Pioneiro italiano dos contos de fada, Gianbattista Basile ganha tradução

'O Conto dos Contos: Pentameron' reúne histórias que foram base para clássicos infantis

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Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:

Em Fábulas Italianas, Italo Calvino lembra que “os grandes livros de fábulas italianas nasceram antes dos outros”. Em meados do século 16, em Veneza, a novela começa a se aproximar da fábula maravilhosa em Le Piacevoli Notti, de Straparola; no século seguinte, o napolitano Giambattista Basile, de acordo com Calvino, “escolhe para as suas acrobacias de estilista barroco-dialetal os cunti, as fábulas de’peccerille, e nos dá um livro, o Pentamerone”. 

Cena de 'Sol, Lua e Tália', de Basile, que inspirou 'A Bela Adormecida', pintada por Richard Eisermann Foto: FINE ART PHOTOGRAPHIC LIBRARY

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Embora Giambattista Basile (1566-1632) seja considerado um dos precursores dos livros de contos de fadas no Ocidente, sua obra é, ainda hoje, muito pouco conhecida entre nós. As antologias raramente incluem as fábulas do escritor napolitano. Além disso, a tradução desses textos para outras línguas não chega nem perto das traduções dedicadas, por exemplo, aos contos compilados pelos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm ou pelo francês Charles Perrault. 

O fato é que o percurso de contos de Basile foi bastante difícil; primeiro, porque escreveu em napolitano, a fim de preservar a língua na qual os camponeses da região lhe narravam esses contos da tradição oral. Além disso, valeu-se de trocadilhos, de jogos de palavras e de incontáveis metáforas, que foram analisadas por Italo Calvino num instigante ensaio intitulado O Mapa das Metáforas. Nele, Calvino destaca que a transparência de linguagem dos contos de Basile floresce de uma confusão de expressões populares e paráfrases literárias. Por fim, seus contos só foram publicados postumamente e com muitos erros de impressão e revisão, o que torna o trabalho de resgate da obra ainda mais complexo. 

Não bastassem esses empecilhos à leitura, a crítica não foi muito generosa com o escritor durante muito tempo. Bastou, porém, uma menção elogiosa feita a ele pelos irmãos Grimm, no século 19, para que os olhares se voltassem ao escritor italiano. Mas Basile seguiu, ou segue, sendo conhecido basicamente por uma elite de estudiosos dos contos e da literatura popular.

No Brasil, contávamos apenas com a tradução de alguns contos esparsos do escritor napolitano. A Editora Nova Alexandria acaba de publicar, contudo, pela primeira vez em português, os contos completos de Giambattista Basile, O Conto dos Contos: Pentameron, em tradução direta do napolitano de Francisco Degani. A tradução é fruto de longos anos de estudo e de uma pesquisa de pós-doutorado desenvolvida na Pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC, sob a supervisão da especialista Andréia Guerini. 

Degani é responsável também pelos comentários e pelas fartas notas que acompanham o volume e que dão à obra em português um caráter acadêmico. Um texto clássico de Benedetto Croce, escrito em 1924, se destaca entre outros paratextos que compõem o livro, os quais acabam, entretanto, por repetir muitas das informações oferecidas por ele.

O grande mérito de Degani é, sem dúvida nenhuma, como diria a artista chilena Cecilia Vicuña, trazer à luz aquilo que ninguém “buscava” ver, acomodados que somos com o que já conhecemos. Conhecer os contos completos de Basile nos permite ler os “contos de fadas” sob novo olhar. O escritor teria herdado essa tradição de reunir narrativas do também italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375), autor de Decameron, obra composta de dez jornadas, enfeixadas por uma narrativa moldura. Assim como na obra de Boccaccio, Conto dos Contos possui uma narrativa moldura que une cinco jornadas – por isso, Pentameron. 

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Esses contos são narrados à esposa grávida de um rei por dez velhas, entre as melhores contadoras da cidade. Diz o príncipe: “Não há nada melhor no mundo, minhas respeitáveis senhoras, do que ouvir a história dos outros; por esse desejo, vemos os artesãos deixarem as oficinas, os mercadores os negócios e irem de boca aberta pelas barbearias e pelas rodas de conversa, ouvindo novas mentiras, informações inventadas e notícias vazias”.

No início de cada conto de Basile, há um breve resumo da história e, ao final, um ensinamento moral como “navio que um bom piloto governa só por desgraça encontra um rochedo”. O leitor brasileiro reconhecerá em suas histórias algumas versões de contos bastante famosos, como O Gato de Botas (que consta da segunda jornada sob o título Cagliuso), Cinderela (que consta da segunda jornada sob o título A Gata Borralheira) etc. 

Alguns dizem que o autor escreveu esta obra para crianças, pois o título original era O Conto dos Contos: Para o Entretenimento dos Pequeninos; outros afirmam que é um livro para literatos e eruditos. O fato é que, como afirmou Cecília Meireles, as lendas pertencentes ao patrimônio oral dos povos são ainda a contribuição mais profunda para a literatura infantil; e com esses contos de Basile não é diferente, ainda que a publicação da edição brasileira não tenha tido em mente especificamente esse público.  *DIRCE WALTRICK DO AMARANTE É AUTORA, ENTRE OUTROS, DE ‘AS ANTENAS DO CARACOL: NOTAS SOBRE A LITERATURA INFANTOJUVENIL’ (EDITORA ILUMINURAS)

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