Pauliwood cai na real

A embalagem continua ostensiva, mas festival ganha mais estofo em sua terceira versão

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Por Redação
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Visibilidade. O hoje menos maratônico carpete vermelho leva a um teatro que ‘se reportaria à arquitetura grega clássica, porém sem impedir diálogo com ideias arquitetônicas modernas’

 

 

 

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"Ça va, Monique?"

 

Por hábito, ofício ou sobrevivência, Oswaldo Pereira é cheio de intimidades. E de multiplicidades. Dirige, redige, comercializa, fotografa e estrela a InfoNews, "revista com conteúdo voltado para o social". Está alvoroçado com o evento de logo mais: a cerimônia de abertura do III Festival Paulínia de Cinema. Babenco vai revê-lo, enfim. Conheceram-se durante as gravações de Pixote, onde Oswaldo fez ponta como um dos garotos da Febem. Tempos depois, quando filmava Carandiru, o argentino receberia do mesmo Oswaldo a story line de um filme de impacto.

 

"O tema fala-se: Glórias Eternas versus Caminhos da Morte", introduz o autor. "É a história de um jovem dependente adotado por um pastor que se apaixona pela filha do religioso e se torna jogador de futebol", explica. "Ele tem um rival, o filho do presidente do clube, que não somente tem uma torcida organizada, a Garotos da Morte, como uma fábrica de bolas para exportação, recheadas de pasta de cocaína", respira. "O Bad Boy arma para o jogador talentoso, colocando cocaína no vestiário dele, mas durante uma guerra de torcidas sofre uma overdose", insiste. "Enquanto o good guy paga a pena, arrebenta em campo e é vendido para o exterior, o Bad Boy cai em si, pede ajuda para o pastor, se redime e passa por uma clínica de desintoxicação", continua. "É um roteiro como o do Edinho, sabe?"

 

Babenco disse que futebol não era bem a praia dele. Oswaldo então apresentou a story line para o roteirista e diretor Jorge Durán, com um acréscimo na vida do jogador talentoso envolvendo um pai desaparecido que implanta um sistema de irrigação num deserto sequioso no coração do Brasil. Durán disse que gostou, mas o argumento meio que ficou sem argumentação. Oswaldo decidiu, então, se estabelecer em Paulínia, onde formou grupos de teatro em igrejas voltadas a um sistema evangelístico por meio da encenação. No paralelo, passou a fazer colunismo social em jornais alheios até criar uma revista 100% sua e de Jesus. "Assinei aliança com Ele, por isso sempre trago um versículo bíblico no meu editorial."

 

A edição de junho vem com "Jesus é o Deus forte e a minha fortaleza". Na capa, Oswaldo Pereira sorri ao lado da galega Bruna Lombardi, que passou o mês de maio em Paulínia filmando parte de Onde Está a Felicidade, dirigido pelo marido, Carlos Alberto Riccelli. Bruna faz uma mulher que, após perder o emprego e findar o casamento, decide empreender uma peregrinação. O filme está entre as 20 produções que a Secretaria de Cultura da cidade pretende financiar neste ano. De julho de 2009 até abril de 2010, ou seja, em pouco mais de dez meses, mais de dez filmes já foram beneficiados pelas diretrizes do Polo Cinematográfico da cidade. Há contrapartidas, entre elas que 40% do tempo total das filmagens se passe em Paulínia, sendo que 15% pode ser rodado nos arredores da cidade, desde que a base da produção esteja no Polo. E que 50% do valor total recebido também seja gasto com mão de obra e prestação de serviços local. "Tem muito mais Paulínia em cartaz do que você reconhece", diz Ivan Melo, diretor do Departamento de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Cultura.

 

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Nobreza. Interior do Theatro Municipal Paulo Gracindo, de Paulínia, com suas 1.300 cadeiras e palco de 15 m de boca de cena por 7,5 m de altura

 

 

Ivan também é diretor e curador do festival e é ele quem resgata Hector Babenco do frio cortante à porta do Theatro Municipal Paulo Gracindo. O cineasta se vê cercado de microfones locais e da equipe do CQC, também clicada pelos colegas como peça de destaque. Babenco pergunta se há, entre os fotógrafos, algum de revista agrícola. Ninguém assimila a piada do argentino. Ele sobe os 14 degraus vermelhos ao lado de Bárbara Paz, jurada do festival, que luta contra a ventania para manter o cabelo em riste.

