Peça explora relação ambígua dos artistas Edgard Degas e Mary Cassatt

Obra do dramaturgo Christopher Ward aborda as contradições da relação entre os pintores impressionistas

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Por Laura M. Holson
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Em 2014, Christopher Ward visitou uma exposição de arte que explorava o relacionamento entre o impressionista francês Edgard Degas e a artista americana Mary Cassatt. Os dois eram inseparáveis no final dos anos 1870. Tinham estúdios a poucas quadras um do outro em Paris e se encontravam com frequência quando estavam na cidade. Ward, um dramaturgo, ficou apaixonado pela dupla. “Olhei para minha mulher e disse: ‘Isso dá uma peça’.”

'Menina Pequena em uma Poltrona Azul' (1878), de Mary Cassatt Foto: Musée d'Orsay

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Os Independentes, de Ward, que estreou quinta-feira no Jerry Orbach Theater, em Manhattan, aborda as relações entre os dois artistas no fim dos 1870. “Sempre adorei Mary Cassatt”, afirmou Ward. Como outros escritores antes dele,Ward tinha curiosidade sobre a dinâmica entre os dois artistas. Sobrou pouca coisa escrita sobre Cassatt, uma mulher solteira que se mudou para Paris em 1866 para pintar. Degas também não era muito de escrever. Entretanto, historiadores concordam que eles tiveram um dos mais significativos relacionamentos entre artistas da época.

“Degas a desafiava e adorava seu entusiasmo”, disse Kimberley Jones, curadora da mostra de pintura francesa do século 19 na National Gallery of Art, de Washington, visitada por Ward em 2014.”Ela não tinha medo de nada. Os dois se provocavam. O que Cassatt gostava em Degas era que ele vinha sempre com uma novidade.”

Como foi que a filha de um americano operador na bolsa viria a se relacionar com um artista francês burguês e além de tudo grosseirão? Degas soube da existência de Cassatt, conhecida por seus quadros sensíveis de mulheres e crianças, em 1874, segundo historiadores. Ele estava circulando pela exposição de primavera no Salon de Paris quando viu um quadro de uma mulher de vestido azul.

Segundo a historiadora de arte Nancy Mowll Mathews, Degas olhou para a pintura e disse: “Isso é de alguém que sente como eu sinto”. A obra, claro, era de Cassatt. “Essa era uma história que ela contava sempre”, disse Mathews, que escreveu sobre a artista. Foi somente em 1877 que os dois vieram a se encontrar. Cassatt conhecia a obra de Degas e admirava seu uso de tons pastel. Nessa época, Degas e um grupo de artistas, incluindo Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir e Camille Pissaro haviam se incoporporado nos Impressionistas. Cassatt e Degas foram apresentados por Josehp-Gabriel Tourny, artista que conheceu Cassatt quando ela visitou Antuérpia em 1873.

Apesar de pertencerem a dois continentes, Cassatt e Degas tinham muito em comum. Nenhum dos dois era casado. A mãe de Degas era dos Estados Unidos e seus dois irmãos casaram-se com americanas e moravam em New Orleans.

“Degas vivia rodeado de americanos”, disse Mathews. “Ele gostava de ter em volta pessoas como ele e as atraia para suas ideias. Cassat foi uma de muitos chegaram ao círculo Impressionista por meio de Degas.” Eles até pensaram em excursionar juntos pelos EUA, segundo Mathews.

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Em 1877, Cassatt se juntou aos Impressionistas – um convite bem-vindo, pois artistas mulheres não podiam confraternizar com homens em cafés. Mesmo mulheres solteiras tinham de estar na companhia de um homem.

Degas influenciaria o trabalho de Cassatt. A garota no quadro de Cassatt Menina Pequena em uma Poltrona Azul, por exemplo, era filha de um amigo de Degas. Ele também a aconselhava sobre fundos de quadros e chegava a dar umas pinceladas.

O quanto Cassatt apreciava essa ajuda é matéria de debate. “Ela o considerava o maior artista da época”, disse Mathews, “e ficava lisonjeada pelo interesse dele em seu trabalho.” Ward, porém, tem uma aboradagem diferente, que explora na peça.

Ele passou quase um ano lendo textos e folheando cartas e concluiu que Cassatt, que valorizava seu próprio trabalho, teria se irritado com as intervenções de Degas. “Ele era um terror”, disse o dramaturgo. “Encontrei essa frase de Cassatt: ‘Você acredita que ele chegou a pintar em um quadro meu?’.”

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Seja o que foi que tenha acontecido, Cassatt expôs o quadro, ao lado de dez outros, em sua estreia com os Impressionistas, em 1879. Era o prenúncio de uma relação tanto de apoio quanto problemática. “Há muitos exemplos de coisas ofensivas que ele dizia a ela”, afirmou Mathews. “Ele chegou a dizer que ‘não acredito que uma mulher possa desenhar tão bem’.”

Degas criticava em Cassatt o estereótipo de uma americana em Paris, disse Mathews. Uma vez ele fez uma gravura dela no Louvre contemplando um quadro enquanto sua irmã lia um livro. “Essa gravura foi uma alusão à velha piada sobre turistas em museus consultando seus roteiros de viagem.”

No entanto, Degas prezava a relação dos dois. Cassatt aparece em várias obras do pintor representando parisienses ricas. “Acredito que uma das razões pelas quais ele gostava dela é que ela tinha um porte de jovem elegante. Ele procurava mostrá-la em seu verdadeiro hábitat.”

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Após a exposição impressionista de 1879, Degas queria criar um conjunto de pinturas explorando luz e sombra. Para trabalhar no projeto, intitulado O Dia e a Noite, ele recrutou seus amigos Impressionistas, incluindo Cassatt, com quem trabalhou proximamente. Eles passaram horas no estúdio um do outro explorando novas técnicas de pintura, entre elas o uso de tinta metálica.

“Eram inseparáveis”, disse Ward. “Em Mary, Edgard encontrou seu par.”

Mas em 1880, o projeto foi abandonado. Isso irritou a família americana de Cassatt, que àquela altura havia se mudado para Paris. “A mãe de Mary soltou o verbo em Degas”, disse Jones. “Ela achava que Mary deveria continuar pintanto e não perdendo tempo no projeto.” Entretanto, Cassatt continuou a administrar os negócios pessoais de Degas. No fim da vida do pintor, ela incentivou uma sobrinha de Degas a cuidar dele. Degas morreu em 1917. Cassatt morreu nove anos depois.

Seu relacionamento próximo, particularmente de 1877 a 1880, leva algumas pessoas a perguntar: teriam os dois chegado a ser amantes? Robin Oliveira, escritora de ficção histórica, explorou a ideia em seu romance de 2014 I Always Loved You: A Story of Mary Cassatt and Edgard Degas. “Vejo a possibilidade [de terem sido amantes] à medida que uma relação complexa ia evoluindo”, disse ela.

A maioria dos historiadores, porém, discorda. “Cassatt precisava de um distanciamento profissional para ser levada a sério’, disse Jones. “Do contrário, seria sempre vista como amante de Degas.”

Cassat era consciente de seu valor, a ponto de destruir regularmente cartas e quadros que pudessem diminuir sua posição como artista.

Ward, de sua parte, disse que eles eram espíritos próximos que tiveram a felicidade de se conhecer em Paris. “Quando se vê seus quadros lado a lado, ela está à altura dele”, afirmou. “É o que tento mostrar em minha peça. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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