui a alguns meses. Anualmente, a maior parte dos fundos hedge abre uma brecha nos dias 30 de setembro, 31 de dezembro, 31 de março e 30 de junho para dar aos investidores a chance de "resgatar" seus investimentos, o que significa retirarem seu dinheiro. Esses momentos são chamados "janelas". Entenda-se por janela a porcentagem fixa do seu dinheiro que o fundo deixa você retirar em um determinado momento. Mesmo com esses limites rígidos nas retiradas, alguns fundos podem se reduzir a meras conchas. Então, não chore pelos Senhores do Universo - não que eu achasse que você fosse chorar. A maioria desses jovens já tem sua nut (noz). Esse termo significa o seguinte: uma reserva pessoal bem protegida, dinheirão para encarar crises e ainda gerar juros suficientes para viver confortavelmente em Greenwich, na Round Hill Road, na Pecksland Road ou na Field Point Road, em uma casa construída antes da 1ª Guerra Mundial, em encantador estilo europeu, preferivelmente de pedra, com uma pequena torre em cima, mínimo de 20 mil metros quadrados em volta, grande o bastante para ser chamada de mansão. Todo Senhor do Universo conhece bem o número de sua nut. *Tom Wolfe, autor de A Fogueira das Vaidades, trabalha atualmente em um romance sobre a imigração em Miami

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