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Primeira mulher à frente de ‘The Economist’ vai dirigir a revista que mais irrita Dilma Rousseff

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Por Lúcia Guimarães
Atualização:
Minton Beddoes. Economista estudiosa da recessão global pós-crash de 2008 Foto: AP

Havia 13 candidatos declarados a um dos cargos mais cobiçados do jornalismo ocidental. Ela era a única mulher. Zanny Minton Beddoes quebra uma tradição de 172 anos na revista econômica mais influente da língua inglesa e também a que mais irrita a presidente Dilma Rousseff.

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A primeira mulher nomeada editora-chefe de The Economist é, ao contrário de alguns dos mais fortes concorrentes que venceu, uma economista educada em Oxford e Harvard e ex-funcionária do FMI. Aos 47 anos, Minton Beddoes é mais velha do que a maioria dos seus antecessores, que chegaram ao cargo antes dos 40. Mas a editora tem muito em comum com esse fechado clube de jornalistas, uma revista que insiste em se identificar como jornal, fundada em 1843 para defender o livre comércio. 

Se uma pequena diferença editorial for detectada num futuro próximo, deve-se notar que a economista já defendeu o aumento de impostos em países com pouca sobrecarga fiscal, como os EUA, para combater a desigualdade. Mas o alarme com o aumento da desigualdade, como ficou claro no último Fórum Econômico Mundial, em Davos, hoje está longe de despertar acusações de bolivarianismo. É possível que a ascensão de Minton Beddoes tenha sido ajudada pelo fato de que ela se notabilizou no jornalismo econômico como estudiosa da recessão global pós-crash de 2008.

A Economist é administrada com apego imperial a tradições. Os textos, não importa se reportagens ou artigos de opinião, não são assinados. Raramente a chefia da revista foi entregue a um forasteiro. Zanny Minton Beddoes pertence à redação desde 1994 e era, até, janeiro, editora de Negócios. O processo sucessório é decidido por um quarteto de notáveis, embora todos os jornalistas possam defender candidatos, o que alimenta intrigas palacianas, uma especialidade que Londres domina como poucas capitais de mídia.

Um editor conhecido desta repórter, já falecido, estava na linha sucessória nos anos 1990 e saiu imediatamente após perder a disputa para Bill Emmott, editor de 1993 a 2006. “Se você foi preterido, é de bom tom sair”, disse ele.

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A nomeação de Zanny Minton Beddoes ocorre ao fim de um ano em que o papel de mulheres na liderança de grandes instituições de jornalismo tradicional sofreu um retrocesso. O New York Times demitiu sua primeira editora chefe, Jill Abramson, num episódio vastamente analisado sob uma ótica de sexismo. Em Paris, Natalie Nougayrède, primeira editora-chefe do Le Monde, o mais importante diário francês, renunciou em maio depois de fracassar em trazer a publicação para a era digital, outro episódio atribuído a um colérico clube do bolinha analógico.

No outro grande jornal influente de língua inglesa, o Guardian londrino, a especulação sucessória é febril. O estimado editor Alan Rusbridger anunciou sua saída em dezembro. Vai ocupar um posto na corporação proprietária do jornal, Scott Trust. Duas mulheres são fortes candidatas ao posto: Katharine Viner, editora do Guardian US, e Janine Gibson, criadora da edição americana do jornal, que supervisionou a publicação das revelações de Edward Snowden sobre espionagem praticada pela NSA, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. 

As mulheres são minoria entre os leitores da Economist – 13%, de acordo com pesquisa da revista. Jornalistas mulheres são menos de um quarto da redação. O caráter insular da revista pode ter contribuído para Zanny Minton Beddoes romper a barreira do sexo? É possível, mas a nova editora, como atesta um ex-correspondente freelancer da revista no Brasil, mais do que demonstrou intelecto, independência e, aqui, uma característica que separa a publicação das que tentaram imitá-la, uma autoconfiança desassombrada que só uma sociedade estratificada como a britânica produz. 

A posição da Economist é única como pontificadora. Tem audiência garantida entre a elite financeira global e uma robusta base de leitores com uma circulação de 1,6 milhões de exemplares, a maioria fora da Grã-Bretanha. Sua influência fez com que Lula e Dilma escorregassem na casca de banana da jequice e reagissem a críticas da revista como se se tratasse de um incidente diplomático. Ambos não se opuseram quando a revista elogiava Lula, em sua lua de mel inicial com os mercados. Mas em 2012, quando um artigo sugeriu a demissão da equipe econômica liderada por Guido Mantega, Dilma reagiu com indignação para, dois anos depois, demitir Mantega. Em outubro passado, um exaltado Lula inflamou a multidão num comício contra o apoio da revista à candidatura de Aécio Neves. O departamento de assinaturas deve agradecer a publicidade gratuita.

O bilionário fundador da Oracle, Larry Ellison, disse: “Eu costumava pensar. Agora, apenas leio a Economist”. A frase, usada numa campanha da revista, pode também ser usada como munição para seus poucos e bissextos críticos, que tendem a se manifestar do lado de cá do Atlântico. Um exemplo: em 2009, a revista se desmanchou em elogios sobre a decisão de Lula de privilegiar instituições financeiras estatais como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e o BNDES. Sabemos como acabou esse filme. Mais que preocupada em demonstrar compromisso com uma filosofia editorial, a Economist é fiel ao clube de si mesma.

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