Outros tons de verde: o pensamento conservador pode resolver os problemas ambientais?

Pode o pensamento conservador sanar os problemas ambientais de nosso tempo? Filósofo inglês defende menos burocracia e mais ações individuais

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Por Eduardo Wolf
Atualização:

Uma das grandes competições na Olimpíada do Rio não terá nada de esportiva: trata-se da categoria de metas não atingidas para a realização dos Jogos no País. Em meio à frustração generalizada com as promessas de obras de transporte público e com a própria construção da Vila Olímpica, o compromisso brasileiro de tratar pelo menos 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara parece ser o candidato natural à medalha de ouro nessa categoria: não apenas não foi honrado como se tornou uma espécie de emblema internacional de um Brasil em crise. Fotos, vídeos e depoimentos do estado deste cartão postal universalmente associado ao Brasil têm circulado há meses na imprensa internacional. Muito mais grave do que os abalos à imagem do País, no entanto, é o fato incontornável de nossa crise ambiental, e a nossa perplexidade diante da aparente falta de soluções para o problema.

Aqueles que quiserem refletir com independência intelectual sobre a questão, fugindo do corriqueiro empurra-empurra de responsabilidades, deveriam começar por uma leitura pouco usual. Lançado essa semana no Brasil, Filosofia Verde: Como Pensar Seriamente o Planeta (É Realizações), do filósofo conservador britânico Roger Scruton, é um livro surpreendente e provocador na abordagem dos problemas ambientais de nosso tempo e do pensamento ecológico dominante. Autor de mais de 30 títulos, Scruton lecionou por mais de duas décadas na Universidade de Londres, Birckbeck, além de ter sido professor visitante em instituições de prestígio como as universidades de Oxford e Saint Andrews. Nessa nova obra, as surpresas não serão poucas, a começar pelo fato de que o próprio termo “conservador” não costuma figurar nos debates sobre meio ambiente senão como o inimigo a ser combatido. Segundo a cartilha do ecologismo vigente, o conservadorismo é “a ideologia do livre-mercado”, do consumismo desenfreado e do crescimento desregulado, que seriam precisamente as forças responsáveis pela devastação ecológica. Partindo dessas convicções, boa parte dos movimentos ecológicos, desde a segunda metade do século 20, está comprometida com uma visão de mundo que antagoniza o mercado, que privilegia pesados sistemas de regulamentação governamental como mecanismo de proteção ambiental e que concebe o Estado como guardião e executor mais apropriado para essa tarefa. Eis o ecologismo que Scruton identifica com um tipo de mentalidade igualitarista, inclinado às equalizações sociais por meio do poder estatal e classicamente associado às esquerdas.

  Foto: SERGIO MORAES | REUTERS

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Não é preciso recorrer a profundos e abstratos argumentos filosóficos para ver os pontos fracos dessa posição. Basta considerarmos o caso brasileiro: dispomos de uma legislação ambiental vasta e complexa, tida por alguns especialistas como das mais completas do mundo; barreiras e restrições de implementação e controle dos governos abundam; o Estado tem responsabilidades ambientais que vão do controle de agrotóxicos à “preservação de patrimônio cultural”, o que inclui o meio ambiente. Nada disso, no entanto, garantiu que os resultados desejados – e, frise-se, compartilhados por conservadores e progressistas na busca da preservação ambiental – fossem atingidos satisfatoriamente. O caso da Baía de Guanabara ilustra bem o ponto: os compromissos dos governos, assim como o planejamento e a execução estatais, não impediram que, ao longo de mais de 20 anos, perto de R$ 10 bilhões fossem gastos com o nobre propósito de despoluir a baía sem que chegássemos perto disso. De resto, como enfatiza Scruton, hoje sabe-se que o século 20 testemunhou, com os regimes socialistas da União Soviética e do Leste Europeu uma combinação de estatismo centralizador e repulsa ao mercado que resultou em desastres ambientais cujos efeitos ainda sentimos.

Examinando as propostas e as soluções de perfil estatizante e centralizador, Scruton é convincente em mostrar ao leitor que elas frequentemente estão afastadas da realidade direta de quem conhece os problemas, são decididas de cima para baixo por uma burocracia pouco transparente e são pródigas em externalizar os custos, isto é, transferir a outros setores da sociedade e até mesmo a gerações futuras o ônus da degradação ambiental.

Isso não significa, contudo, que o autor favoreça simplesmente uma visão mercadológica como solução para os dilemas ambientais: Scruton condena no livro igualmente a “supervalorização ideológica do mercado como o único remédio para os problemas sociais e econômicos”, para usar a formulação de outro filósofo britânico, John Gray. A simples adesão às “leis de mercado” opera perfeitamente nas práticas das “madeireiras que devastam uma floresta tropical ou dos fabricantes de refrigerantes que produzem milhões de garrafas plásticas todos os dias” e que estão destruindo o meio ambiente. Novamente, vale a pena pensar no contexto brasileiro. O maior desastre ambiental do País, o rompimento da barragem de Mariana (MG), foi causado por negligência gananciosa por uma companhia privada, a Samarco, cujos diretores explicitamente falavam em esconder estudos sobre uma hipotética ruptura da barragem “a menos que fossem obrigados por força de lei”. Dizer que o resultado foi “trágico” chega a ser uma ofensa à memória dos que morreram em Bento Rodrigues.

O grande mérito de Filosofia Verde reside nessa capacidade do autor para fazer distinções sofisticadas, reconhecendo acertos e erros de diferentes posições filosóficas e políticas no conflagrado terreno do ecologismo. É graças a essa capacidade que Scruton consegue articular uma concepção de conservadorismo que reivindica a liberdade individual e o valor do mercado como forma de organização das informações econômicas, mas reconhecendo a necessidade de inscrevê-los em um estado de direito e em um sistema de controle público; que atribui ao Estado e às leis a tarefa de fomentar nos indivíduos as “motivações” para agirem livremente tendo em vista a preservação do patrimônio. São as experiências dos indivíduos e das comunidades locais, e não da burocracia estatal ou das grandes corporações privadas, que podem nos oferecer um sentimento de pertencimento ao espaço em que vivemos e que podem cultivar a convicção de que temos o dever de preservar o que herdamos e legar para as próximas gerações esse patrimônio.

Scruton sintetiza essas experiências e essas motivações na palavra grega oikophilia, “o amor que se tem pelo lar”, e que incluem desde nossas lealdades locais até nossa inclinação para a contemplação da beleza natural. São esses valores, tipicamente conservadores na tradição inglesa, que podem orientar uma política conservadora para o meio ambiente. Talvez não sejam, na prática, menos utópicos que o dos ambientalistas mais radicais que o autor critica, dadas as complexidades de uma sociedade capitalista globalizada. Mas que encontraram um porta-voz à altura do ideal a ser realizado, quanto isso, a escrita e o pensamento de Scruton não deixam dúvidas.

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EDUARDO WOLF É DOUTORANDO EM FILOSOFIA PELA USP, TRADUTOR E JORNALISTA. É ASSISTENTE DA CURADORIA DO FRONTEIRAS DO PENSAMENTO

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