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Ousadia contra ideias de Reagan

Com orçamento 'radical', democrata ataca a desigualdade que brotou nos EUA nos últimos 30 anos

Por David Leonhardt
Atualização:

O orçamento proposto pelo presidente Barack Obama quinta-feira nada mais é que uma tentativa de pôr fim a três décadas de uma política econômica dominada pelas ideias de Ronald Reagan e seus partidários. Nas primeiras semanas, presidente buscou respotas para a crise; agora, vai priorizar as promessas O orçamento de Obama, um desvio corajoso, até radical, da história recente, envolto em tabelas estatísticas e formalidades burocráticas, vai elevar drasticamente os impostos para a camada mais rica da população, um aumento muito maior do que o decidido por Bill Clinton. E reduziria os impostos para os outros, que chegariam a um nível ainda mais baixo do que sob os governos Clinton ou George W. Bush. Estabelece ainda as bases para mudanças radicais no campo da assistência médica e da educação, entre outros. Mais que tudo, a finalidade é reverter o rápido aumento da desigualdade econômica nos últimos 30 anos. O que será feito, em primeiro lugar, com a reformulação do código tributário e, no prazo mais longo, procurando eliminar as grandes causas da queda da renda da classe média, como os altos custos médicos e poucos ganhos na área educacional. Depois de Obama passar a maior parte das suas cinco primeiras semanas no cargo tentando achar uma resposta para a crise financeira, seu orçamento efetivamente tentou retomar a ênfase para as prioridades que foram suas promessas de campanha. Essas propostas devem ampliar o já enorme déficit orçamentário causado pela recessão e as políticas de Bush, criando o maior déficit, em relação ao porte da economia, já registrado desde a 2ª Guerra Mundial. Eliminar esse déficit vai exigir alternativas duras - como mais cortes de despesas e aumentos de impostos, que Obama evitou esta semana. Não obstante, ele optou por algumas. Obama deseja eliminar alguns subsídios corporativos para seguradoras da área da saúde, bancos e companhias agrícolas, criticados há muito tempo pelos economistas. Propôs cobrar pelas emissões de carbono, para combater o aquecimento global e, então, refinanciar grande parte da receita desse programa por meio de cortes de impostos em geral. Requereu um aumento de impostos para os mais ricos, que deve chegar a um valor aproximado de US$ 100 bilhões por ano - devendo durar até 2011, quando a recessão supostamente terá acabado, e mais US$ 50 bilhões anuais de cortes líquidos de impostos dos não ricos. A história da economia dos Estados Unidos nos últimos 70 anos pode ser dividida, toscamente, em dois períodos: as décadas imediatamente após a 2ª Guerra Mundial, quando a desigualdade declinou fortemente, e as últimas três décadas, quando as forças econômicas globais e as políticas governamentais levaram-na às alturas. Obama deve iniciar um terceiro período, que parece mais o primeiro que o segundo. O programa começa com os impostos. Nas últimas três décadas, o rendimento das famílias mais ricas, antes de pagos os impostos, aumentou muito mais que o das outras, enquanto as alíquotas dos impostos caíram muito mais no caso dos altos rendimentos do que para os outros, de acordo com o Departamento do Orçamento do Congresso. Como resultado, a renda média das famílias de alta renda, que são 1% da população, saltou de quase US$ 1 milhão em 1979, valor ajustado pela inflação, para US$ 1,4 milhão. A remuneração da maior parte das famílias subiu apenas ligeiramente mais rápido do que a inflação. Antes de se tornar o principal conselheiro econômico de Obama, Lawrence H. Summers gostava de contar uma história, hipotética, que resumia essa tendência. Segundo ele, aumento da desigualdade significava que cada família entre os 80% que estão no ponto mais baixo da faixa de distribuição de renda na verdade enviava, a cada ano, um cheque de US$ 10 mil para aqueles 1% que estão no topo dessa faixa. O orçamento de Obama reflete essa sensibilidade. Especialistas em orçamentos ainda estavam revisando os detalhes do documento na quinta-feira, mas os vários cortes de impostos e os créditos destinados à classe média e pobre devem aumentar o rendimento líquido da família média americana em aproximadamente US$ 800. As elevações de impostos para os abastados, que constituem 1% da população, provavelmente vai custar a eles US$ 100 mil ao ano. "O código tributário será mais progressista, com alíquotas de imposto relativamente mais altas para os ricos e relativamente mais baixas para a classe média e os pobres", disse Roberton Williams, membro do Tax Policy Center, em Washington. "Isso deve reverter os efeitos das políticas adotadas por Bush", acrescentou. E da mesma maneira que os aumentos de impostos para a camada mais rica foram estabelecidos por Franklin D. Roosevelt após a queda da bolsa, que já tinha reduzido seus rendimentos, as propostas de Obama, se transformadas em lei, também provocarão o mesmo efeito. Essa combinação tem potencial para reverter em boa parte as tendências de desigualdade das últimas décadas. Mas para o país repetir o padrão pós-2ª Guerra, as rendas de muitas famílias também precisam começar a crescer mais rápido do que ocorre desde a década de 70. O que é bastante incerto. Para economistas estudiosos do crescimento, a economia americana não deve crescer nos próximos anos tão rápido como nas décadas de 50 e 60. Segundo fontes do governo, Obama tentará elevar a renda da classe média e dos pobres usando dois canais principais. O primeiro é uma reformulação do programa de assistência médica, para reduzir os prêmios de seguro, que hoje levam uma boa parte da remuneração de muitas famílias. Os detalhes ainda são vagos, mas o orçamento já começa a pagar por investimentos que, no final, permitirão às autoridades do Medicare recusar o pagamento de tratamentos médicos que não melhoram a saúde comprovadamente. Se tiver sucesso, essa mudança vai reduzir enormemente o déficit orçamentário no longo prazo do governo. E provavelmente reduzirá os custos da saúde privada, já que as seguradoras, habitualmente, seguem a orientação do Medicare. O outro canal é a educação. Nas últimas três décadas, o salário de pessoas formadas em faculdade subiu muito mais rápido que o de trabalhadores com nível mais baixo de escolaridade. Obama pretende levar esses trabalhadores para a primeira categoria, aumentando a ajuda financeira federal e simplificando a miríade de programas de ajuda. Nos últimos anos os Estados Unidos perderam a posição como o país com o maior número de jovens adultos formados numa faculdade. "Os jovens da classe média e baixa não aspiram uma faculdade", disse Peter Orszag, diretor do Office of Management and Budget. "Quando ouvem dizer que precisarão de US$ 40 mil para custear as aulas, acham impossível." Há ainda muitas questões pendentes envolvendo os esforços de Obama. Para começar, a primeira é saber se o Congresso aprovará um orçamento do porte desse. Suas propostas para a assistência médica devem atrair uma dura oposição de médicos e seguradoras. Gastar mais dinheiro em ajuda financeira - sem outras mudanças no sistema de ensino - pode não elevar muito o número de graduados em nível superior. E se a economia continuar em baixa no próximo ano, como muitos especialistas preveem, os republicanos do Congresso tentarão jogar a culpa nos iminentes aumentos de impostos para os ricos. Não importa o que ocorrer, o fato é que passou muito tempo desde que um presidente tentou usar o orçamento para adequar o governo e a economia, como Obama propôs na quinta-feira. Nesse aspecto, ele e o presidente Reagan têm alguma coisa em comum.

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