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Paciência esgotada

Como um jovem virou com seu discurso a multidão da praça contra o presidente ucraniano, que fugiu

Por RICHARD BALMFORTH e REUTERS
Atualização:

Quando a história da sangrenta turbulência na Ucrânia for escrita, um jovem de 26 anos que aprendeu a combater como cadete do Exército poderá ser lembrado como aquele que levou Viktor Yanukovich a decidir abandonar a presidência e fugir.Motoristas buzinam para ele e transeuntes apertam a mão de Volodymyr Parasiuk. O cara com rosto de menino ainda fica constrangido ao ser chamado de herói. Ele reserva esse título para seus camaradas e os demais manifestantes entre os cerca de 80 mortos nas ruas da capital na semana retrasada, durante três dias de choques com a polícia de Yanukovich.Mas foi Parasiuk quem, depois que líderes da oposição assinaram um acordo negociado pela UE com Yanukovich para pôr fim ao conflito, assumiu o microfone na noite daquela sexta, 21, para virar a multidão contra o acordo. Com o ex-campeão de boxe e líder da oposição Vitali Klitschko observando com expressão pétrea, Parasiuk, da cidade de Lviv, oeste do país, improvisou um eletrizante discurso denunciando a oposição por "apertar a mão do assassino".Ninguém, disse ele, está disposto a esperar até o fim do ano por uma eleição. Yanukovich teria de abandonar a cidade até a manhã seguinte ou enfrentar as consequências. Para surpresa dos líderes da oposição, o emotivo discurso - Parasiuk fez várias pausas ao lembrar dos companheiros mortos - ressoou com força entre os milhares de pessoas na Praça Maidan, que responderam com rugidos de aprovação."Os líderes da oposição disseram que concordaram com a realização de eleições antecipadas em dezembro. Isso esgotou a última gota de paciência do povo ucraniano", afirmou Parasiuk em entrevista à Reuters. "As emoções estavam à flor da pele, tínhamos perdido muitos companheiros. De repente, os políticos dizem que 'Yanukovich vai permanecer na presidência e novas eleições serão convocadas'. Tenho uma posição clara. Yanukovich é um terrorista, o maior terrorista da Ucrânia."Apoiada pela intervenção direta de três ministros da UE, vindos da Alemanha, Polônia e França, a oposição ucraniana tinha assinado um acordo que parecia atender a muitas de suas demandas. Eleições seriam convocadas antecipadamente, um governo de união nacional seria formado e a Constituição retornaria a uma versão anterior, privando Yanukovich do controle sobre a nomeação do primeiro-ministro e a composição do gabinete e devolvendo esses poderes ao Parlamento. Quase imediatamente, o Parlamento, no qual o poder de Yanukovich se enfraqueceu devido à deserção de membros do seu Partido das Regiões, começou a converter em lei essas propostas.Aqueles que viram Yanukovich assinar o acordo o descrevem como contrariado com as concessões que fora obrigado a fazer e consciente do risco que corria. "Sua aparência não era mais tão invencível e indiferente. Não parecia assustado, mas inseguro", afirmou uma testemunha da assinatura.Klitschko e outros membros da oposição já tinham falado de seus feitos na busca por um acordo viável. Mas a Praça Maidan respondeu de maneira ambígua, com vaias e assovios. Foi a deixa que Parasiuk esperava. Enquanto a multidão trazia ao palco os caixões das vítimas, ele, com a voz entrecortada, tomou o microfone. "Nós, as pessoas comuns, estamos dizendo aos políticos que nos apoiam: Yanukovich não vai passar outro ano na presidência", bradou. "Nossos irmãos foram mortos e nossos líderes apertam a mão desse assassino. É uma vergonha. Ele deve partir até as 10 horas da manhã de amanhã." Yanukovich, de fato, partiu na noite daquela sexta para Kharkiv, onde apareceu sábado e divulgou um pronunciamento pela TV no qual dizia ainda ser presidente.Demandas. Sentado ao lado da namorada, Iryna, Parasiuk, dono de um sorriso sincero, disse ter participado "ativamente" dos enfrentamentos com a polícia, mas não quis descrever as armas que empregou. Ele defendeu o poder do movimento Maidan com a paixão de um revolucionário francês do século 18.Indagado sobre quando as barricadas serão removidas em Kiev, Parasiuk respondeu: "Se o Maidan se dispersar, os políticos deixarão de ter medo. Não vamos a lugar nenhum. Não permitiremos uma repetição de 2004", ele afirmou. Foi uma referência à Revolução Laranja de 2004-5, que impediu a primeira tentativa de Yanukovich de se instalar na presidência, mas produziu governos que ruíram em meio a conflitos internos e permitiram a ascensão dele em 2010.Parasiuk mandou a clara mensagem à liderança emergente na Ucrânia de que ela tem de agir com cautela numa transição pacífica para a era pós-Yanukovich. As novas autoridades precisam entender que o poder real está com o Maidan, não com os 450 representantes parlamentares, advertiu. "A declaração que fiz no palco tinha um objetivo: dizer à oposição que, se não atender às nossas demandas, as coisas serão de acordo com a nossa vontade, não com a dela. Simplesmente dissemos: senhores, ajam de maneira decisiva; caso contrário, nós o faremos." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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