Pode dar velha

Ambulatório da notícia - Unidade de tratamento para quem sai mal na foto

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Por Tutty Vasques
Atualização:

Precisa ver o que diz o manual de instrução das eleições presidenciais americanas a respeito dos possíveis resultados do pleito, mas, pelo que a gente lê nos jornais, capaz de dar velha na apuração dos votos depositados nas urnas de todo país até a próxima terça-feira, dia 4. Se é que não vai ter prorrogação, par ou ímpar, pênaltis, zerinho-um ou cara ou coroa. Está começando agora a fase mais inacreditável do processo democrático nos EUA, quando vêm à tona as variadas possibilidades de fraude próprias do sistema precário de votação adotado em cada Estado da federação. Há três semanas, os americanos enfrentam longas filas onde o voto antecipado - o que já é um troço estranhíssimo - é facultado ao eleitor. Na Louisiana, a eleição praticamente já acabou. Na Flórida, onde a fraude é tão famosa quanto a Disney, a cédula é uma pegadinha. Se marcar com um xis ou um círculo o local indicado ao lado do nome do candidato, o papel riscado a lápis é recusado por uma máquina de leitura ótica. O eleitor tem três chances para descobrir que o certo é preencher a lacuna com um traço - ou seu voto será anulado. Em outros estados, a tecnologia empregada é tão atrasada quanto a frota de carros nas ruas de Havana. Ainda circulam em alguns distritos eleitorais americanos aquelas máquinas perfuradoras de cartões, coisa do tempo em que computador era chamado de cérebro eletrônico. Urna eletrônica por lá ainda é uma engenhoca menos confiável que o papel de pão usado por autoridades eleitorais da Carolina do Sul nas primárias de janeiro. O nome Mickey Mouse, acredite se quiser, consta da lista de 130 milhões de eleitores registrados para votar, segundo consulta aos arquivos da Acorn (Association of Community Organizations for Reform Now). Do you understand? Na tradução do imortal Ancelmo Gois, "deve ser horrível viver num país onde dever cívico é sinônimo de confusão". Votar na América é como buscar atendimento médico em um hospital público no Brasil. Precisa de muita paciência para não desistir da empreitada - em 2004 houve espera de mais de oito horas até o escrutínio. Vale tudo: bate-boca em boca-de-urna, desmaios, micos na cabine de votação e muita desistência. Ninguém é de ferro, ainda mais onde o voto é facultativo. A maior democracia do mundo proporciona dias de grande apreensão para o planeta. Se as eleições do dia 4 fossem numa República das Bananas de outros tempos, os EUA mandariam o Jimmy Carter de observador internacional para atestar - ou reclamar - lisura no processo de escolha do novo presidente. No Texas, ouvi dizer, há denúncias de que os candidatos estão trocando votos por promessa de bica d?água nas comunidades. Parece piada e, não à toa, o CQC de Marcelo Tas mandou equipe para cobrir a reta final daquela coisa toda. O brasileiro - quem diria! - acha até graça da pobreza tecnológica das eleições americanas. Pode mesmo se orgulhar, neste particular, da terra em que nasceu. Ainda que hoje à tarde Deus não dê provas de sua nacionalidade no autódromo de Interlagos, onde a pátria de capacete espera por um milagre no caminho de Felipe Massa, teremos motivo de sobra para entrar a semana com a cabeça erguida: o vexame americano carimba o Brasil como o país da urna eletrônica. Não é pouca coisa! Ah, coitado! Pelé manteve a majestade em público. Nas internas, já até consultou dicionário na Internet: burro, em espanhol, é burro mesmo, mas a torcida argentina também poderá chamar Maradona de asno, pollino ou jumento. Para o Rei do Futebol, tanto faz! Já lhe basta o alívio de não ser mais referência de comparação na carreira controversa de Dom Diego. O ex-craque portenho, que voltou à ativa como técnico da Seleção da Argentina, tem agora a missão de provar ao mundo que é melhor que o Dunga. Não vai ser nada fácil! Los hermanos de arquibancada ensaiaram a primeira vaia assim que a CBF de lá confirmou a notícia. Nisso, o argentino é igualzinho ao brasileiro: não há técnico suficientemente bom para comandar o futebol praticado nos dois países. Mesmo que tudo dê certo, o mérito será sempre de Messi, Tevez, Riquelme & cia. Vive la France! O "direito ao humor" foi evocado essa semana por um juiz do Tribunal de Grande Instância de Paris, em decisão contrária à ação de Nicolas Sarkozy, que pedia o fim da comercialização de um boneco de vodu com o rosto do presidente, líder absoluto de vendas no site da Amazon na França. Se fosse na Venezuela, os responsáveis pela brincadeira com Hugo Chávez seriam sumariamente expulsos do país. No Brasil, não sei o que aconteceria com empresa legalmente estabelecida que colocasse no mercado a imagem do Lula em textura de almofada, acompanhada de um conjunto de agulhas e manual do ritual de magia praticado nas Antilhas.

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