Pauta indefinida

Entre discutir descontrole de ministro e advogado, é melhor discutir a falta de controle sobre o STF

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Por Rubens Glezer
Atualização:
BRASILIA/DF 11-06-2014 NACIONAL STF Luiz Fernando Pacheco pedia urgência na análise do pedido de prisão domiciliar do petista condenado no mensalão e presidente do STF chamou a segurança para retirar o advogado Foto: Reprodução

Diante de acontecimentos relevantes, é possível realizar análises centradas sobre pessoas, fatos ou ideias; mas nem todas são igualmente profícuas. A expulsão do advogado de José Genoino pelos seguranças do Supremo Tribunal Federal por ordem do ministro Joaquim Barbosa é um belo exemplo de como um incidente polêmico pode ensejar uma reflexão mais profunda sobre a qualidade democrática de nossas instituições.

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É certamente possível se ater ao perfil psicológico dos envolvidos, suas estratégias pessoais, manifestações públicas, bem como santificar e demonizar quem melhor lhe aprouver, mas há pouco ganho nisso para além da mera curiosidade. Além disso, os fatos importam, mas nos levam a conclusões limitadas. Pouco pode ser derivado da confirmação de que o regimento interno do STF realmente estabelece a prioridade de causas criminais, sobretudo daquelas em que os réus estão presos, tal como sustentou o advogado. Quase nada também se infere apenas do fato de o advogado ter insistido em permanecer se dirigindo ao tribunal mesmo após a indicação de que o pedido havia sido compreendido, sem dar sinais de quando ele abriria espaço para que o tribunal retornasse a suas atividades. 

Qualquer impostação relevante depende da articulação dos conceitos e concepções que estão no pano de fundo dos incidentes. Há muito a ser dito a respeito da relação entre advogados e juízes, sobre o papel das entidades de representação desses agentes na esfera pública. É também uma entrada importante para a questão dos efeitos perversos da superpopulação carcerária brasileira, cuja massa é formada por quem esteve toda a vida abaixo da lei: os invisíveis, excluídos e demonizados da sociedade. Todos esses são debates relevantes, mas eu gostaria de abordar um tema que tende a ser esquecido: a qualidade do controle democrático sobre o Supremo Tribunal Federal.

Controle democrático é um termo ambíguo (para dizer o mínimo), e preciso ser mais claro sobre meu enfoque. Entre tantas abordagens possíveis de ampla repercussão, entendo que um tema central está sendo relegado a segundo plano: como o STF estabelece sua pauta de julgamento, ou seja, como decide quando e o que vai levar a julgamento. 

Um modo de compreender a manifestação do advogado de José Genoino vai justamente nesse sentido: um pedido por mais transparência na pauta do Supremo. No modelo vigente, cabe à presidência do STF indicar quando e quais processos deverão ser julgados pelo plenário. Essa informação é disponibilizada no site do tribunal com apenas uma ou duas semanas de antecedência. Isso parece ser um problema leviano, mas não é. O que está em jogo é a capacidade da comunidade de ter os meios adequados para compreender e ser capaz de criticar como a pauta é fixada.

O STF precisa fornecer publicamente os critérios que orientam sua pauta. Esse é um problema que atinge não só advogados, mas também ONGs, entidades de representação, empresas de todo porte e até o próprio poder público. Os transtornos não são apenas o de comprar passagens de última hora para Brasília. Muitas vezes isso afeta a articulação social e política em torno do tema. Casos parados há décadas são repentinamente colocados em pauta, sem que haja contexto para circulação adequada de razões na esfera pública. 

Certamente o presidente do STF possui critérios e parâmetros para selecionar os casos que serão julgados pelo plenário. Porém se esses critérios não são públicos e nem divulgados com antecedência, não é possível criticá-los adequadamente. E a crítica argumentativa é o principal meio de controle da população sobre juízes, que não estão sujeitos ao escrutínio eleitoral. É por esse motivo que a publicidade da pauta de julgamento do STF é na verdade uma questão de controle democrático.<EM>

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No cerne desse problema está o papel do presidente do STF. Em termos de desenho institucional, a função é rotativa e o mandato é de dois anos. Esse é um bom modelo porque impede que a pauta seja fixada por alguém que o presidente da República tenha nomeado especificamente para o cargo. Em termos de cultura jurídica e idiossincrasias, não há uma disputa política entre os ministros: é eleito o ministros mais antigo, que ainda não tenha ocupado a presidência do Supremo. Essa é uma prática que parece inocente, mas que traz dificuldades. 

Essa regra da boa vizinhança para a eleição da presidência contribui para a harmonia e não estimula a formação de grupos e coalizões de poder no STF. Por outro lado, o presidente exerce sua função sem que tenha que prestar contas a seus pares e à população a respeito de qual será a sua política jurisdicional durante o mandato. Com toda a atenção atraída pela aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa, a ocasião é adequada para repensar os compromissos públicos que o novo presidente do STF deve assumir. Entre discutir o descontrole do ministro e do advogado, é melhor discutirmos a falta de controle sobre o STF.

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Rubens Glezer é um dos coordenadores do Centro Supremo Em Pauta da FVG Direito SP

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