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Para inglês não ver

Seguindo uma tendência das democracias ocidentais, a Inglaterra restringe a pornografia online, cujos 24 milhões de sites têm 35% dos downloads

Por Paulo Nogueira
Atualização:

Essa semana, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, anunciou uma série de medidas legais para limitar no país o acesso à pornografia online. A ideia é tornar obrigatória a adoção pelos internautas de filtros de conteúdos. O principal alvo é a pornografia infantil. Coincidência ou não, as novas regras para a internet foram divulgadas no dia do nascimento do bebê real.

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Provedores de conexão, como a British Telecom, Virgin e Sky (que detém 95% das conexões na Grã-Bretanha) já oferecem a ferramenta de filtragem prévia para novos clientes. A partir de agora, a barreira será ativada automaticamente em todos os contratos privados de internet. Os 19 milhões de lares britânicos que já possuem acesso online serão consultados até o final de 2014 para autorizar a adesão ao filtro antipornografia.

Já no dia seguinte, David Cameron reconheceu alguma desorientação. Hesitantemente, o primeiro-ministro disse "não acreditar" que pornografia escrita, como o romance erótico 50 Tons de Cinza, seja proscrita pelas novas leis. Com certo constrangimento, admitiu que, com a introdução dos filtros, um marido terá de informar à mulher que quer consumir pornografia.

De qualquer forma, a decisão britânica reflete uma tendência nas democracias ocidentais. No mês passado, também a Islândia anunciou restrições à pornografia na internet. Isso mesmo, a Islândia, uma das nações de costumes mais liberais do mundo: no relatório de 2012 do World Economic Gender Gap, que compara a igualdade sexual em 135 países, ela ficou em primeiro lugar. Mais: a primeira-ministra islandesa, Jóhanna Sigurðardóttir, é o primeiro caso de uma chefe de governo assumidamente homossexual. Na Islândia, 65% das crianças nascem fora do casamento – e todas recebem educação sexual nas escolas.

Portanto, não se pode falar em puritanismo obscurantista. Banir a pornografia online é mais um passo da Islândia para regular a indústria do sexo. Em 2009 o Parlamento aprovou multas e penas de prisão para quem promova a prostituição. Em 2010, foram proibidas as casas de strip-tease. Lá, desde 1869 é ilegal distribuir e vender pornografia.

Todos reconhecem que é preciso não moralizar a questão – desde que entre adultos consensuais. De fato, apesar de perpetuar a espécie e de toda a permissividade contemporânea, o sexo ainda é um tema melindroso, por vezes rodeado de hipocrisia. Como observou o grande teatrólogo inglês Kenneth Tynan: "Nossos críticos ainda acham difícil publicar a seguinte opinião: ‘Este espetáculo merece ser visto porque me deu uma ereção’". Obras-primas da literatura foram anatematizadas como pornográficas. Entre elas, Trópico de Câncer, de Henry Miller, que o brilhante poeta Ezra Pound elogiou assim: "Enfim, um livro impublicável que é legível".

O próprio conceito de "pornografia" é controverso, volta e meia confundido com "erotismo". Segundo a maior autoridade mundial no assunto, o historiador francês Sarane Alexandrian, "ninguém consegue explicar a diferença, porque ela não existe. A pornografia é a descrição pura e simples dos prazeres da carne; o erotismo também, só que em função de uma ideia do amor ou da vida social. Tudo o que é erótico é necessariamente pornográfico".

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Mais um sinal de que o tema é pantanoso foi a decisão do Google, anunciada no mês passado, de proibir aplicativos pornô em seus óculos com conexão para a internet, o Google Glass. O colosso das buscas online alterou sua Política de Conteúdo, cujo primeiro parágrafo agora diz: "Não permitimos que os Glasswares (apps do óculos da empresa) contenham nudez ou atos sexuais. Temos uma política de tolerância zero contra a pornografia infantil. Denunciaremos os prevaricadores às autoridades e apagaremos suas contas Google".

A internet tem sido boa para a pornografia, que prolifera na web exponencialmente. A rede proporcionou vantagens inéditas para os consumidores de "conteúdos adultos". Entre elas, a possibilidade de ligação, em tempo real, a qualquer parte do mundo – desde a simples transmissão de mensagens à visualização e audição, mediante microfones e webcams. Mais importante, o internauta desfruta de privacidade e anonimato, na própria casa. Num chat room anônimo pode-se mudar de nome, de nacionalidade, de cor dos olhos, de idade, de sexo... Mais do que inovação, é uma revolução.

Os especialistas acreditam até que a libido coletiva foi uma das razões principais para a popularidade meteórica da internet. Porém, se é evidente a expansão da pornografia online, não é fácil calcular seu tamanho real, ou quanto a indústria do sexo fatura com isso. Deve-se incluir no cálculo sites pagos e gratuitos? Os números muitas vezes não são confiáveis por que a questão dos direitos (fotos, filmes) é equívoca – milhões de imagens são simplesmente escaneadas de revistas ou outros sites. Vídeos, idem.