 

Rubens Ewald Filho resiste. Guru do evento, é assediado para que explique a importância de um núcleo de cinema como esse. "Ele traz uma perspectiva internacional para os jovens", lembrando que o Polo Cinematográfico já é conhecido no estrangeiro. Cá dentro os estúdios deram forma a Chico Xavier - O Filme, que transbordou os 4 milhões de espectadores em Terra. "Sabe-se lá mais quantos no outro plano", diria Lázaro Ramos na abertura do festival dali a pouco. Rubens, ainda cá fora, alfineta quem insiste em horizontes pequenos: "Pra que fazer remakes, por que insistir no Bem Amado?"

 

O Bem Amado de Paulínia - hoje já nem tanto, pelo processo de cassação que tramita no STJ - era o prefeito Edson Moura, do PMDB. Teria sido dele (e/ou da equipe) a ideia do carpete vermelho maratônico, que saía da prefeitura e chegava ao Theatro numa pista de 90 metros ladeada por arquibancada. Maior que os red carpets de Veneza e Cannes juntos, perdia apenas para os 150 metros do Oscar. Combinava com a opulência dos monumentos da cidade, um vislumbre de pujança do prefeito. O Theatro Municipal Paulo Gracindo, por exemplo, é fruto do desejo de Moura de "se reportar à arquitetura grega clássica, porém sem impedir o diálogo com as ideias arquitetônicas modernas". Dispensam-se placas para localizar suas seis colunas gregas no meio da campina. Por dentro, é uma Sala São Paulo escrita, mesmo porque o engenheiro é o mesmo: Ismael Solé. As salas discordam entre si pelo cedro-rosa de Paulínia, a mesma madeira utilizada na fabricação de instrumentos de corda. A prefeitura gastou três anos e cerca de R$ 53 milhões para levantar uma estrutura com capacidade para 1.300 cadeiras, que miram um palco de 15 metros de boca de cena por 7,5 de altura, iluminado por 500 refletores mais dois canhões de luz. Nos bastidores, 30 salas abrigam camarins, montagem de cenários, espaço para entrevistas, salão para maquiagem e recinto para costura de figurinos.

 

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A fim de construir uma identidade menos Pauliwood, o carpete foi solapado à metade neste ano. A arquibancada veio abaixo e os convites para a cerimônia de abertura chamaram menos estrelas globais e mais produtores. Um vídeo reuniu depoimentos de gente do cinema que já usufruiu do Polo, com elogios do calibre de "a experiência mais inteligente no Brasil desde sempre". O céu quase permanentemente azul com poucas nuvens esparsas foi destacado, além do fácil acesso por estradas e aeroporto.

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Estivesse isolada do mundo, a Região Metropolitana de Campinas, onde se insere Paulínia, ainda abarca outras 18 cidades, o que significa 4 milhões de pessoas com potencial considerável de consumo. Bem verdade que Paulínia não tinha outro cinema que não o Theatro até o mês passado, quando foram abertas duas salas no Paulínia Shopping, atualmente com filmes americanos em cartaz. Ainda assim, Paulínia sofre. A cidade com o sétimo maior PIB per capita do País padece de falta de emprego, já que quem não trabalha na prefeitura é concursado da Petrobrás. Serviços escasseiam. As equipes perceberam que não é tranquilo repousar na cidade, desabastecida de hotéis, bares e restaurantes. O Pólo veio ao mundo para isso.

 

Babenco está nesse momento elogiando a tocha olímpica que a cidade empunhou no sentido de valorizar o artista como cidadão de primeira categoria. Lembra que O Beijo da Mulher Aranha foi filmado na época de Copérnico, com tudo feito na base do artesanato. "Inclusive quis que fosse falado em inglês porque achava que só assim podia colocar a perna fora do charco", assume. Logo depois da fala curta do prefeito José Pavan Júnior, do DEM, insistiu na imagem da tocha: "Que ela continue na próxima gestão".

 

Lá embaixo, na plateia, Oswaldo Pereira aguardava seu reconhecimento depois de 30 anos. Babenco desceu e apurou o olhar. "Tira o chapéu", disse. Os dois se abraçaram, e Oswaldo fez a foto de marketing que lhe garantirá publicidade na próxima edição. Aliás, tem uma revista saindo quente da gráfica também em homenagem ao argentino, mas na carta ao leitor Oswaldo deixou passar um Francisco Ramos da Silva, em vez de Fernando Ramos da Silva, ao mencionar o personagem-título de Pixote morto por policiais em 1987, seis anos depois da estreia do filme. "Vou ter de pagar esse mico para o Babenco", reconhece tragicamente, com dor na alma.

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