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Por que não uma Eneropa?

Arquiteto propõe um novo Velho Continente, com fronteiras rearranjadas de acordo com o potencial verde de cada nação

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Por Redação
Atualização:

ENEROPA. O mapa acima traduz o projeto de Rem Koolhaas, que só espera a adesão dos poderosos e dos que têm a chave do cofre. Foto: Reprodução

*Legenda: República de Captura e Armazenamento de Carbono

 

 

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Mera coincidência não foi. No mesmo dia em que se anunciou o trilionário socorro europeu à naufragante economia grega, dois de seus mais destacados fiadores, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, festejaram juntos os 60 anos de uma conquista histórica: a Declaração Schuman, assinada em 9 de maio de 1950, cinco anos depois do fim da 2ª Guerra Mundial.

 

Proposta pelo ministro das Relações Exteriores da França, Robert Schuman, foi muito mais do que um acordo de cooperação econômica. Ao impor um gerenciamento supranacional às indústrias de aço e carvão da França e Alemanha, impossibilitando a fabricação de armas e evitando que as duas potências descambassem para uma nova guerra, a declaração, também firmada por Holanda, Bélgica e Luxemburgo, ajudou um bocado a reforçar a paz na Europa.

 

Antes do fim da Alemanha Nazista, a Europa só tivera sossego, nos últimos dois séculos, entre 1814 e 1854, 1856 e 1914, 1918 e 1939. Afora consolidar 65 anos de harmonia no continente, aí descontados os conflitos internos na antiga Iugoslávia, na década passada, a Declaração Schuman abriu as portas para o Tratado de Maastricht, em 1992, a certidão de nascimento da União Europeia, e o estabelecimento de uma moeda única em 16 dos 27 países da Comunidade. Tremendas conquistas, agora ameaçadas por uma conjunção de fatores, cuja exacerbação pode levar, na estimativa de alguns pessimistas, à tão temida Europa de antigamente, com seus interesses conflituosos e nacionalismos irreconciliáveis.

 

Em meio ao pânico, provisória e precariamente sustado com o trilhão prometido à Grécia e o arrocho nas contas públicas anunciado pelos governos de Portugal e Espanha, mas prestes a irromper a qualquer momento, a julgar pelo comportamento do mercado financeiro na sexta-feira, um holandês tentou injetar esperança nos desesperançados. Não era um economista, muito menos um banqueiro, mas um arquiteto.

 

Renomado, bem relacionado, cheio de ideias, mas sem os recursos de que a salvação econômica da Europa de imediato precisa, o arquiteto Rem Koolhaas, autor da Casa da Música da cidade do Porto, da loja da Prada em Nova York e da filial do Museu Guggenheim de Las Vegas, divulgou um plano para tirar do aperto o continente e torná-lo um modelo de poupança e solidariedade para o resto do planeta. Poupança energética, basicamente.

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À frente do OMA (Office of Metropolitan Architecture) e por encomenda da European Climate Foundation, instituição filantrópica que se ocupa de projetos que atenuem os danos do efeito estufa e valorizem fontes de energia alternativas, Koolhaas projetou uma utopia - se lhe permitem o oxímoro, exequível: uma Europa inteiramente verde, um continente interligado por fontes de energia limpa, aproveitando o potencial de cada país nesse setor.

 

Prédios verdes, ecologicamente corretos, já existem muitos mundo afora; projetos de cidades verdes têm a China (Dongtan) e Abu Dhabi (Masdar City); mas todo um continente com as mesmas características, nem no papel ou na tela de um computador nunca se viu. "A megalomania é a principal característica do nosso repertório de ideias", jactou-se o sócio de Koolhaas no OMA, Reinier de Graaf, pavonada que ninguém pôs em dúvida.

 

Em determinados países, há vento de sobra e sol de menos. Tal é o caso da Inglaterra. Em outros, dá-se o inverso. Tal é o caso da Espanha. Conjugando o que aerogeradores de energia eólica podem produzir na Inglaterra com o que placas de captação de energia solar podem produzir na Península Ibérica, Itália e Grécia, boa parte da Europa conseguiria cortar 80% de suas emissões de CO2, ao longo dos próximos 40 anos, especialmente se incluídos nessa rede energética os demais países europeus com potencial maremotriz e bem-dotados de recursos hídricos, biomassa e termoelétricas. Eis, em síntese, o que Koolhaas pretende fazer na Europa, ou melhor, Eneropa. Além de colaborar para a despoluição do planeta, reduziria a dependência mundial do petróleo árabe e do gás russo.

 

Integrativo, não ideológico, sem vínculos com a histeria apocalíptica e respeitoso da identidade de cada país, o projeto só espera a adesão dos poderosos, dos que mandam e dos que têm a chave do cofre. Seu custo per capita, dizem, será bem inferior ao que atualmente se desperdiça em obras faraônicas, com guerras inúteis e socorros aos bancos. Pelo novo mapa da Europa, redesenhado a partir de fronteiras energéticas, não de limites traçados pela geopolítica, os países ensolarados (Portugal, Espanha, Itália, Grécia) fariam parte de uma região chamada de Solária; as ilhas britânicas formariam os Estados da Maré e as Ilhas do Vento; Suíça, Áustria e Norte da Itália integrariam a Hydropia Central e Romênia e Bulgária, a Hydropia Oriental; do meio da França até a Alemanha e parte da Áustria se estenderia a Geotermália.

 

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Ao mapa da Eneropa o OMA anexou um folheto com fotomontagens de cidades e regiões tal como ficariam depois de integradas por fontes alternativas de energia, a que batizou de "postais do futuro". Com todos os seus telhados dotados de paineis solares azuis, Barcelona ficou um espanto. Alguma coisa teremos de sacrificar para salvar a Europa e, por tabela o mundo, do armagedão econômico.

 

O Brasil já pode contribuir com sua cota de sacrifício daqui a algumas semanas. Como? Perdendo a Copa do Mundo na África do Sul. Outra ideia de procedência holandesa. Há dias o banco ABN Amro divulgou um estudo sobre futebol e economia, defendendo a tese de que a vitória da seleção alemã na Copa ajudaria imensamente a economia no mundo inteiro, pois a euforia da conquista levaria os alemães a consumir e investir muito mais. Não foi o que se viu nas Copas de 1974 e 1990. Se é para agitar a economia, prefiro torcer pela Solária, ou seja, pela Espanha e Portugal.

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