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'Os jornais têm que oferecer mais análise'

Para Matías Molina, é o respeito à inteligência do leitor que distingue os melhores veículos da imprensa

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Por Redação
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Em entrevista ao Estado, o autor de Os Melhores Jornais do Mundo diz que a imprensa brasileira presta atenção demais no que passa na TV e cobre política em excesso. Que características são comuns nos melhores jornais do mundo? A primeira delas, e a mais importante, é que respeitam a inteligência do leitor. Além disso, estes jornais dão importância para cultura e têm uma ampla visão de assuntos internacionais. Em geral, essas publicações têm um grande quadro de correspondentes pelo mundo. Possivelmente ganhariam mais dinheiro se cortassem isso pela metade. Os lucros aumentariam, mas os jornais ficariam iguais aos outros. Jornais assim têm futuro? Sim. Veja o caso do Washington Post. Seu presidente, Donald Graham, costuma dizer que jornal não é empreendimento para dar muito lucro. Segundo ele, tem de existir um compromisso de retorno financeiro - mas jornal não é um bom lugar para investimentos de curto prazo. A imprensa americana, de maneira geral, sempre teve uma rentabilidade alta. As margens de lucro, no entanto, vêm caindo. E alguns jornais estão cortando voluntariamente a circulação em áreas mais remotas, onde o custo para alcançar o assinante é maior. Não há gestor de empresa que concorde em apenas manter a rentabilidade. Todos almejam aumentá-la. Como conciliar este objetivo com os interesses dos leitores? É uma equação sempre difícil. Nos jornais mantidos por famílias com tradição forte no setor, há uma maior garantia de continuidade. É o caso dos Sulzbergers (The New York Times), dos Grahans (The Washington Post) e, até há bem pouco tempo, dos Brancrofts (The Wall Street Journal). O que representa a entrada em cena de Rupert Murdoch, o magnata que já era dono do ?Times?, de Londres, e adquiriu em 2007 o ?Wall Street Journal?? Murdoch sempre quis ter um jornal de economia de alto nível. Fez de tudo para comprar o Financial Times. Chegou a ter 21% das ações da Pearson, a proprietária do FT. Comprou as ações na bolsa mas jamais foi recebido pela diretoria da empresa. Na verdade, ele sabia que as autoridades britânicas não permitiriam que fosse dono do FT, por já ser o dono do Times e do jornal popular The Sun. Ele queria que o FT fosse para os Estados Unidos. Agora ele pagou muito dinheiro para ter o Wall Street Journal, muito mais do que o valor de bolsa da empresa. Murdoch acha que o New York Times tem uma influência perniciosa nos Estados Unidos, por ser liberal demais. É com o New York Times que ele quer competir. Para isso, planeja transformar o WSJ num jornal mais generalista (esta semana anunciou que o jornal passará a ter uma seção de esportes) e com mais correspondentes internacionais. Seu livro mostra que tem sido freqüente o conflito entre análises, reportagens investigativas e o espaço cada vez maior concedido nos jornais para o entretenimento. Como vê este conflito no Brasil? Os jornais estão dando mais espaço para assuntos que interessam à vida pessoal dos leitores. The New York Times deu um salto nos anos 70, quando a cidade mergulhou em decadência, ampliando a cobertura de assuntos ligados a casa, família, educação, saúde e espetáculos. Foi bastante criticado. Não reduziu, porém, a abordagem de temas políticos. O resultado foi muito bom: os anunciantes faziam fila para veicular propaganda nos novos suplementos diários. Esse interesse por temas ligados à vida pessoal também aconteceu no Brasil. Por quê? Em parte porque houve uma despolitização da sociedade. No Brasil, os jornais tiveram um papel importante na redemocratização do País. Estamos caminhando para um tempo em que, para manter o interesse pela leitura, terão de reduzir o espaço da política? Não. O que acho é que há um excesso de política nos jornais brasileiros. Chega a ser cansativo. Os escândalos políticos são divulgados num tom sempre muito elevado. Com isso não se diferencia um do outro. No livro, há uma citação de Bill Emmott, ex-editor-chefe da revista ?The Economist?. Ele diz que a revista cresceu (praticamente dobrou de tiragem em sete anos) porque os grandes jornais abriram muito espaço para o entretenimento e sua revista continuou oferecendo análises. Como vê esta afirmação? Ele está corretíssimo. Ainda que seja compreensível que jornais abram espaço para assuntos do cotidiano, também é verdade que cada vez há mais pessoas com pós-graduação no mundo. É crescente o número de executivos que precisam de mais informação e mais análise. No Brasil, a presença da televisão é avassaladora. Que influência isso teve nos jornais? No mundo inteiro, a TV se pautava pelos jornais. Agora, com a internet, isso mudou um pouco. O telefone da Casa Branca sempre tocava às 23h. Era a hora que saía a primeira edição do New York Times e as TVs ligavam para repercutir o que o jornal havia publicado. Aqui os jornais ficam esperando o Jornal Nacional antes de fechar a edição, para ver se não perderam alguma coisa importante. Tem algo errado aí. Todo mundo diz que os jornais vão acabar. Mas, se as tiragens diminuíram, não é nada que se compare à gigantesca perda de audiência que as TVs abertas tiveram, por exemplo, nos Estados Unidos. Lá, existem hoje canais de TV por assinatura que estão alcançando já a audiência de TVs abertas. A opinião está contaminando demais a informação? Sim. E no Brasil mais ainda. Muitos jornalistas confundem análise com achismo. Claro que não há informação em estado puro. Há uma frase que cito no livro e que gosto muito: "A objetividade não existe, mas a honestidade, sim". O jornal deve ser lido mesmo por pessoas que discordam da opinião dele. Se oferecermos boa informação e análise, conseguiremos isso. Mas o leitor também quer opinião? Claro. Quer comparar a opinião que lê no jornal com a dele, ainda que para discordar. Os melhores jornais do mundo estão preparados para enfrentar o avanço da internet? Ainda se enxerga a internet como inimiga? Vê-la como inimiga é uma besteira. Os grandes jornais do mundo estão, sim, muito bem preparados para o crescimento da internet. Já perceberam que conseguem transferir a credibilidade que têm para suas páginas de internet. Há exemplos notáveis, como os do Guardian (Londres), do New York Times. Todos eles têm feito investimentos pesados que ainda não recuperaram, mas tendem a recuperar.

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