Mas, cada vez mais, surgem indicadores seguros. Um deles é o Forrester, que faz análises eletrônicas. Segundo essa fonte, em 1998 as receitas com a pornografia online rondavam os US$ 750 milhões. Em 2006, a cifra pulou para US$ 4,9 bilhões anuais (US$ 2,84 bilhões só nos EUA). Em 2010, um estudo da Online MBA indicou que 12% de todos os sites são pornográficos – ou seja, 24.644.172 de sites. A cada segundo, 28.258 internautas estão vendo pornografia. A cada segundo, US$ 3.075,64 são gastos em conteúdos adultos; 2,5 bilhões de e-mails diários têm conteúdo pornográfico (9% do correio eletrônico); 35% de todos os downloads na internet são pornográficos (1 bilhão por mês); e 25% das buscas online (Google, etc.), ou 65 milhões de buscas diárias.

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O formato mais comum de conteúdos adultos é um índice de pequenas fotos com links para as galerias – os chamados TGP, Thumbnails Gallery Post. Neles, o internauta obtém uma primeira impressão do conteúdo fornecido pelo site – mas sem pagar por ela.

A maioria dos consumidores de pornografia online é de homens. Mas o interesse das mulheres está aumentando: nos últimos anos saltou de 1/4 para 1/3 do total. Entretanto, elas ainda constituem apenas 2% dos clientes de sites pagos. Além disso, assinantes com nomes femininos são assinalados como "potenciais fraudes em cartão de crédito", porque muitas das demandas decorrentes "são de esposas ou mães exigindo reembolso por uso indevido de seus cartões".

Em todo o mundo, 70% dos homens de 18 a 24 anos visitam no mínimo um site pornô numa semana típica. Um relatório de 2008, da Nielsen Online, informava que 1/4 dos empregados masculinos consomem pornografia online durante o expediente. Em 2012, segundo a AVN Online Magazine, os picos de afluência aos sites pornô já eram mais altos nos horários comerciais que em qualquer outra altura do dia. Isso é que é brincar em serviço!

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Os maiores problemas da pornografia online são a exposição involuntária e, sobretudo, a pornografia infantil (combustível da pedofilia). Se 47% dos internautas consomem conteúdos adultos, em uma altura ou outra, 34% já foram submetidos à pornografia não solicitada (pop ups, spams, e-mails, etc.). A idade média da primeira exposição à pornografia não solicitada é de 11 anos. Atualmente, existem cerca de 100 mil sites oferecendo pornografia infantil ilegal. Diariamente, ocorrem 116 mil buscas de conteúdo pornô com menores de idade.

A internet alterou radicalmente o modo como a pornografia infantil é reproduzida e difundida. Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, o resultado foi "um aumento maciço na disponibilidade e volume da pornografia com menores de idade." Estatísticas recentes indicam que 25% de toda a pornografia online envolve crianças – e desde 1997 o número de imagens com menores cresceu 1.500%. Um único criminoso detido no ano passado na Inglaterra possuía 450 mil imagens de pornografia infantil. E um único site especializado em sexo com crianças recebe 1 milhão de acessos por mês.

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Muito do tráfico de pornografia infantil ocorre em níveis ocultos da web, criptografados. Estima-se que existam entre 50 mil e 100 mil pedófilos implicados na pornografia organizada. Câmeras digitais e distribuição online, facilitada pelos cartões de crédito e pela transferência de imagens através de fronteiras nacionais, simplificaram o acesso dos pedófilos a pornografia infantil. Em 2007, a Internet Watch Foundation informou que a pornografia infantil online está se tornando mais brutal e gráfica. Cerca de 80 % das crianças abusadas, fotografadas e filmadas são meninas, e 91% têm menos de 12 anos. Multiplicam-se também as imagens de pré-pubescentes sendo estuprados. Um panorama catastrófico, e difícil de combater, até pela natureza volátil da internet, precisamente o que a torna um meio de comunicação pluralista e libertário.

A web é uma rede planetária, mas não existe nenhuma legislação internacional regulamentando seu uso. Cada país lida com os conteúdos adultos da própria maneira. Nos EUA, por exemplo, se o ato exibido é legal na jurisdição do distribuidor, não há violação da lei – mesmo que tal conteúdo seja acessível em países onde ele é ilegal. Devido à dificuldade de criminalizar a pornografia na internet, algumas nações que proibiram ou restringiram severamente o acesso aos conteúdos pornô adotaram outras medidas – como os filtros de conteúdo. E já existe uma Association of Sites Advocating Child Protection (ASACP), que emite um selo atestando que tais sites impedem o acesso de menores e não publicam pornografia infantil (o selo é reconhecido pelos filtros, que então autorizam o acesso do internauta).

Ainda nos EUA, a maioria dos sites pornográficos exibe uma nota em suas homepages indicando que cumpre a 18 USC Section 2257, norma que exige a manutenção de registros sobre a idade das pessoas que figuram nas imagens.

Como indicam os casos do Reino Unido e da Finlândia, tais restrições tendem a aumentar, para combater o flagelo da pornografia infantil. Ainda bem. Mas, de novo, convém ir devagar com o andor das cruzadas excessivamente virtuosas. Afinal, como já alertava Nelson Rodrigues, "se todo mundo conhecesse a intimidade uns dos outros, ninguém se cumprimentava na rua".

* PAULO NOGUEIRA, JORNALISTA E ESCRITOR, É AUTOR DE "O AMOR É UM LUGAR COMUM" (INTERMEIOS)

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