Pedagogia do atraso

O tema da educação sempre surge em período eleitoral para cair no esquecimento logo depois

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Por Eduardo Portella
Atualização:
Eterna reivindicação. A educação, ou é de qualidade ou não é, diz autor Foto: LUIS CLEBER

Os períodos eleitorais costumam dedicar especial cuidado à educação. Um cuidado só proporcional ao esquecimento pós-eleitoral. Uns enfatizam a importância do ensino superior, do médio, do fundamental e prometem a multiplicação das creches. Até aí, nenhuma novidade. Mas se esquecem que, em matéria de educação, tudo é prioritário. Do pré ao pós. Chego até a imaginar que a pós-graduação começa no pré-escolar.

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No que diz respeito ao ensino médio, os indicadores oficiais e oficiosos apontam para acentuada perda de rendimento. Em 16 Estados houve substancial retrocesso. Permanecemos dessincronizados face à velocidade das mudanças.

As questões do acesso nos diferentes níveis precisam ser reprogramadas, alargando-se a interlocução entre professores e alunos. Sem esquecer dos empresários empreendedores. E daí configurando o novo desenho da profissionalização, capaz de atender à formação de quadros, em consonância com as atuais exigências da gestão pública e privada. Vem se tornando insuportável o déficit da gestão em um país que é candidato, até aqui reincidente, a vaga no mapa das potências emergentes.

O pré-requisito dessa jornada, realista ou apenas ambiciosa, é o compromisso da qualidade. A educação, ou é de qualidade ou não é. É o que venho chamando de uma pedagogia da qualidade. Seria uma redundância se não continuasse a ser uma questão em aberto. Somente a educação de qualidade, mais especificamente hoje, é capaz de promover a inclusão social. Caso contrário, distante do pacto qualitativo, ela não passará de um perigoso agente da exclusão social. A qualidade jamais é concebida abstratamente, sem chá e sem pouso, mero troféu de guerra. Ela é o ponto de encontro e de desencontro entre o conjunto de demandas historicamente enraizadas e as incertezas da vida cotidiana. Logo, depende de todos nós.

O papel e o lugar do professor não têm sido satisfatoriamente compreendidos. Ao lado da valorização profissional e remunerativa, seu exercício cotidiano necessita de condições de trabalho adequadas, de instrumentos técnicos atualizados, de laboratórios e bibliotecas convenientemente equipados.

Por isso mesmo reivindico, para o professor do nosso tempo, a condição de carreira de Estado, distante de vento e tempestades ocasionais. Como o caso da carreira de diplomata. O professor independe do diplomata. Já o diplomata não se habilita sem passar pelo professor. Sobretudo agora, quando a diplomacia cada vez mais funciona menos.

O professor deve ser visto e tratado como protagonista da frente comum da reconstrução nacional. E tendo em vista a diferença entre o país adiado e o país com os prazos vencidos. Eles quase nunca coincidem. O Brasil se encontra no primeiro caso. 

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Convém não negligenciar a interface estrutural entre educação e a cultura, hoje separadas em dois ministérios distintos. A educação é a cultura escolarizada, enquanto a cultura vem a ser a educação transescolar. Ambas aguardam, com certa ansiedade, o encontro, ou a parceria, entre o virtuoso e o virtual, transitando pelas grandes veredas e os pequenos sertões, o transitório e o transitivo, o endividamento e o controle.

A educação deve ser um projeto social vazado de interlocução intelectual, recorrendo à participação pública e privada, e mesmo ao intercâmbio criterioso de trocas materiais e capital simbólico. É altamente preocupante a deficiência operacional de nossa gestão administrativa, justamente porque têm faltado a ela educação e cultura. 

Há todo um esforço a ser desenvolvido, tendo como força motriz a vontade de transformação, inscrita na reinvenção da democracia, hoje abalada pela corrupção representativa alimentada pela fraude política, pela desqualificação do Estado, pela instabilidade econômica, pela globalização de mão única. Por todas essas razões, ou desrazões, as nossas contas educacionais permanecem no vermelho.

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Eduardo Portella é escritor, professor e advogado. Ex-ministro da Educação e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), é autor de 'Jorge Amado - a sabedoria da fábula' (Tempo Brasileiro) 

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